Acórdão nº 10755/20.0T8LSB.L1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 10 de Novembro de 2022

Magistrado ResponsávelNUNO PINTO OLIVEIRA
Data da Resolução10 de Novembro de 2022
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

ACORDAM NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA I. — RELATÓRIO 1.

HERMOD - MOBILIÁRIO E CARPINTARIA, LDA propôs contra MAP - ENGENHARIA, LDA, acção declarativa de condenação, com processo comum, pedindo a condenação da Ré a entregar-lhe a quantia de 63.185,35 euros, acrescida (i) de juros vencidos, no valor de 1.737,23 euros, e (ii) de juros vincendos até integral pagamento.

  1. A Ré MAP - ENGENHARIA, LDA, contestou, defendendo-se por impugnação e por excepção, e deduziu reconvenção: I. — deduziu a excepção peremptória de compensação, alegando um contra-crédito sobre a Autora HERMOD - MOBILIÁRIO E CARPINTARIA, LDA, no valor de 177.224,00 euros, relativo a multas contratuais; II. — deduziu reconvenção, pedindo a condenação da Autora HERMOD - MOBILIÁRIO E CARPINTARIA, LDA, a pagar-lhe a quantia de 112.301,42 euros.

  2. O Tribunal de 1.ª instância I. — julgou a acção parcialmente procedente e, em consequência, a. — condenou a Ré MAP - ENGENHARIA, LDA, a pagar à Autora a quantia de € 53.030,52, acrescida de juros de mora vencidos desde 10.12.2019 até integral pagamento, à taxa legal para os juros comerciais, b. — absolveu a Ré do restante pedido; II. — julgou a reconvenção totalmente improcedente.

  3. Inconformada, a Ré MAP - ENGENHARIA, LDA, interpôs recurso de apelação.

  4. O Tribunal da Relação julgou a apelação improcedente.

  5. O dispositivo do acórdão recorrido é do seguinte teor: Pelo exposto, acordam os juízes deste Tribunal da Relação em julgar a apelação improcedente, confirmando a sentença recorrida.

  6. Inconformada, a Ré MAP - ENGENHARIA, LDA, interpôs recurso de revista.

  7. Finalizou a sua alegação com as seguintes conclusões: I. A necessidade de revogar o Acórdão proferido é um imperativo da mais elementar justiça, por força da existência de uma questão cuja apreciação, pela sua relevância jurídica, é claramente necessária para uma melhor apreciação do direito relativo ao contrato de empreitada e ao art. 1211.º do Código Civil.

    II. Estão em causa no presente processo, interesses de particular relevância social – a saber o valor de um auto de medição no âmbito de um contrato de empreitada e se o mesmo constitui uma verdadeira assunção e reconhecimento de dívida.

    III. O ACÓRDÃO RECORRIDO, além de assentar numa claramente errada interpretação e aplicação da lei, encontra-se em manifesta contradição com outro Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, Proc. 362730/10.8YIPRT.P1, datado de 02 de Outubro de 2014, relatado pelo Exmo. Sr. Juiz Desembargador Aristides Rodrigues de Almeida, no domínio da mesma legislação – isto é, sobre o artigo 1211.º do Código Civil e sobre a mesma questão fundamental de direito, a aceitação da Obra.

    IV. O ACÓRDÃO RECORRIDO indica, confirmando o conteúdo da douta Sentença, que “A R., ao inserir os trabalhos em causa no auto de medição como tendo sido efetuados e deduzindo até o seu preço, apresenta-se, claramente, a aceitá-los, pelo que se constituiu na obrigação de pagar o preço referido (art. 1211.º, n.º 2 do CC)”.

    V. Por sua vez, o ACÓRDÃO FUNDAMENTO refere expressamente que “Um auto de medição, tem apenas por finalidade, em regra, medir o volume de trabalhos executados em ordem a permitir a emissão da factura correspondente, pelo que, excepto no tocante aos defeitos visíveis, não se pode extrair do simples facto de o dono da obra assinar o auto de medição em conjunto com o empreiteiro que aceitou sem reservas a obra realizada.” VI. O ACORDÃO FUNDAMENTO e o ACÓRDÃO RECORRIDO divergem assim numa questão essencial de Direito, não existindo um acórdão de uniformização de jurisprudência sobre a questão jurídica em causa a que o ACÓRDÃO RECORRIDO tenha aderido.

    VII. Nestes termos, encontram-se preenchidos os requisitos necessários para a aplicação das alíneas a), b) e c), do n.º 2, do artigo 672.º do CPC, sendo de admitir o presente recurso de revista excepcional.

    VIII. O auto de medição é, nada mais nada menos que um documento que se destina a controlar e avaliar regularmente o trabalho que foi realizado num determinado período de tempo, incluindo a relação quantificada das tarefas realizadas, verificando a compatibilidade entre o que foi executado e o que está previsto no projeto e nos quantitativos do orçamento.

    IX. O que a Autora, ora Recorrida, confessou, nos termos dos arts. 452.º e 465.º do CPC, conforme minutos 01:53:50 da gravação da audiência, constando ainda dos autos, nomeadamente do Doc. n.º 46 da Contestação, pág. 17, uma Nota de Crédito, Nota de Crédito n.º ...07, emitida pela Autora à Ré, no valor de € 9.320,68 (nove mil, trezentos e vinte euros e sessenta e oito cêntimos), com referência às faturas emitidas pela própria Autora, ora Recorrida, que consubstanciam os trabalhos não realizados.

    X. Consta do Auto de Medição n.º 4, conforme facto provado n.º 89 da Sentença, menores-valias no valor global de € 27.362,55 (vinte e sete mil, trezentos e sessenta e dois euros e cinquenta e cinco cêntimos), daí resultando, se o digníssimo tribunal a quo deu como provado, que do Auto de Medição n.º 4 constam menores-valias no valor global de € 27.362,55 (vinte e sete mil, trezentos e sessenta e dois euros e cinquenta e cinco cêntimos), que esse valor deve ser deduzido aos trabalhos que entende terem sido realizados, ou seja, à parte “positiva” do auto.

    XI. Conforme parecer emitido pelo Eng.º Civil Sénior AA, membro da Ordem dos Engenheiros n.º ...90, “foram incluídos em auto de medição artigos, com base no mapa de quantidades do subempreiteiro, de modo a obter as quantidades corretas e a fazer o acerto com os artigos, infra, listados como menores valias, para acerto do preço unitário desse artigo, traduzindo assim apenas e exclusivamente quando lido na sua globalidade, os trabalhos efetivamente realizados em obra pelo Subempreiteiro. […] A análise isolada de parcelas do auto produz uma errónea perceção da sua globalidade, devendo assim o auto de medição ser sempre analisado como um todo, que traduz a realidade de todos os trabalhos contratuais, extra contratuais (a mais e a menos) e diversos envolvidos no âmbito de uma subempreitada e nunca deverá ser feita uma análise parcial. […] No caso concreto, o subempreiteiro em questão não produziu e incorporou em obra todos os trabalhos que se encontram listados no auto, concluindo-se pela sua leitura que apenas executou os trabalhos que se encontram listados a 100% e não foram alvo de identificação em sede de menores valias, em que se incluem todos os trabalhos que foram executados de forma incompleta.” XII. O auto de medição não é um ato de aceitação da obra, mas tão só o controlo e avaliação que permite mensurar os recursos, materiais, equipamentos e mão de obra, aplicados ao longo do cronograma, não comportando uma aceitação incondicional, sem qualquer reserva, da Obra, indo nesse sentido o ACÓRDÃO FUNDAMENTO.

    XIII. A correta interpretação, conforme resulta do elemento literal e do elemento histórico do n.º 2 do artigo 1211.º do Código Civil, é a de que o pagamento do preço apenas é exigível mediante a aceitação da obra pelo dono da mesma, competindo ao empreiteiro, na falta dessa aceitação, convencer o dono da obra, judicialmente se foro caso, de que a obra foi executada sem vícios, assim obtendo a sentença judicial que substitua a aceitação em falta.

    XIV. É inequívoco, no caso sub judice, que além de a disposição do Código Civil, nomeadamente n.º 2 do artigo 1211.º não se aplicar, primeiramente, porque foi acordado entre as partes a submissão do contrato à disciplina do Código de Contratos Públicos, ainda assim, a obra nunca foi aceite, uma vez que o contrato de subempreitada foi resolvido (facto provado n.º 54).

    XV. O auto de medição em crise não foi devidamente analisado pelo tribunal de primeira instância, e de forma idêntica pelo Tribunal da Relação, que fez negativo, referindo que a Recorrente reconheceu aqueles trabalhos em auto, o que não reconheceu, pois o que verdadeiramente é refletor de toda a situação é o saldo final, que se encontra negativo, não só pelos custos imputados, mas também por existirem trabalhos que não foram realizados, designados por “menores-valias”.

    XVI. A mora não opera per se, mas por interpelação ao devedor ou, em alternativa, por uma das situações previstas no art. 805.º, n.º 2 – a obrigação ter prazo certo, provir de facto ilícito ou o próprio devedor impedir a interpelação, sendo que o n.º 3 do art. 805.º do CC não espelha uma quarta via de constituição do devedor em mora, antes consubstanciando, sim, uma exceção ao número 2.

    XVII. Enferma o digníssimo tribunal de primeira instância e o Venerando Tribunal da Relação de erro de julgamento e interpretação da norma jurídica em crise ao decidir que a ora Recorrente deve ser condenada em juros de mora desde a altura em que, no entender do Digníssimo Tribunal, tornou líquido o crédito, ou seja, 10.12.2019, uma vez que apenas seriam devidos juros de mora, de acordo com o art. 805.º do Código Civil, a partir da data de citação na presente ação.

    XVIII. À data da citação na presente ação, o eventual crédito da Recorrida não seria líquido, pelo que, salvo melhor opinião, não são devidos quaisquer juros de mora senão a partir da condenação da Recorrida.

    XIX. Deu o digníssimo tribunal de primeira instância como provado, nos factos 61., 62., 64. a 68., 74. a 81., e 89., que se mantiveram no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, que a Autora, ora Recorrida, se atrasou na execução dos seus trabalhos, referindo os vários planeamentos de recuperação que foram realizados, bem como as comunicações que foram enviadas pela Ré, ora Recorrente, e as penalizações que foram apostas no Auto de Medição n.º 4, que considerou como bom, pela Recorrente.

    XX. Estando assente o atraso existente, esse atraso tem de ter consequências, uma vez que estando contratualizado um prazo de 90 dias, a Recorrida se atrasou quer por referência à data de adjudicação (22.02.2019), à data de entrada em Obra (19.04.2019), ou a data aposta no contrato (18.06.2019).

    XXI. Sendo, salvo melhor...

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