Acórdão nº 10581/2003-5 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 01 de Junho de 2004 (caso NULL)
Magistrado Responsável | FILOMENA LIMA |
Data da Resolução | 01 de Junho de 2004 |
Emissor | Court of Appeal of Lisbon (Portugal) |
Acordam, em audiência, na 5 ª secção do Tribunal da Relação de Lisboa: 1. No processo de recurso de contra-ordenação n.º 90/02.1 TBMTA do 1º Juízo do Tribunal Judicial da Moita, foi proferida decisão judicial que julgou improcedente o recurso interposto pelo arguido Alexandre Pedro dos Anjos Roque Silva, através do recurso de fls. 89 a 112, da decisão administrativa do Governo Civil de Setúbal de fls. 71 a 76, mantendo a decisão que o condenara na coima de € 99.759,58 pela prática da contra-ordenação p.p. pelo art.º único, n.º1 da Lei 12-B/2000 de 8.7 e art.º 2º do DL 196/2000 de 23.8, por actos cometidos no âmbito de lide tauromáquica com morte da rês lidada.
Inconformado com esta decisão, interpôs recurso o arguido que motivou com as seguintes conclusões: - O regime aplicável às contra-ordenações consiste no RGCO, a que subsidiariamente se aplicará toda a legislação penal, inclusivamente a consagrada a nível constitucional.
- O princípio da legalidade implica que não se poderá aplicar ao processo contra-ordenacional normas que não sejam previstas na sua regulamentação específica.
- Não existe qualquer previsão para o instituto da ratificação em processo contra-ordenacional, pelo que tal acto viola o preceituado nos n.os 1, e 3, do art. 29.º, e n.º 10, do art. 32.º da CRP e ainda o art. 2.º do RGCO.
- A competência para tal acto não é por isso atribuída por qualquer legislativo, pelo que, - A ratificação violou as alíneas b) e c), do n.º 1, do art. 133.º, do CPA, pelo que é anulável.
- A única hipótese que possibilitaria a sua aplicação seria a interpretação analógica do art. 137.º do CPA.
- Tal interpretação viola frontalmente a proibição de analogia em matéria penal, prevista nos n.º 3, do art. 1.º do CP.
- Essa mesma aplicação viola ainda a proibição de aplicação retroactiva de normas desfavoráveis ao arguido previstas nos n.os 1, 2, 3 e 4 do art. 29.º da CRP e ainda nos n.os 2 e 4, do art. 2.º do CP.
- Ainda que assim não se entenda, o acto de ratificação é, à luz do próprio direito administrativo intempestivo.
- A publicação do mesmo acto ocorreu no dias posterior ao termo do prazo legalmente estipulado para a revogação (no art. 62.º do RGCO, ou no art. 141.º do CPA - para este efeito específico, o regime escolhido é idêntico).
- A ratificação é assim anulável, ao abrigo do art. 135.º do CPA, o que determinará que o acto de aplicação da coima ao arguido - viciado de anulabilidade por incompetência - nunca se sanou, pelo que, - O acto que aplicou a coima ao arguido é anulável e nunca foi sanado.
- Ainda que assim não se entenda, a Lei n.º 12-B/2000 e o Decreto-Lei n.º 196/2000 são ambos inconstitucionais.
- O Governo só poderia estabelecer um valor de coima acima do previsto no art. 17.º do RGCO precedido de uma autorização legislativa da Assembleia da República.
- A pretensa lei de autorização (Lei n.º 12-B/2000) não estipula a extensão nem a duração da respectiva autorização, pelo que é inconstitucional (por violação do n.º 2, do art. 165.º, da CRP).
- O pretenso Decreto-Lei autorizado (Decreto-Lei n.º 196/2000), sofre de inconstitucionalidade consequente - por emanar de uma autorização viciada - e igualmente de inconstitucionalidade directa (por não mencionar a respectiva lei de autorização, n.º 3, do art. 198.º, da CRP).
- Ambos diplomas violam ainda os arts. 49.º e ss. do TUE e o n.º 2, do art. 8.º da CRP, por atentarem contra o direito de livre prestação de serviços do arguido - comunitariamente consagrado.
Admitido o recurso com subida imediata, nos próprios autos e efeito suspensivo, respondeu o MºPº pugnando pela improcedência do recurso, para o que conclui :
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O despacho de delegação de poderes, com ratificação da decisão de aplicação de coima praticada pelo agente delegado antes da publicação do mesmo, é admitido no âmbito da optimização organizativa dos órgãos e agentes administrativos, incluindo daqueles que detêm competências no âmbito de processo de contra ordenação, sendo sustentado pelo ordenamento jurídico-administrativo, sem que tal represente a aplicação subsidiária ou analógica desse ordenamento no processo de contra ordenação, em violação da autosuficiência do respectivo Regime Geral decorrente do princípio da legalidade..
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Sendo inaplicável aos despachos do Governador Civil as normas do artº 119º nº 2 da CRP e do artº 5º do C. Civil respeitantes à publicação, tendo o arguido tomado conhecimento do teor do despacho do Governador Civil que ratificou a decisão do Secretário do Governo Civil de aplicação de coima anteriormente à remessa dos autos a juízo e tendo a publicação daquele ocorrido antes de tal remessa, inexiste qualquer vício ou intempestividade no despacho de ratificação e na sua publicação.
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A ratificação da decisão de aplicação de coima anterior à publicação do despacho de delegação da competência para a prática desse tipo de actos, visa validar, em termos de competência, tal decisão anterior à publicação praticada pelo agente no âmbito das competências delegadas, não constituindo qualquer violação do princípio constitucional da proibição da aplicação retroactiva de normas penais, o qual respeita à incriminação e punição.
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A Assembleia da República ao tipificar pela Lei 12-B/2000 uma contra ordenação e fixado excepcionalmente a sua punição com coimas com limites superiores aos decorrentes do RGCO, permitiu ao Governo, no exercício das competências legislativas próprias ( e não autorizadas ), desenvolver pelo D.L. 196/2000 o regime específico de tal ilícito, ficando apenas limitado nos aspectos relacionados com a moldura da coima, não pelo RGCO, mas pelo estabelecido nessa Lei excepcional, sem que tal diploma de desenvolvimento esteja ferido de inconstitucionalidade orgânica.
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Em Portugal o conteúdo funcional da categoria profissional de " matador de touros " estabeleceu-se em conformidade com a configuração legal e tradicional da corrida de touros neste País, proibindo-se no mesmo a morte das reses lidadas, restrição efectuada em função da protecção de outros interesses fundamentais e não mero impedimento ao desenvolvimento de tal actividade com violação dos princípios de liberdade de prestação de serviços no espaço comunitário consagrados pelo Tratado da União Europeia.
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Nestes termos, face à matéria factual dada como provada, ao manter a decisão administrativa que condenou o arguido recorrente pela prática da contra ordenação p. e p. pelo artº 1º do artº único da Lei 12-B/2000 de 08 Julho e artº 2º nº 1 do Decreto Lei 196/200 de 23 Agosto, na coima de € 99.759,58, o Mmº Juiz a quo, não violou qualquer disposição legal.
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Conforme resulta do art.º 75º RGCOC a 2ª instância apenas conhece da matéria de direito sem prejuízo da averiguação oficiosa de vícios do art.º 410º, n.º2 CPP e pode ainda conhecer de nulidades que não devam ter-se por sanadas.
Do próprio objecto do recurso, delimitado pelas conclusões da motivação, resulta que o recorrente não impugna a matéria de facto.
Perante as conclusões da motivação de recurso são as seguintes as questões trazidas à apreciação deste Tribunal: - da nulidade do acto de ratificação da decisão que aplicou a coima e da consequente nulidade desta por falta de competência material do seu autor, face à inadmissibilidade da ratificação em processo contraordenacional e à aplicabilidade ao processo contraordenacional da ratificação administrativa, sob pena de violação do princípio da legalidade que veda a aplicação analógica do processo administrativo ao referido processo que apenas prevê a aplicação subsidiária do direito penal e processual penal.
- da alegada aplicação retroactiva de lei punitiva perante o acto de ratificação da decisão de aplicação de coima, uma vez que tendo a ratificação efeitos retroactivos por força do disposto no artº 137º nº 4 do C.P.A., ao admitir-se a mesma, permitiu-se a aplicação da coima retroactivamente, em violação ao princípio constitucional da irretroactividade em matéria penal consagrado no artº 29º da C.R.P. e artº 2º do C. Penal.
- da ilegalidade da ratificação por intempestividade do acto de ratificação que foi posterior ao prazo de recurso contencioso ou até do prazo de resposta do recorrido e por a publicação da ratificação ter sido posterior à remessa dos autos a tribunal; - da inconstitucionalidade da Lei 12-B/2000 e do DL 196/2000: - da Lei 12-B/2000, lei de autorização legislativa que permitiu a fixação de um valor de coima acima do previsto no art.º 17º do RGCOC, ao não estipular a extensão nem a duração da autorização (violando o art.º 165º, n.º2 CRP) e do DL 196/2000, que definiu o regime contra ordenacional dentro dos limites da Lei 12-B/2000, ao não invocar expressamente a Lei de Autorização Legislativa (violando o art.º 198º, n.º3 CRP) - por violarem o direito de o arguido exercer a sua profissão em Portugal, impedindo a livre prestação dos serviços, contidos na sua actividade profissional, em violação do art.º 49º e ss. do Tratado da União Europeia (violando o art.º 8º, n.º2 CRP) 2.1. São os seguintes os factos apurados e em que deverá assentar a decisão : "- DECISÃO QUANTO À MATÉRIA DE FACTOTendo em consideração a não impugnação judicial dos factos pelos quais foi condenado e...
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