Acórdão nº 7506/2003-5 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 13 de Janeiro de 2004

Magistrado ResponsávelPULIDO GARCIA
Data da Resolução13 de Janeiro de 2004
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Acordam, em conferência, na secção criminal (5ª) do Tribunal da Relação de Lisboa: Nos autos de Processo Comum-Singular NUIPC 624/01. 9 PCSNT, do 2º Juízo Criminal do Tribunal Judicial da Comarca de Sintra, por sentença de 2-4-2003 (cfr.fls. 178-185), no que agora interessa, foi decidido (transcreve-se): «Por tudo o exposto, absolvo o arguido (J) da prática do crime de injúrias de que vinha acusado, condenando-o pela prática do crime de maus tratos, p. e p. pelo artigo 152º, ns. 1 e 2 do CP, numa pena de 18 (dezoito) meses de prisão, cuja execução suspendo pelo período de 2 (dois) anos.

Mais o condeno em 2 UC de taxa de justiça, condenado a assistente em 1 Uc de taxa de justiça.

Condeno ainda o arguido nas custas do processo em ¼ de procuradoria e em 1% de taxa de justiça, nos termos e para os efeitos do artigo 13º do DL nº 423/91, de 30 de Outubro.

Julgo parcialmente procedente do pedido de indemnização civil deduzido pela ofendida, condenado o arguido a pagar àquela a quantia de 3 000 Euros, acrescida a juros de mora, à taxa legal, desde a prolação da sentença, absolvendo-o do mais pedido.

...» Por não se conformar com o decidido, interpôs recurso, apenas, o arguido, sendo que a respectiva motivação traz formuladas as seguintes conclusões, apesar da notificação que lhe foi feita na sequência do despacho de fls.266 (cfr.fls. 191-205; transcrevem-se): «1º- O arguido considera que as normas jurídicas aplicadas ao caso sub judice foram erradamente determinadas; 2º- Que as provas produzidas em audiência de julgamento não foram objectiva e socialmente observadas em nome da sã e serena Justiça; 3º- A acusação, não identifica espacial e temporalmente os factos ilícitos ocorridos ao longo dos 27 anos de casamento, limitando-se a utilizar, na descrição da matéria fáctica, termos e conceitos imprecisos, abstractos e intemporais ao invés de descrever factos concretos, objectivos e fixados no tempo e no espaço; 4º- Assim sendo a acusação sub judice viola claramente o preceituado no artigo 283º nº 3 al. b) do Código de Processo Penal, pelo que enferma de nulidade processual.

  1. - No caso sub judice o direito de defesa do arguido não se encontra assegurado. O arguido não se pode defender de comportamentos e actos que não se encontram especificados.

  2. - O princípio do contraditório foi claramente violado nos presentes autos.

  3. - O arguido foi condenado pelo comportamento que não teve e por factos que desconhece! 8º- O arguido hão poderia ser condenado como autor material de um crime de maus tratos a cônjuge, p. e p. pelo artigo 152º do Código Penal, tal norma jurídica foi erradamente aplicada.

  4. - Pois que os pressupostos do crime de maus tratos a cônjuge não se encontram preenchidos com a actuação e o comportamento do arguido.

  5. - Não houve reiteração no seu comportamento; 11º- Nem a matéria fáctica assente é de molde a integrar tal crime; 12º- Não ficou provado a apresentação de queixas criminais contra o arguido ao longo dos 27 anos de casamento com a ofendida; 13º- Por outro lado, o direito de queixa, dos factos ilícitos praticados nessa época, ou seja, nos 27 anos de casamento, extinguiu-se pelo decurso do tempo.

  6. - A Douta Sentença recorrida, violou, clara e inequivocamente o princípio da legalidade ao condenar o arguido (J) pela prática de factos temporariamente fixados de modo incerto, impreciso e seguramente quando já se encontravam prescritos.

  7. - O depoimento quer da assistente quer das duas testemunhas da acusação, os filhos do casal, mercê da demonstrada parcialidade, subjectividade e interesse directo na causa não merecem qualquer credibilidade.

  8. - A indemnização arbitrada, sem prejuízo do que se alegou anteriormente, é excessiva e totalmente despropositada face aos rendimentos do arguido e à prova produzida sobre os danos não patrimoniais.

  9. - Face ao exposto o arguido (J) deverá ser absolvido do crime de maus tratos a cônjuge de que foi erradamente condenado pela Douta Sentença recorrida.

    Termos em que, dando provimento ao presente recurso, absolvendo o arguido (J) do crime de maus tratos a cônjuge, na forma continuada, previsto e punido pelo artigo 152° do Código Penal, V. Ex.ªs farão COLENDOS DESEMBARGADORES JUSTIÇA» Admitido o recurso (fls.226), e efectuadas as necessárias notificações, apresentaram resposta: - o MºPº (cfr.fls.232-243), na qual conclui (transcreve-se): «1º- O recorrente requereu a documentação da prova produzida. No entanto, no recurso interposto não especifica os pontos de facto que considera incorrectamente julgados nem indica as provas que, no seu entender, impõem decisão diversa da recorrida - violando, assim, o preceituado no art.º 412º nº 3 e nº 4 do CPP 2º- Pelo que o recurso no que respeita à matéria de facto deverá ser rejeitado 3º- Ainda quanto à matéria de facto, o recorrente não coloca em causa a mesma , designadamente não invoca, pelo menos de uma forma clara, nenhum dos vícios do art.º 410º nº 2 do CPP.

  10. - Sempre se dirá, porém, que, em nosso entender, do texto da decisão recorrida, por si só ou em conjugação com as regras da experiência comum, não se perfila qualquer dos vícios apontados nas alíneas a) b) e c) do nº 2 do artigo 410º do CPP - designadamente não incorre no vício da insuficiência para a decisão da matéria de facto - uma vez que os factos provados são suficientes para a decisão (de direito) proferida; nem em erro notório na apreciação da prova - antes se apresenta clara e consentânea com a matéria de facto provada e não provada no decurso da audiência 5º- O que o recorrente efectivamente faz é criticar o uso que o Tribunal fez do princípio da livre apreciação da prova - conclusões numeradas sobre os nº 2 e 15º - quando o certo é que o Tribunal indicou de forma clara as provas que serviram para formar a sua convicção (depoimentos prestados em audiência) nenhuma delas proibidas por lei e todas da livre apreciação do julgador 6º- Refere o recorrente que a acusação enferma de nulidade processual e que foram violados o direito de defesa do arguido e o princípio do contraditório - conclusões numeradas de 3º 4º 5º e 6º Em relação a tais alegações diria apenas que não é este o momento processual correcto para atacar a acusação e que discordando da mesma seria em fase de instrução - não após a prolação de uma sentença que tais questões seriam discutíveis -sendo certo que não foi violado qualquer princípio processual 7º- O crime de maus tratos, p. e p. no art. 152º do Código Penal encontra-se preenchido e em conclusão 8º- A decisão recorrida fez uma correcta e criteriosa apreciação da prova, aplicou correctamente o direito aos factos provados, não merecendo qualquer reparo devendo, em consequência, manter-se mesma nos seus precisos termos» - a assistente (M) (cfr.fls.244-255), na qual conclui (transcreve-se): «1. O presente recurso não deve ser julgado procedente, uma vez que a douta Sentença proferida no âmbito dos presentes autos não merece qualquer reparo, devendo, por isso, ser mantida na sua íntegra.

    1. Alega o Recorrente que a Acusação não especifica os factos ilícitos praticados pelo mesmo, quer espacial, quer temporalmente, não tendo, por isso, sido assegurado o seu direito de defesa. Acontece que o arguido não só se defendeu, ao apresentar a sua Contestação nos autos, assegurando dessa forma o cumprimento do princípio do Contraditório (e mostrando perfeito conhecimento sobre a matéria aí vertida), como nessa peça processual não arguiu qualquer "nulidade" relativamente à Acusação.

    2. Não existe, contrariamente ao alegado, violação do art. 283º, nº 3, b), C.P.P., já que este prevê que a narração dos factos constantes da Acusação pode ser sintética e, se possível, conter o lugar e o tempo, o que efectivamente se verifica na Acusação. Acresce que, a haver tal nulidade (sem conceder), esta seria sanável, enquadrando-se na previsão dos art. 120º e 121º, C. P. P. e, como tal, deveria ter sido arguida "até 5 dias após a notificação do despacho que tiver encerrado o inquérito" (art. 120º, cit. diploma) ou através da competente abertura de instrução (o que não aconteceu).

    3. Ao não fazê-lo, renunciou o recorrente a arguir qualquer...

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