Acórdão nº 382/04-1 de Tribunal da Relação de Évora, 27 de Abril de 2004 (caso NULL)

Magistrado ResponsávelRIBEIRO CARDOSO
Data da Resolução27 de Abril de 2004
EmissorTribunal da Relação de Évora

Processo nº382/04-1 Acordam em conferência na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora: I 1.

- A. ..., identificado nos autos, participou criminalmente contra B. ... e C...., imputando-lhes a prática de factos passíveis de integrarem um crime de homicídio por negligência, p. e p. pelo art. 137 do Código Penal, na pessoa de D. ....

Teve lugar o inquérito - com audição do queixoso, tendo sido constituídos e interrogados como arguidos os denunciados e ainda E. ....

, sendo ainda ouvida uma testemunha e obtido o parecer de dois peritos médicos - findo o qual foi proferido despacho de arquivamento, nos termos do artigo 277º, nº 1, do Código de Processo Penal, por se ter entendido não existirem indícios suficientes da prática pelos arguidos do crime acima referido, como resulta do douto despacho de fls.319 a 328.

  1. - O denunciante, entretanto admitido a intervir como assistente, veio requerer a abertura de instrução, dizendo, no essencial, que: 1.º - 0 queixoso, ora requerente, é médico-cirurgião e, por isso, conhecedor profundo da matéria em análise.

    1. -Não se conforma com o douto despacho de arquivamento, isto na medida em que tal despacho, não apurou aquilo que está verdadeiramente em causa.

    2. -As questões colocadas aos Srs. Nefrologistas não foram aquelas que devem verdadeiramente ser apuradas.

    3. - Com efeito, contrariamente ao respondido pelos Srs. Peritos médicos, o que está em causa, não é a dosagem de "Enoxaparina", que é colocada na máquina de hemodiálise, mas sim a dosagem de anticoagulante que foi utilizada na limpeza do cateter permanente que estava colocada no corpo da falecida mulher do requerente(cf. fotografia já junta aos autos, e Doc.. 2, junto ao requerimento de 12.06.02).

    4. - Tal como disseram os Srs. Peritos médicos, a dosagem de "enoxaparina", colocada na máquina de hemodiálise já está previamente embalada e é utilizada na doente.

    5. - Mas o que está em causa, e tal resulta das declarações prestadas pelo queixoso no inquérito, é a dosagem de líquido anticoagulante utilizada na limpeza de cateter, dosagem esta que tinha uma coloração diferente da habitual, o que foi transmitido ao queixoso pela falecida D. ... e, teria sido essa solução que provocou uma hemorragia tetraventricular maciça.

      1. - Esta dosagem de anticoagulante utilizada na limpeza do cateter é aplicada de modo diferente daquela que é utilizada no tratamento de hemodiálise. Enquanto nesta o líquido é deitado na própria máquina, e já está previamente embalado, na outra, na limpeza do cateter, é injectada na extremidade do cateter, e a solução anticoagulante é manipulada, manualmente, e feita na ocasião.

    6. - 0 anticoagulante utilizado no tratamento da limpeza do cateter, tem o mesmo efeito que é a de evitar a coagulação do sangue, e é uma solução muito perigosa, que pode conduzir à morte dos doentes.

      1. - Ora, acerca da dosagem de anticoagulante utilizada na limpeza do cateter, os Srs. Peritos nada disseram e, provavelmente, nem sabiam da existência do cateter.

    7. - Os Srs. Peritos médicos necessitam de saber que a doente tinha implantado um cateter permanente, e precisam de ponderar a hipótese de o líquido de anticoagulante utilizado na limpeza do cateter não ter sido na dosagem apropriada.

    8. - 0 requerente não desistirá de procurar esclarecer uma morte que se mostra tão pouco esclarecida cientificamente.

    9. - O requerente sabe, porque é médico-cirurgião e assistiu à operação efectuada à sua falecida mulher, que esta tinha uma hemorragia maciça, nos quatro hemisférios cerebrais, pela abertura da calote cerebral (trepanação) feita pelo neurocirurgião, Sr. Dr. ...

    10. - A certidão de óbito, passada pela Sr.ª Dra. ..., refere um acidente vascular cerebral vulgar, mas omite, naquela certidão, que a doente estava a fazer hemodiálise, e que a hemorragia era maciça.

    11. - O relatório do Sr. Dr. ..., reforça a convicção do ora requerente de que a hemorragia tetraventricular maciça, de que foi vítima a falecida D..., teve como causa a terapêutica anticoagulante.

    12. - 0 requerente, pretende, assim, ver cabalmente esclarecida uma morte, que ainda não se mostra suficientemente, esclarecida, e, ainda reforçado por declarações de um colega neurologista que aconselhou o requerente a não desistir do processo em virtude de ter constatado a existência de mais casos idênticos ao da falecida D... que devem ser esclarecidos.

    13. - Importa agora fazer alguns esclarecimentos ao que é dito no douto despacho de arquivamento.

    14. - Assim, e desde logo, não é verdade aquilo que vem dito no parágrafo 2°, ou seja, de que a D. ... regressou a casa conduzindo a sua viatura.

    15. - 0 que aconteceu foi que a falecida sentou-se no lado do condutor, mas depressa disse ao requerente para ser ele a conduzir pois não se sentia bem.

    16. - Também não é verdade que a doente não tenha reclamado ou chamado a atenção sobre a coloração do produto utilizado na limpeza do cateter. (cf. fls. 2).

    17. - Igualmente não poderá o Exmo. Procurador dizer que o denunciado Dr. B... tenha cumprido os seus deveres de vigilância e assistência à doente, quando há documentos nos autos que demonstram que o Sr. Dr. B. ..., no dia em causa 23.01.2001 (cf. Does, n°s. 10 e 12, juntos com o requerimento de 12.06.02), não se abeirou da doente.

    18. - Ou ainda que dizer dos termos em que ocorreu a consulta do dia 18.01.01, na qual o denunciado insultou a doente por esta não ter tomado um medicamento (cf. documentação junta aos autos), e que culminou com a decisão do denunciado em dizer que não tinha condições psicológicas para continuar a exercer as funções de médico assistente da doente - cf. Doc. 12, junto com o aludido requerimento de 12.06.02).

    19. - Os arguidos bem sabiam que a sua conduta não era permitida por lei e ambos sabiam que deveriam ter tomado todos os cuidados no emprego da substância anticoagulante administrada à falecida, mas, ainda assim, descuraram o dever de cuidado a que estão obrigados.

    20. - Pelo exposto, cometeram, os arguidos, um crime de homicídio por negligência, p. e p. pelo art. 137° do Código Penal.

    21. - Por conseguinte, os indícios já recolhidos no inquérito (cf. Relatório do Dr. ...) e ainda aqueles que venham a resultar das diligências a realizar em sede de instrução, são amplamente suficientes para submeter os arguidos a um julgamento, sendo que a sua condenação, pela prática de um crime de homicídio por negligência, é mais provável que a sua absolvição 3.

      - Por despacho de fls. 362 e 363 a Mm.ª Juiz a quem coube o processo para instrução, por entender que o requerimento de abertura da instrução, no caso de arquivamento dos autos, equivale a acusação, devendo, por isso, conter a indicação dos factos concretos a averiguar e que possam preencher os elementos objectivos e subjectivos do tipo imputado e, bem assim, o tipo de ilícito indiciado, declarou a nulidade do requerimento de abertura de instrução, tendo-o indeferido liminarmente e determinado, após trânsito, o arquivamento dos autos.

  2. - Inconformado, o assistente veio interpor recurso do despacho que rejeitou o pedido de instrução, pugnando pela sua revogação e substituição por outro que ordene a abertura da mesma, concluindo a sua motivação nos seguintes termos: I. O...

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