Acórdão nº 4028/2004-9 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 08 de Julho de 2004 (caso NULL)

Magistrado ResponsávelJOÃO CORROLA
Data da Resolução08 de Julho de 2004
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Acordam, em audiência, na 9ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Lisboa: I.

No Processo Comum, com intervenção do Tribunal Colectivo, n.º 465/02.6 PFLSB da 2ª Secção da 6ª Vara Criminal de Lisboa, foi submetido a julgamento o arguido (R), sendo-lhe imputada a prática de um crime de sequestro p. e p. no art.º 158º n.º 1 CP e de um crime de coacção sexual p. e p. no art.º 163º n.º 1 CP.

Efectuado o julgamento, foi o aludido arguido, condenado como autor de um crime de sequestro, p. e p. pelo art.º 158 n.º 1 do CP, na pena de dois anos de prisão e pela prática de um crime de coacção sexual, em concurso real com aquele, p. e p. pelo art.º 163 n.º 1 do CP, na pena de quatro anos de prisão e, em cumulo jurídico da ambas as penas, na pena única de 4 anos e 6 meses d prisão.

Inconformado com tal decisão condenatória, o arguido interpôs recurso, tendo, da correspondente motivação apresentado as seguintes conclusões: "1 - O acórdão sofre desde logo do vicio do artº 410º nº 2 al. a) do CPP na medida em que os factos são insuficientes para dar como provado o que foi dado; 2 - A prova contra o recorrente assenta apenas nas declarações da queixosa, sem qualquer outro elemento, sendo o reconhecimento fotográfico duvidoso e depois o reconhecimento pessoal já sem credibilidade; 3 - O que a queixosa descreveu não é típico , não é normal. É inconcebível que possa ter sido passeada , a pé, por meia Lisboa para depois ser apalpada e beijada no Largo do Corpo Santo; 4 - Tenhamos em vista a Lição do Deuteronómio citada, e a lição do Senhor Vice-Presidente do CSM, citada; 5 - Por sua vez, os factos descritos não preenchem o conceito de acto sexual de relevo, porque não têm a gravidade exigida pela Lei, conforme a lição dos ACS dos nossos Tribunais superiores acima indicada, e da doutrina vinda de indicar; 6 - Por sua vez, a haver crime o do artº 163º do CP está numa relação de especialidade com o do artº 158º sendo absorvido por aquele; 7 - Acresce que mesmo a terem existido, as penas parcelares são excessivas, pois tudo parece não passar de uma brincadeira de jovens da mesma idade, tendo sobretudo em atenção que nada foi provado quanto ao furto de um blusão, pelo que o móbil seria fazer passear a queixosa desde os Anjos ao largo do Corpo Santo para a beijar e apalpar, o que qualquer jovem faz numa qualquer discoteca; 8 - Tudo parece uma brincadeira; 9 - Por sua vez, as penas parcelares não podem ser superiores a 1 ano por cada crime, ou de 1 ano e 6 meses pelo do artº 163º, se se julgar estar absorvido o do artº 158º do CP por aquele, mas a pena única nunca deve ser superior a 18 meses de prisão e suspensa na sua execução, dado o recorrente ser muito jovem, tudo ter o cariz de brincadeira de miúdos; 10 - O Tribunal "a quo" violou as normas dos artºs 50º, 70º e 71º, 158º e 163º do CP e a norma dos artºs 127º e 410º nº 2 al. a) do CPP; 11 - Sendo por isso o acórdão nulo, ou se assim se não entender ilegal; 12 - O tribunal "a quo" interpretou as normas dos artºs s 50º, 70º e 71º, 158º e 163º do CP e a norma dos artºs 127º e 410º nº 2 al. a) do CPP no sentido de dever condenar o recorrente mas deveria tê-las interpretado no sentido de o dever absolver , em nome do principio in dúbio pro reo, ou se assim se não entendesse de dever condená-lo na pena única de 18 meses de prisão e suspensa na sua execução." Termina pela nulidade do acórdão e ordenado o reenvio para ser julgado se os apalpões foram por cima da roupa ou não, ou então revogado o acórdão e condenado o recorrente na pena de 18 meses de prisão , suspensa na sua execução.

O Digno Magistrado do Ministério Público junto do tribunal recorrido defendeu a manutenção do julgado, tendo, nas conclusões da sua resposta, sustentado que: "1 - A falta da documentação dos actos da audiência não consubstancia mais do que uma mera irregularidade processual sujeita à disciplina própria do art.' 123° do Código de Processo Penal.

2 - Em momento algum foi arguida tal irregularidade pelo que se encontra a mesma sanada.

3 - Mesmo nos casos em que o recurso se ache circunscrito ao direito, cabem nos poderes de cognição do tribunal de recurso, ainda no âmbito da matéria de facto, os vícios a que se refere o art.' 410° do Código de Processo Penal, ou seja, a insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, a contradição insanável da fundamentação ou entre esta e a decisão e o erro notório na apreciação da prova.

4 - Vícios esses que respeitam à decisão, ou seja, têm necessariamente de resultar do texto da decisão recorrida, por si só ou em conjugação com as regras da experiência comum.

5 - Do texto do acórdão recorrido não se descortina erro notório na apreciação da prova, como não se constata qualquer contradição insanável da fundamentação ou entre esta e a decisão e a matéria de facto nele considerada não é insuficiente para a decisão tomada.

6 - Há que considerar assente a matéria de facto fixada pelo Tribunal a quo.

7 - É correcto o enquadramento jurídico dos factos provados, impondo-se a condenação do recorrente, em concurso real, pelos crimes de sequestro p. e p. pelo art.° 158°.1, e de coacção sexual p. e p. pelo art.º 163°.1, do Código Penal.

8 - Justifica-se uma redução das penas, parcelares e unitária, aplicadas pelo Tribunal a quo.

9 - A pena unitária aplicada não deverá ser suspensa na sua execução por não resultar viável o juízo de prognose que leve a considerar que a simples censura do facto e a ameaça de prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.

10 - Merecerá o recurso parcial provimento, nos sobreditos termos." Nesta instância, o Exmo Procurador-Geral Adjunto apôs o visto a que alude o art. 416º do C.P.Penal, reservando a produção de alegações para a audiência de julgamento.

II.

Colhidos os vistos legais, foi efectuada a audiência, cumprindo agora apreciar e decidir.

Não visando o recurso exclusivamente o reexame de matéria de direito, pois flui das conclusões da motivação que o que se pretende questionar é a matéria de facto dada como assente, e sendo ainda que não houve documentação em acta das declarações prestadas oralmente, esta Relação é a competente para dele conhecer de facto - com a extensão decorrente do disposto no artigo 410º, nº 2, do C.P.Penal - e de direito (art. 428º, nº 1 e 2, do mesmo código, ao prescrever: "(...) Sem prejuízo do disposto no artigo 410.º, n.ºs 2 e 3, a declaração referida no artigo 364.º, n.ºs 1 e 2, ou a falta do requerimento previsto no artigo 389.º, n.º 2, ou no artigo 391.º-E, n.º 2, vale como renúncia ao recurso em matéria de facto." Estando vedado a este tribunal pronunciar-se sobre a matéria de facto em virtude da mencionada declaração resta-nos, ex oficio, apreciar da existência de algum dos vícios mencionados no art.º 410 n.º 2 CPP.

Com efeito, e incidindo sobre a questão prévia suscitada pelo recorrente, dir-se-á que o Supremo Tribunal de Justiça tem vindo a entender de modo uniforme que, se, nas conclusões apresentadas, o recorrente não pretende exclusivamente o reexame da matéria de direito, antes coloca em causa a matéria de facto provada e invoca alguns dos vícios do artº. 410º, nº 2, do C.P.Penal, o recurso deixa, desde logo, de poder ser interposto para o Supremo Tribunal de Justiça, tendo de ser interposto para a Relação ( vd., entre muitos, os Acórdãos do STJ de 13/10/99, Proc. nº 284/99 e Proc. nº 739/99, ambos da 3ª Secção, de 7/10/99, Proc. nº 251/99- 5ª Secção, de 14/10/99, Proc. nº 1025/99- 5ª Secção e de 10/11/99, Proc. nº 1037/99- 3ª Secção ) .

É a seguinte a factualidade que foi dada como provada: "--- No dia 23 de Junho de 2002, pelas 22 horas e 20 minutos, a queixosa (S), melhor identif. a fls. 3, encontrava-se na Avª Almirante Reis, em Lisboa, dirigindo-se para sua casa; --- foi então rodeada por três indivíduos - dois de raça branca e o arguido -, sendo que um dos indivíduos não identificados, com a concordância dos restantes, encostou-lhe um objecto não identificado ás costas, objecto que a picava e se assemelhava a uma faca; --- então, todos os indivíduos ordenaram-lhe que caminhasse á sua frente, o que a ofendida fez, por temer pela sua integridade fisica; --- nestes termos, a ofendida, contra a sua vontade, e sempre com o referido objecto apontado, caminhou á frente do arguido e dos restantes desde a Avª. Almirante Reis, passando pela Praça D.Pedro IV, pela Rua do Ouro; Praça do Comércio; Avª. Ribeira das Naus, até ao Largo do Corpo Santo, em Lisboa; ---- chegados a este local - Largo do Corpo Santo - no parque de estacionamento aí existente, o arguido e os restantes agarraram-na pelos braços e retiraram-lhe o blusão que vestia; --- de seguida o arguido beijou-a; apalpou-lhe os seios; as nádegas e a vagina, o que fez contra a vontade daquela; --- neste comportamento...

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