Acórdão nº 10710/2004-9 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 05 de Dezembro de 2005 (caso NULL)
Magistrado Responsável | MARIA DA LUZ BATISTA |
Data da Resolução | 05 de Dezembro de 2005 |
Emissor | Court of Appeal of Lisbon (Portugal) |
Acordam os Juízes na Secção Criminal (9.ª) do Tribunal da Relação de Lisboa: No processo comum singular n.º 1636/02.0TDLSB do Tribunal da Comarca de Cascais (Juízos Criminais) foram os arguidos J e A, acusados pela assistente, "Hs, Lda.", com sede em..., da prática em autoria material e em concurso real, de dois crimes de difamação, pp. e pp. pela conjugação dos artigos 180.º, n.º 1, e 183.° n.º 1, do Código Penal e de dois crimes de ofensa a pessoa colectiva, pp. e pp. pelos artigos 187.º, n.os 1 e 2 alínea a), e 183.º n.º 1, também do Código Penal, com referência ainda aos artigos 30.º° e 31.º° da Lei de Imprensa (Lei n.º 2/99, de 13 de Janeiro), conforme acusação particular de fls. 106 a 113.
A assistente formulou pedido de indemnização civil contra os arguidos e ainda contra a sociedade proprietária do jornal "S", por danos não patrimoniais sofridos em consequência dos factos destes autos, no montante de € 250.000,00 (duzentos e cinquenta mil euros), cfr. fls. 114 a 116.
Posteriormente, houve desistência da instância quanto à demandada sociedade.
Submetidos a julgamento, vieram tais arguidos a ser absolvidos no que concerne aos dois crimes de ofensa a pessoa colectiva e a um dos dois crimes de difamação, mas condenados, J pela prática, em autoria material, de um crime de difamação p. e p. nos artigos 180.º, n.º 1 e 183.º. n.º 2, do Código Penal, com referência ainda aos artigos 30.º e 31.º da Lei de Imprensa, Lei n.º 2/99,de 13 de Janeiro, na pena de 240 dias de multa à taxa diária de 7 Euros, ou seja, na multa de € 1680,00; e, A, pela prática, em autoria material, de um crime de difamação p. e p. pela conjugação dos artigos 180.º, n.º 1 e 183.º, n.º 2, do Código Penal, e 31.º n.º 3, da mesma Lei n.º 2/99, de 13 de Janeiro, na pena de 70 dias de multa à taxa diária de € 7,00, ou seja, na multa de € 560,00.
Na procedência parcial de pedido de indemnização civil foram ainda os arguidos condenados no pagamento solidário à demandante civil "Hs, Lda." da quantia de € 10.000,00, a título de indemnização por danos não patrimoniais sofridos em consequência dos factos assentes.
Inconformado com esta decisão veio o arguido A dela interpor recurso extraindo da motivação que apresentou as conclusões que se transcrevem: «1) A prova produzida em Audiência de Discussão e julgamento impõe decisão diferente da que ora se recorre; 2) Salvo melhor opinião, existiu, "in casu" contradição insanável entre a fundamentação e a decisão e erro notório na apreciação da prova, nos termos do preceituado no artigo 410° n° 2 als. b) e c) do Cód. de Proc. Penal; 3) A contradição acima mencionada ressalta do Tribunal "a quo" ter dado por provada a existência das fontes noticiosas que estiveram na base da notícia publicada, não obstante ter considerado a noticia ofensiva; 4) O artigo publicado na edição de 19 de Outubro de 2001, do jornal "S" limitou-se a relatar factos, tendo estes origem em fontes, cuja existência foi considerada provada pelo Tribunal "a quo"; 5) O interesse público do relatado na mencionada noticia era notório, uma vez que, estava em causa o direito que os cidadãos têm em saber do destino que é dado aos impostos que liquidam; 6) Dos factos discutidos em julgamento não resultou provado que a noticia tivesse sido publicada, sem suporte factual e devidamente baseada em fontes reais; 7) O erro notório na apreciação da prova (artº 410 n° 2 al. c), traduziu-se na valoração do depoimento do recorrente com contornos diferentes dos que, pelo mesmo, foram relatados; 8) Ficou por provar que o recorrente tivesse tido conhecimento do teor da notícia antes da sua publicação; 9) O que por si só deveria ter levado à sua absolvição de acordo com. o preceituado no artº 31° n°3 da Lei n° 2/99 de 13 de Janeiro; 10) Nunca o ora recorrente afirmou que tinha tido conhecimento prévio de tudo o que era incluído na primeira página do jornal, revelando sim, ter conhecimento do que era noticiado na primeira página sob a forma de manchete; 11) A notícia em causa, não foi mencionada na primeira página, sob a forma de manchete, mas sim, na forma de "caixa", conforme mencionado pelo recorrente no seu depoimento; 12) O Tribunal "a quo" violou assim, o preceituado no Artigo 127° do Cód. de Proc. Penal; 13) No caso de dúvidas quanto ao conhecimento prévio de uma noticia em particular, deveria em última análise, o Meritíssimo Juiz "a quo", ter aplicado o princípio basilar do Direito Penal "in dubio pro reo"; 14) Não havia também motivos, para a condenação do recorrente no pedido cível contra si formulado, tendo sido violado o preceituado nos artigos 483º, 494º e 496º n°1 do Código Civil; 15) Além do acima exposto afigura-se claramente excessiva a quantia, indemnizatória arbitrada, uma vez que, situações semelhantes têm merecido por parte da jurisprudência recente, mais contenção nas verbas a este título fixadas; 16) Impondo-se, por conseguinte, a revogação da sentença em conformidade.
Na sua douta resposta o Exmo. Magistrado do Ministério Público junto do Tribunal recorrido pugna pela improcedência do recurso defendendo, em síntese, que: - a sentença não padece de qualquer nulidade.
- não ocorre erro notório na apreciação da prova nem contradição insanável entre a fundamentação e a decisão - artº 410° n° 2 al. b) e c) do Código de Processo Penal.
- pela apreciação do consignado nas sentenças quanto a meios de prova acolhidos e respectivo exame crítico é possível verificar se a apreciação da prova foi arbitrária, discricionária, - resultando que assim não foi, a discordância do recorrente no que concerne à convicção do Tribunal não permite, sem mais, que ponha em crise a decisão, - no caso a sentença está devidamente fundamentada, esclarecendo os motivos de facto e de direito do decidido, possibilitando a compreensão do raciocínio lógico que lhe subjaz, de tudo resultando que o acervo factual dado como provado, tem inteira sustentação na prova produzida em audiência, - não é verdade, com o devido respeito, que, como sustenta o recorrente, "o jornalista em causa se limitou a reproduzir o que derivava da fonte noticiosa supra mencionada" (deputado Basílio Horta) sendo de acolher o explanado na sentença quanto a enquadramento jurídico dos factos.
Também a assistente respondeu argumentando, em conclusão: 1. Ao contrário do que sustenta o recorrente, a notícia de 19.10.2001 não se limita a transcrever frases escritas pelo deputado do CDS/PP.
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Logo na primeira página do jornal pode ler-se "suspeita de corrupção - INEM anula concurso dos helicópteros".
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Do teor da notícia retira-se que a assistente estaria conluiada com a entidade adjudicante e, nessa medida, em situação de favorecimento, o que permite depreender que em todo o concurso houve manipulação a seu favor, em detrimento dos concorrentes nacionais.
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De onde se pode retirar igualmente a convicção de que se trata de uma empresa que recorre a meios e a práticas pouco claras e ilícitas para vencer os concursos públicos, o que desde logo o próprio título "sugestivo" e de grande destaque da notícia em causa, (Suspeita de Corrupção), procura deixar evidenciar.
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Até a própria ligação aos "espanhóis" foi relatada com uma conotação manifestamente negativa.
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Finalmente, a notícia permitiu também colocar em causa a segurança dos aparelhos da assistente bem como as suas condições de voo, ao dar conta de um acidente ocorrido com um puto da "H" que, ao ter-se "despenhado", envolveu funcionários superiores do INEM.
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Acidente esse que nunca chegou a ocorrer e, designadamente, com quaisquer técnicos ou funcionários daquele organismo.
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Sendo que, aliada à falta de rigor jornalístico houve claramente uma intenção de deturpar factos, para com isso manchar o nome da assistente, colocando em causa a sua reputação e o seu bom nome comercial.
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Não se percebe, inclusivamente, como pode ter sido feita a ligação entre a anulação de um concurso público por alegado favorecimento da assistente e um acidente aeronáutico ocorrido há mais de três meses e que nada teve a ver com funcionários do INEM.
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Tudo isto, em momento algum, foi reproduzido pelo Dr. Basílio Horta, deputado do CDS/PP e, ao que parece, a única fonte que serviu de base à notícia em causa.
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No referido requerimento dirigido ao Presidente da Assembleia da República, e que o Tribunal "a quo" efectivamente considerou provado, o deputado do CDS/PP nunca deixou transparecer qualquer "favorecimento e manipulação a favor da H".
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Aliás, o nome da assistente tão pouco é referido no dito requerimento! 13. E foram precisamente esses factos "inexactos" que não constavam ao requerimento e sem qualquer correspondência real, intencionalmente enxertado na notícia, bens como as expressões utilizadas para os descrever, que foram atentatórios da reputação e do bom nome da assistente.
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E se foi efectivamente anulado o referido concurso público pelo INEM, tal ocorreu na sequência de um recurso administrativo hierárquico interposto pela assistente, no âmbito do qual requereu a anulação e a consequente eliminação da alteração de uma das relativas ao caderno de encargos do concurso.
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Do que antecede resulta não existir qualquer contradição entre a fundamentação e a decisão proferida nestes autos, na medida em que mesmo dando como provado o requerimento do deputado do CDS/PP, Dr. Basílio Horta, o que nunca foi colocado em causa, tal não justifica o facto de terem sido produzidas afirmações susceptíveis de atingir o bom-nome, a reputação comercial, a credibilidade e a confiança de clientes e do público em geral relativamente à assistente.
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Quanto ao "erro notório na apreciação da prova" por parte do Tribunal a quo por, como afirma o recorrente, não ter havido um conhecimento prévio da notícia em causa, também não pode proceder na medida em que de acordo com o estatuto a que está adstrito enquanto director de uma empresa jornalística, compete-lhe, designadamente, "orientar, superintender e determinar o conteúdo da publicação", nos termos do artigo 20°, da Lei da...
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