Acórdão nº 923/2006-7 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 02 de Maio de 2006 (caso NULL)

Magistrado ResponsávelGRAÇA AMARAL
Data da Resolução02 de Maio de 2006
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Acordam na 7ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa, I - Relatório 1.

V… e R… propuseram acção declarativa para prestação de coisa e de facto, sob a forma ordinária, contra P…, pedindo a condenação da Ré nos seguintes termos: a) possibilitar-lhes o acesso à urna do seu falecido filho,…, abrindo a porta do gavetão quando o pretendam ou cedendo-lhe a chave do mesmo; b) devolver-lhes os objectos de culto que retirou e aceitar a sua reposição no interior do gavetão e no local onde anteriormente se encontravam; c) pagar-lhes a indemnização de Esc. 1.750.000$00 por danos morais sofridos e danos na sua saúde.

d) pagar-lhes indemnização de Esc. 150.000$00 por mês e até ao cumprimento do Acórdão da Relação que decidiu definitivamente a providência cautelar.

Alegaram para o efeito que a Ré, que foi casada com o filho de ambos, falecido em 07.09.02, a partir de certa altura e munida de propósitos vingativos, impediu-lhes o acesso à urna do filho, mudando a fechadura do gavetão (que tem porta de mármore impossibilitando qualquer visualização da urna), retirando do interior do mesmo vários objectos que haviam adquirido e lá colocado (duas estatuetas em louça, uma do Sagrado Coração de Jesus e outra de um Anjo, uma vela de orações com suporte, uma jarra de flores e uma fotografia do falecido… com moldura dourada).

Consideram os Autores serem vítimas de um comportamento ético social e juridicamente censurável por parte da Ré, tendo sofrido e sofrendo profundo desgosto agravando, nessa medida, as doenças graves de que padecem.

  1. Após citação a Ré apresentou contestação na qual, impugnando parte do factualismo alegado na petição, concluiu no sentido de inexistir qualquer obrigação legal da sua parte no sentido de ceder as chaves do gavetão aos requerentes e permitir-lhes a respectiva utilização. Referiu ainda que, de acordo com a legislação em vigor, qualquer iniciativa relativamente aos restos mortais pertence tão só ao cônjuge sobrevivo.

  2. Por solicitação da Ré foram os Autores notificados para comparecerem em juízo a fim de lhes ser entregue os objectos que constam do termo de entrega de fls. 50 dos autos, de entre eles uma chave da porta do gavetão onde se encontra a urna do falecido….

  3. Foi proferido saneador, fixados os factos assentes e elaborada a base instrutória que foi objecto de reclamação por parte da Ré, desatendida nos termos do despacho de fls. 60.

  4. Realizado julgamento foi proferida sentença que julgou a acção improcedente.

  5. Inconformados apelaram os Autores, concluindo nas suas alegações: A sentença em crise, reconhece legitimidade à recorrida de impedir o acesso à urna aos recorrentes, de praticarem o culto à memória do filho, junto da urna e na contemplação desta, bem como de retirar os objectos de culto que ai foram colocados por aqueles.

    Esta decisão tem como fundamento, a titularidade do direito de "propriedade" do gavetão, que à recorrente pertence, conforme o art.º 1305° do C. Civil, podendo por isso, impedir o uso e fruição do gavetão a quem muito bem entender.

    Da sentença colhe-se que o cônjuge sobrevivo tem a permissão legal de velar pela protecção e direitos emergentes dos restos mortais do seu cônjuge, a tal conclusão chegando pela diferenciação ou privilégio que a Lei lhe concede conforme os art°s 2157°, 2133° do C.C. e ainda a permanência na casa de família após o óbito do consorte, a preferência quanto ao recheio; "os ascendentes não integram a primeira classe de sucessíveis: o cônjuge tem direito a 2/3 da herança, etc.".

    Ao invés do que consta da sentença, os recorrentes porque pais do falecido, o qual não tinha filhos, integram juntamente com a recorrida, a segunda classe de sucessíveis, conforme n.º 2 do art.º 2133° e art.º 2157°, do C. Civil, e são herdeiros de 1/3 parte, tendo a recorrida os 2/3 restantes, na mesma classe e conforme o n.º 1 do art.º 2142°, do C. Civil o que constitui erro de interpretação e aplicação da Lei; Os recorrentes sempre tiveram o acesso ao gavetão, sem quaisquer limites, desde que os restos mortais do filho nele foram colocados, pouco depois da morte, 7/9/92 até 10/7/96, data em que a recorrida mudou a fechadura da porta de mármore e impediu o acesso para a prática do culto.

    Tal aconteceu pelo facto dos recorrentes se terem então negado, a outorgar uma Escritura de Venda dum andar para a recorrida, pelo facto de esta não lhes ter entregue bens de grande valor simbólico e afectivo, que tinham pertencido ao filho e que expressamente constavam da Transacção Homologada Judicialmente em Processo de Inventário.

    A recusa da recorrente e a retirada de bens de culto que se encontravam no gavetão (fotografia do…, Sagrado Coração de Jesus, uma vela e outros) visava obrigar os recorrentes à outorga da escritura.

    Na Legislação, Jurisprudência e Doutrina portuguesas existem referências claras do acolhimento normativo do fenómeno cultural da sacralização do cadáver humano. histórica e socialmente ligado a influências religiosas e morais - o D.L. n.º 45683, de 25/4/1964; o crime de profanação de cadáver, ou de lugar fúnebre no art.º 254° do actual Código Penal; o Crime de impedimento ou perturbação de cerimónia fúnebre, no art.º 253 do actual Código Penal; a Lei n.º 12/93, de 22 de Abril sobre a colheita e transplante de órgãos e tecidos de origem humana; o Acórdão do tribunal n.º 130/88, sobre a problemática jurídica em torno do cadáver...

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