Acórdão nº 02A3448 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 21 de Janeiro de 2003 (caso NULL)

Magistrado ResponsávelGARCIA MARQUES
Data da Resolução21 de Janeiro de 2003
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: I"A, Lda." veio intentar, nos Juízos Cíveis do Porto, a presente acção ordinária contra "B, Lda.", ambas com os sinais dos autos, pedindo a condenação da Ré a pagar-lhe a quantia de Esc. 11.400.000$00, a título de indemnização devida pela injustificada quebra do contrato celebrado entre as partes. Alegou, em síntese, que a ré, sem fundamento, resolveu o contrato verbal, cujos termos precisa, tendo-a impossibilitado de auferir os lucros que o mesmo lhe proporcionaria. Contestou a ré, sustentando, no essencial, que a resolução teve fundamento legal, uma vez que a A. teria violado deveres contratuais principais e/ou acessórios existentes entre as partes, que enumera - cfr. fls. 13 a 25. Respondeu ainda a A. , mantendo as anteriores posições - fls.35 a 38. A acção prosseguiu, tendo-se elaborado o despacho saneador, com organização da matéria assente e da base instrutória (fls. 50 e 51) e realizado a audiência de julgamento com a pertinente produção de prova. Em 02-02-2001, foi proferida sentença em 1ª instância (fls. 142 a 146, vs.), que, julgando a acção procedente, condenou a Ré a pagar à A. a peticionada quantia de Esc. 11.400.000$00. Inconformada, apelou a Ré, tendo a Relação do Porto, por acórdão de 22-11-2001, concedido provimento ao recurso, julgando a acção improcedente e absolvendo a Ré do pedido - fls. 191 a 204. Agora, por sua vez, inconformada, traz a Autora a presente revista, oferecendo, ao alegar, conclusões muito extensas e numerosas que, no essencial, se podem sintetizar do seguinte modo: 1. A Ré, na apelação, suscitou uma questão nova - a da perda do interesse do credor no cumprimento da obrigação; 2. Ao Tribunal de Recurso estava vedado tomar conhecimento da nova questão, porque a recorrente não alegou na acção a perda do interesse do credor nem sequer alegou quaisquer factos que pudessem suportar tal pretensão; 3. Não podendo conhecer da concreta questão e fundamentos do recurso tal como delimitados pelo apelante, logo aí o Tribunal da Relação deveria tê-lo julgado improcedente; 4. Não tendo assim agido, o acórdão recorrido violou as disposições dos artigos 684º, nº 3, e 690º, nº 1, ambos do CPC e padece da nulidade cominada pela disposição da alínea d), segunda parte, do nº 1 do artigo 668º do mesmo diploma. Sem prescindir, 5. No processo, o Tribunal foi chamado a verificar se a resolução do contrato pela Ré se deu validamente e, para tal, só pode tomar em consideração os fundamentos que a Ré invocou para a resolução, tal como constam da declaração resolutória; 6. Não existe qualquer vacuidade da declaração resolutória quanto à natureza dos problemas que a Ré acusou terem ocorrido e que levou em conta para exigir à A. a retirada das máquinas, precisando tratar-se: (i) falhas no fornecimento diário e em quantidades insuficientes para as suas exigências; (ii) deficiências de nível técnico das máquinas. 7. À luz do princípio da boa fé, que informa o regime da disposição legal do art. 236º do C.C., e a propósito da declaração unilateral resolutória, o dever de diligência e cooperação exigível do declaratário não pode atingir senão quanto diga respeito à interpretação do sentido jurídico estrito da declaração e cessa logo que esteja em causa a indagação da vontade do declarante quanto aos fundamentos da resolução não concretamente invocados, e que lhe pudessem também aproveitar (...); 8. A verificação da validade e eficácia da resolução do contrato pela Ré só pode ter como fundamento os factos da natureza concretamente invocada como causa resolutiva na declaração resolutória de folhas 30 e não quaisquer outros de natureza diferente; 9. É notório que a matéria assente sob as alíneas x), z) e aa) dos factos provados não é de nenhuma daquelas naturezas e, por isso, a integração de factos porventura demonstrativos da má qualidade de produtos fornecidos pela Ré não pode nunca incluir-se entre as causas justificativas abrangidas na declaração de fls. 30; 10. O acórdão recorrido fez indevida integração da declaração resolutória de fls. 30, que é em si mesma clara e inequívoca, aplicando o artigo 236º do C.C. fora dos casos em que a disposição o consente. Sem prescindir, 11. Em questão tão sensível como é a aplicação do artigo 236º do CC, porque não assistiu à produção da prova, o Tribunal da Relação deve confiar e está mesmo impedido de censurar a convicção que os Juízes da causa puderam formar pela imediação e valorização da totalidade dos elementos de prova; 12. O douto acórdão recorrido releva como única causa justificativa da resolução do contrato a má qualidade dos alimentos, não obstante verificada nos meses até Abril de 1997; 13. Não pode aceitar-se que tal questão, tendo já dado origem a reclamações anteriores, movesse a Ré à resolução do contrato (...), impondo-se a conclusão de que a Ré considerara ultrapassada a questão da alegada má qualidade dos produtos ou, até, concluíra serem mal fundadas aquelas reclamações; 14. Do comportamento da Ré, anterior e contemporâneo da declaração de fls. 30, não poderia a Autora, segundo um juízo de normalidade e experiência, retirar outro sentido que não seja o de que a Ré, acusando "os problemas que têm vindo a ocorrer com as máquinas da vossa empresa", além dos que especificou seguidamente, queria imputar-lhe (...) a responsabilidade por avarias de máquinas ocorridas durante os meses imediatamente antecedentes ao da declaração, não podendo a Autora, nem qualquer outro declaratário colocado na sua posição, sequer supor que, inteiramente contra o texto da declaração, se referisse ou quisesse a Ré referir a qualquer deficiência da qualidade dos produtos (...); 15. O douto acórdão recorrido, entendendo, contra o texto da declaração e contra todos os elementos relevantes que do processo podem ser retirados para interpretação do texto, que, ao invés de aludir aos problemas ocorridos com as máquinas, a Ré se referia antes à má qualidade dos produtos fornecidos, atinge um resultado absurdo e contrário ao que pode alcançar-se mediante aplicação do critério da normalidade e experiência de vida do homem comum, sensato e precavido a que faz apelo o art. 236º do CC, disposição que é, assim, violada pelo acórdão sob recurso. Sem prescindir, 16. Como consideraram as instâncias, nem a falta de abastecimento do dia 24 de Junho nem a falta de ligação de uma máquina à rede de multibanco, tem relevância e significado como causas justificativas da resolução. 17. É ilegítima a construção jurídica do Tribunal recorrido que ignora a falta de importância e relevo que a própria Ré deu à alegada má qualidade como causa resolutiva do contrato e que postula que, em abstracto, a má qualidade do serviço devido acarreta sempre nos contratos de execução continuada o incumprimento definitivo. Além disso, desconhece-se em absoluto quais os produtos e quantos deles porventura alguma vez acusaram qualidade deficiente e, consequentemente, a gravidade da violação das obrigações em si e nas suas consequências, bem como reveladora da eventual culpa da devedora; 18. O Tribunal de primeira instância concluiu acertadamente, perante a prova e as circunstâncias da acção, que as violações do contrato, pela sua natureza e gravidade, não davam causa à Ré para resolver o contrato, senão quando oportunamente tivesse interpelado a Autora (1), acusando-lhe a essencialidade do perfeito cumprimento sob pena de resolução, em prazo assinalado; 19. É manifestamente violador da boa fé (artigo 762º do CC) e abusivo que, com base numa deficiência nem grave em si nem reveladora de culpa do devedor, mais a mais histórica, cessada decorridos os primeiros meses de execução, venha o credor arrogar-se do direito de resolução de um contrato de execução continuada que, todavia, continuou em vigor, vários meses decorridos sobre a cessação do vício da prestação, sem oposição do...

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