Acórdão nº 3738/2004-3 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 23 de Junho de 2004 (caso NULL)

Data23 Junho 2004
ÓrgãoCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Acordam em audiência no Tribunal da Relação de Lisboa: I - No presente processo comum (T. Col.) do Círculo Judicial das Caldas da Rainha do 2º Juízo do T.J. de Peniche), por acórdão de 21 de Janeiro de 2004, foi decidido julgar parcialmente procedente a pronúncia e, em consequência: a) Condenar o arguido (HC) (id. nos autos), pela prática de um crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelos artºs 3º do D.L. nº 207-A/75, de 17/4, 38º do D.L. nº 37.313, de 21/2 e 275º, nºs 1 e 3 do Código Penal, na pena de sessenta (60) dias de multa, à taxa diária de 3 € (a que corresponde a pena subsidiária de 40 dias de prisão); b) Condenar o arguido (ES) : · Pela prática de um crime de homicídio qualificado, na forma tentada, p. e p. pelos artºs 22º, 23º, 73º, 131º e 132º, nºs 1 e 2, al. f), do Código Penal, na pena (parcelar) de nove (9) anos de prisão, absolvendo-o de um crime de homicídio qualificado, na forma consumada, de que se achava pronunciado; · Pela prática de um crime de homicídio qualificado, na forma consumada, p. e p. pelos artºs 131º e 132º, nºs 1 e 2, al. f), do Código Penal, na pena (parcelar) de dezanove (19) anos de prisão; · Efectuando o cúmulo jurídico, nos termos do artº 77º do C.Penal, foi este arguido condenado na pena única de vinte e quatro (24) anos de prisão (à qual se irá descontar o tempo de prisão preventiva já sofrido).

c) Julgando parcialmente procedente o pedido de indemnização civil deduzido contra o arguido/demandado (ES), pelos demandantes (DF) e (N) (filhos das vítimas (NC) e (SM)), condenou-o a pagar-lhes a quantia global de € 230.000 (duzentos e trinta mil euros), acrescida dos juros de mora, à taxa anual de 3%, desde a data dessa decisão (até integral pagamento), absolvendo-o do demais peticionado; d) E julgando improcedente, por não provado, o pedido de indemnização civil deduzido contra o arguido/demandado(HC), dele o absolveu.

(...) II - A) Deste acórdão interpõem recurso para a Relação, quer os assistentes quer o arguido (ES).

(...) III - Tudo visto. Efectuada a audiência, há que ponderar e decidir.

  1. Âmbito dos recursos: Como é jurisprudência pacífica dos nossos tribunais superiores (por todos, cf. Acs. STJ de 16/11/95 e de 31/01/96, in BMJ 451/279 e 453/338, respectivamente) e resulta do princípio da cindibilidade do recurso em processo penal, consagrado no artº 403º e subjacente ao artº 412º, ambos do CPP, o âmbito do recurso é dado pelas conclusões formuladas pelos recorrentes.

    Assim, as questões a decidir são as seguintes (começando pelas que são prévias): 1ª - Deve ser rejeitado o recurso dos assistentes - cfr. artº 420º, nº 1 do CPP ? 2ª - O recorrente (ES) (não) impugna a matéria de facto, nos termos dos nºs 3 e 4 do artº 412º do CPP ? Nessa parte, é manifestamente improcedente o recurso ? 3ª - Terá sido cometida nulidade do acórdão, por (alegado) incumprimento do nº 2 do artº 374º do CPP, por (alegada) falta do exame crítico da prova - cfr. artºs 97º, nº 4, 379º, nº 1, al. a), e 410º, nº 3, todos do CPP (cfr. 6ª conclusão do recorrente (ES) ) ? 4ª - Constata-se do texto da decisão recorrida (por si só ou conjugado com as regras de experiência comum) algum dos vícios elencados no nº 2 do artº 410º do CPP, mormente o da al. a) (mesma 6ª conclusão) ? No caso positivo, haverá que, no caso, proceder a renovação da prova (cfr. artº 430º, nº 1 do CPP) ? 5ª - « Ao valorar diferentemente o depoimento das testemunhas em face ao do arguido, o tribunal a quo fez uma interpretação errada dos artºs 124º, 127º e 140º, nº 2 do CPP, em violação do artº 32º, nºs 1 e 8 da CRP » ? 6ª - Os factos apurados relativos ao recorrente (ES) integram a autoria dos crimes de homicídio agravado (um na forma tentada e outro consumado), como foi condenado no acórdão recorrido ? Ou antes, deve ser absolvido? 7ª - Deve manter-se a medida concreta das penas aplicadas ao recorrente (ES) ? * B) Da rejeição do recurso dos assistentes - cfr. artº 420º, nº 1 do CPP.

    Na verdade, pretendem os assistentes no seu recurso obter, aqui e agora, a condenação do arguido (HC) por alegada comparticipação (com o arguido (ES)) nos crimes de homicídio agravado e/ou pela prática de um crime de profanação de cadáver .

    Contudo, não têm razão.

    Desde logo, porque o objecto do processo se fixou com a acusação (no caso, acusação pública, do MºPº, cfr. fls. 913 a 921) e subsequente decisão instrutória (cfr. fls. 1035 e segs.), sendo certo que se constata que este arguido, (HC), apenas foi acusado e pronunciado pela prática do já acima aludido crime de detenção de arma proibida, por que veio a ser condenado (na multa acima consignada).

    Por outro lado, os assistentes requereram a abertura de instrução neste processo, já com esta finalidade; isto é, de o arguido (HC) vir a ser pronunciado (ser sujeito a julgamento) pela co-autoria dos mencionados crimes de homicídio agravado , e também pela prática do crime de profanação de cadáver.

    No entanto, o resultado da instrução foi, exactamente o oposto a tal pretensão, como se pode ver dos autos, pois foi prolatada decisão judicial de não pronúncia deste arguido por esses mesmos crimes .

    Daí que, nessa parte, a decisão judicial de não pronúncia do arguido (HC) transitou em julgado, ou seja, no sentido de que, nessa exacta medida, se consideram arquivados os autos e embora o processo possa vir a ser reaberto, esta reabertura deverá (rectius, terá) de obedecer a trâmites processuais próprios e só quando e se surgirem, entretanto, novos elementos de prova para tal - cfr. artºs 277º, 279º, 449º, nº 2 e 450º, nº 1-b), todos do CPP. Neste sentido, cfr. Prof. Germano Marques da Silva, no Curso de Processo Penal, III Vol., págs. 209 a 215 (Editorial Verbo, 1994).

    Assim sendo, como é, não se trata tanto da ilegitimidade ou da falta de interesse em agir dos assistentes/recorrentes (como pretende a Digna Procuradora da República, na resposta ao recurso), mas antes e sobretudo de constatar que este recurso é manifestamente improcedente, por ser manifestamente inviável - cfr. artº 420º, nº 1 do CPP. Neste sentido, cfr. Maia Gonçalves, no seu CPP Anotado (13ª ed., pág. 837, nota 2).

    Concluindo: Rejeita-se o recurso dos assistentes por ser manifestamente improcedente - cfr. artº 420º, nº 1 do CPP.

    Em consequência, devem ser condenados por tal lide temerária, na importância a que se reporta o nº 4 deste artº 420º (já que ela não se confunde com a condenação em custas pelo decaimento; cfr. Maia Gonçalves, ibidem, e Ac. STJ de 24/01/89, BMJ 393, 294).

    * C) Quanto ao recurso do arguido (ES).

    1. Quanto à impugnação da matéria de facto.

      Como se pode ver, no presente processo comum, a audiência de discussão e julgamento, na 1ª instância, decorreu perante tribunal colectivo e a prova ali produzida foi devidamente documentada (mediante gravação magnetofónica), como consta das respectivas actas.

      Acresce que, ainda na 1ª instância, por iniciativa do próprio tribunal, procedeu-se à transcrição, na altura própria .

      Aliás, nesta matéria, há jurisprudência fixada pelo Ac. Pl. das Sec. Crim. do STJ, de 16/01/2003, no sentido de : « Sempre que o recorrente impugne a decisão proferida sobre matéria de facto, em conformidade com o disposto nos nºs 3 e 4 do artigo 412º do Código de Processo Penal, a transcrição ali referida incumbe ao tribunal.

      » Significa isto que, ao invés do alegado, é pressuposto dessa transcrição que o recorrente manifeste a sua vontade de impugnar a matéria de facto e que o faça nos termos que a própria lei regulamenta - cfr. nºs 3 e 4 do artº 412º do CPP.

      Interpretação esta que está de acordo com os princípios e normas constitucionais, mormente das garantias de defesa asseguradas pelo nosso processo criminal, sendo que o direito ao recurso não é irrestrito - como, aliás, o recorrente refere ter sido já reconhecido pelo próprio Tribunal Constitucional (citado Ac. nº 573/98, in D.R., II Série, de 13/11/98).

      Acontece, antes, que o recorrente (ES) não cumpriu, porque não quis, o ónus de especificação constante daqueles nºs 3 e 4 do artº 412º do CPP (Motivação do recurso e conclusões), onde claramente se dispõe que : « 3. Quando impugne a decisão proferida sobre a matéria de facto, o recorrente deve especificar: a) Os pontos de facto que considera incorrectamente julgados; b) As provas que impõem decisão diversa da recorrida; c) As provas que devem ser renovadas.

    2. Quando as provas tenham sido gravadas, as especificações previstas nas alíneas b) e c) do número anterior fazem-se por referência aos suportes técnicos, havendo lugar a transcrição.» Em suma, o recorrente teve a efectiva possibilidade de cumprir aquele ónus de impugnação específica, mas não o quis cumprir (sibi imputet).

      Ora, como se disse, o direito ao recurso não é irrestrito, sendo que, para impugnar a matéria de facto o legislador exige um mínimo de cautela, facilmente exequível pelo cidadão, pelo arguido condenado, bastando, assim, que tenha tomado o mínimo de atenção durante a audiência de julgamento (podendo, aliás, consultar as actas onde constam os locais precisos em que as declarações ali produzidas estão documentadas, aí se discriminando as cassetes audio, o seu número, o lado e respectivas rotações, como acontece no caso) e daí que se conclua que teve a efectiva possibilidade de cumprir tempestivamente (no prazo do artº 411º, nº 1 do CPP) aquelas formalidades: indicar os pontos da matéria de facto que considera incorrectamente, mas não o fez; indicar as provas que poderiam, no seu entender, impor decisão diversa, mas não o fez; indicar as provas que devem, no seu entender, ser renovadas, mas também não o fez. Tal como não fez referência aos respectivos suportes técnicos onde esta (prova) se encontra.

      Ao invés, o que o recorrente pretende é pôr em causa toda a prova e, indiscriminadamente, toda a matéria de facto, para concluir que, sem essa possibilidade, ou seja, sem a possibilidade de um novo julgamento nesta Relação, não se asseguram todas as garantias de defesa e não se cumpre, assim, o exigível duplo grau...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT