Acórdão nº 02P1878 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 04 de Junho de 2003 (caso NULL)

Magistrado ResponsávelARMANDO LEANDRO
Data da Resolução04 de Junho de 2003
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: I. Pelo Tribunal Colectivo do Círculo Judicial de Beja foi julgado o arguido A, nascido em 13/02/45, divorciado, agricultor, filho de B e de C, residente no Bairro do Pinhal, Bloco ...., nº ....., r/c, Vila Nova de Santo André, acusado pelo Ministério Público e pelo assistente Instituto Nacional de Intervenção e Garantia Agrícola (INGA) da prática de: - um crime de falsificação de documentos, na forma continuada, p. p. pelos arts. 229.º, 228.º, n.ºs 1 e 3, 437.º e 30.º, n.º 2 do Código Penal de 1982, ou p. p. pelos arts. 255.º, al. a), 256.º, n.ºs. 1, al. a) e 4, 386.º e 30.º, n.º 2 do mesmo Código, na redacção do DL 48/95, de 15.03, conforme se revelar concretamente mais favorável ao arguido; - um crime de burla agravada, na forma continuada, p.p. pelos arts. 313.º, n.º 1, 314.º, al. e) e 30.º, n.º 2 do Código Penal de 1982, ou p.p. pelos arts. 217.º, n.º 1, 218.º, n.º 2, al. a) e 30.º, n.º 2 daquele Código, na redacção do indicado DL, conforme se revelar concretamente mais favorável ao arguido; - um crime de abuso de confiança, p. p. pelo art.º 300.º, n.ºs. 1 e 2, al. a) do Código Penal, ou p. p. pelo art.º 205.º, n.ºs 1 e 4, al. a) deste Código, na actual redacção, conforme se revelar concretamente mais favorável ao arguido; - um crime de incêndio, p. p. pelo art.º 253.º, n.º 1 do Código Penal, ou p.p. pelo art.º 272.º, n.º 1, al. a) deste diploma, na redacção vigente, conforme se revelar concretamente mais favorável ao arguido. O assistente INGA deduziu pedido de indemnização civil contra o arguido, pedindo a condenação deste no pagamento da quantia de 59.554.264$00, ou superior, a apurar em sede de julgamento, bem como os respectivos juros e custas do processo. Teve lugar audiência de julgamento, no decurso da qual as partes foram, no que concerne ao pedido de indemnização, remetidas para os meios civis, tendo sido declarada prejudicada a questão - que havia sido invocada - da ilegitimidade do INGA para deduzir aquele pedido. Por douto acórdão daquele Tribunal foi a final decidido: «Absolver o arguido A da prática dos crimes de burla, falsificação e incêndio que se lhe imputavam; - Condená-lo pela prática de um crime fraude na obtenção de subsídio, p. e p. pelo art. 36.º, n.º 1, al. a), 2 e 5, al. a) do DL 28/84 de 20/1, na pena de 4 (quatro) anos e 10 (dez) meses de prisão; - Condená-lo, pela prática de um crime de abuso de confiança, p. e p. pelo art. 300.º, n.º 1 do CP de 1982, na pena de 18 (dezoito) meses de prisão, da qual se perdoa um ano, ao abrigo do art. 8.º, n.º 1, d) da Lei n.º 15/94 de 11/5, sob a condição resolutiva do art. 11.º da mesma Lei, ficando assim esta pena reduzida a 6 meses de prisão; - Condená-lo, em cúmulo, na pena unitária de 5 (cinco) anos de prisão; - Ordenar a restituição ao INGA da quantia indevidamente recebida (22.000.559$00); - Ordenar a publicação da decisão, a expensas do condenado, nos termos do art. 36.º, n.º 4 e 19.º, 1 e 3 do DL 28/84 (sem afixação de edital, atendendo a que o edifício da Cooperativa ardeu e não consta que esta aí tenha voltado a funcionar)». Não se conformando com a decisão, dela recorreu o assistente INGA, formulando na sua motivação as seguintes conclusões: «1 - O objecto do recurso é a condenação do arguido "Deliberam os juízes do Colectivo: ... ordenar a restituição da quantia indevidamente recebida (22.000.559$00)." 2 - Está em causa um recurso respeitante sobretudo à matéria não penal mas com repercussões na matéria penal. 3 - E a matéria do recurso está dentro dos poderes de cognição do STJ por respeitar à devida aplicação das normas jurídicas aos factos dados como provados no próprio Acórdão recorrido. 4 - Declarou-se no ponto 18 da matéria provada do Acórdão recorrido que "o INGA pagou à Cooperativa, ..., a quantia indevida de montante total não inferior a 22.000.559$65". E a fls. 16 e 17 "não se provou que .... o arguido tenha obtido subsídios indevidos no montante de 59.554.264$00". 5 - Em consequência desta aquisição de prova e por força da exigência do artigo 39.º do DL 24/84 quando expressa "condenará, sempre na total restituição"... o Tribunal a quo tinha que ter condenado quer na restituição das quantias ilicitamente obtidas de que já dispunha elementos, que confessa no valor de 22.000.559$00 quer na restituição das quantias ilicitamente obtidas pelo arguido cuja medida não dispôs de elementos suficientes para fixar, mas inferior a 59.554.264$00. 6 - Porque o artigo 39.º do DL 24/84 não permite que o Tribunal deixe de condenar à restituição quando não dispõe de elementos bastantes para fixar a quantia ilicitamente obtida. 7 - Pelo contrário, ainda que o Tribunal não disponha de elementos, restando-lhe sempre a possibilidade de condenar no que liquidar em execução de sentença, e não havendo qualquer ónus de alegação ou prova (como confessa o próprio "sempre" do artigo 39.º) do lesado, o artigo 39.º exige que se condene o arguido à restituição de todas as quantias ilicitamente obtidas. Não excepciona ou isenta do dever de restituição aquelas para cuja fixação não dispõe de elementos. 8 - A consequência da falta de elementos para apurar prova da quantia que excedesse os 22.000.559$00 e a imposição do artigo 39.º implicam que por analogia se recorra, (artigo 4.º do CPP) à aplicação do que se prevê no artigo 82.º n.º 1 do CPP e artigo 805.º a 807.º do CPC. Ainda que se considere que o artigo 82.º n.º 1 do CPP só era susceptível de aplicação por analogia, é de aplicar ao caso. 9 - A aplicação dos artigos 39.º do DL 24/84, artigo 4.º e 82.º n.º 1 do CPP impunham perante a referida prova que o arguido fosse condenado à restituição dos 22.000.559$00 e das restantes quantias ilicitamente obtidas do INGA que se liquidassem em execução de sentença até ao limite de 59.554.264$00. E ainda os juros de mora que se vencessem desde a condenação até efectivo pagamento. 10 - Decidindo como decidiu o Acórdão recorrido violou essas normas jurídicas em especial o referido artigo 39.º e ainda as regras processuais e princípios que impõem a aplicação do direito à matéria de facto dada por provada designadamente, artigo 4.º e 377.º (analogia) do 374.º, n.º 2 e n.º 3, 369.º e seguintes do CPP. 11 - Incorreu ainda na previsão do artigo 410.º nº 2 se perante o que for decidido sobre o requerimento de aclaração e correcção do Acórdão haja ou ainda resulte contradição insanável na fundamentação do Acórdão, o que implica a anulação e revogação do Acórdão e reenvio do processo para novo julgamento. 12 - Deve-se assim dar provimento ao recurso, sem prejuízo dos recursos anteriores, revogando-se o Acórdão recorrido e julgando-se conforme se concluiu nas conclusões antecedentes em especial a conclusão 7.» Na sua resposta o Exmo. Magistrado do Ministério Público junto do Tribunal recorrido defendeu a improcedência do recurso, formulando as seguintes conclusões: «1.ª - Ao contrário do que pretende o Recorrente, no douto Acórdão final de fls. 3661 s. não se deu como provado que o Arguido desviou ilicitamente subsídios no valor situado entre Esc. 22.000.559$65 e Esc.59.554.264$00; 2.ª - Deu-se, antes, por assente, positivamente, que o valor daqueles subsídios ascendeu a, concretamente, Esc. 22.000.559$65; 3.ª - Uma interpretação meramente declarativa do ponto 21 da fundamentação de facto daquela douta decisão - que o Recorrente nem sequer pondera e cujo relevo, por isso, omite por completo - evidencia, sem margem de dúvida, que o Tribunal Colectivo apenas deu por adquirido que o Arguido se apoderou de subsídios no montante, concreto e preciso, de Esc.22.000.559$65; 4.ª - A restituição do total das quantias ilicitamente desviadas, imposta pelo art. 39.º do DL 28/84, constitui um efeito automático da pena (ou da condenação), sem natureza de autêntica indemnização civil; 5.ª - Pelo que não lhe é aplicável o instituto da liquidação em execução de sentença; 6.ª - A dúvida insanável sobre o «quantum» da restituição daria lugar à anulação do julgamento e ao reenvio dos autos, por insuficiência para a decisão da matéria de facto provada (art. 410.º, n.º 2, al. a) do Código de Processo Penal); 7.ª - o douto Acórdão impugnado não padece, porém, desse vício, pois procedeu a correcta aplicação do preceito mencionado, devendo ser inteiramente confirmado, com improvimento do recurso». O assistente interpusera dois recursos interlocutórios, que foram recebidos com efeito devolutivo e a subir nos próprios autos com o que viesse a ser interposto da decisão final (cf. fls. 3548, 3532 e 3624) Na motivação do recurso dessa decisão final o recorrente expressou a manutenção do interesse na apreciação dos recursos interlocutórios. O arguido também havia interposto recurso da decisão final, mas, por ter sido julgado intempestivo, não foi admitido, ficando também prejudicado um recurso intercalar que aquele havia interposto e que deveria subir com o da decisão final. Subidos os autos ao S.T.J., a Exma. Procuradora-Geral-Adjunta, na sua douta promoção quando da vista nos termos do art. 416º, nº 2, do C.P.P., considerou nada impedir o conhecimento do recurso. No despacho preliminar, admitiu-se o recurso e fixou-se prazo para alegações escritas. Só o assistente veio dar como reproduzido o invocado na motivação. Após vistos, teve lugar conferência, tendo-se apreciado e decidido nos termos que a seguir se desenvolvem. II. Do douto acórdão recorrido consta a seguinte decisão de facto e respectiva fundamentação: «1. Em 5 de Maio de 1991, o arguido foi reeleito presidente da direcção da «Cooperativa Agrícola do Concelho de Ourique, CRL», com sede na Rua Professor Egas Moniz, n.º ..., na vila e comarca de Ourique. 2. Foram ainda eleitos para integrar a direcção D, como secretário, e E, como tesoureiro. 3. O arguido já exercia aquelas funções desde 1985, sendo o único que, a partir de 5/5/91, era remunerado. 4. Embora os estatutos da Cooperativa exigissem que os documentos relativos aos negócios realizados fossem assinados, indistintamente, por...

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