Acórdão nº 02P1885 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 06 de Junho de 2002 (caso NULL)

Data06 Junho 2002
Órgãohttp://vlex.com/desc1/1997_01,Supreme Court of Justice (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça 1. O colectivo da Vara Mista de Coimbra, julgou, em 5 de Dezembro de 2000, entre outros arguidos, A, devidamente identificado, tendo, a final, decidido, além do mais: "a) Condenar o arguido A como autor material de : 1) Um crime de lenocínio agravado p. e p. pelo art. 170.º, n.º 1 e 2 do Cód. Penal, e de co-autor de um outro crime de lenocínio p. e p. art. 170.º, n.º 1 e 2 do Cód. Penal, na pena de 4 ( quatro) anos de prisão a cada um deles 2) E como co-autor de um crime de sequestro p. e p. pelo art. 158.º, n.º 1 e 2, al. b), do Cód. Penal na pena de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de prisão 3) Como co-autor de um crime de lenocínio simples p. e p. pelo art. 170.º, n.º 1, do Cód. Penal na pena de 3( três) anos de prisão 4) Como autor de um crime p. e p. pelo art. 275.º, n.º 1 e 3, do Cód. Penal, na pena de 1 ( um ) ano de prisão 5) Como autor material de um crime p. e p. pelo art.º 143.º, n° 1 do Cód. Penal na pena de l(um )ano de prisão b) Nos termos do art. 77 do Cód. Penal foi o arguido condenado na pena única de 11 (onze) anos e 6 ( seis) meses de prisão c) Absolver o arguido como autor material de um crime de ofensa à integridade física qualificada p. e p. pelo art. 146.º, n.º 1 e 2 , por referência ao art. 132.º, a) f), todos do Cód. Penal. Nos termos do art.º 109.º do Cód. Penal declarou-se perdido a favor do Estado o veículo ligeiro de passageiros de matrícula BS, já que este veículo foi utilizado para o sequestro da B e corre o sério risco de continuar a ser utilizado para a prática de novos ilícitos, pois é o meio ideal para coagir pessoas e levá-las para onde elas não quiserem, justificando a prática do sequestro, bem como os objectos apreendidos e que serviram para a prática dos crimes ,os quais pelas suas características poderão voltar a ser usados para a prática de novos actos ilícitos." Irresignado, recorreu o arguido para a Relação de Coimbra, perante a qual pretendeu impugnar toda a decisão do colectivo quer a nível de facto quer de direito. A Relação, no limiar do aresto que produziu, arredou sumariamente o conhecimento da impugnação da matéria de facto: "Começando por precisar o objecto e o âmbito do recurso, os quais são indicados e delimitados pelas conclusões formuladas na motivação, conforme jurisprudência constante e uniforme dos nossos tribunais superiores, verifica-se serem as seguintes as questões ali suscitadas: a) Incorrecta valoração e apreciação da prova; b) Nulidade da decisão por omissão de pronúncia; c) Errada subsunção dos factos ao direito aplicável; d) Incorrecta determinação da medida das penas parcelares e conjunta; e) Ilegal declaração de perdimento do veículo automóvel a favor do Estado. Primeira e prévia questão que há que apreciar e decidir é a que suscitada foi pelo Ex.mo Procurador-Geral Adjunto no seu douto parecer, qual seja a que decorre da circunstância de o recorrente haver impugnado a decisão proferida sobre a matéria de facto, sem que haja dado cumprimento ao ónus previsto nos n.ºs 3 e 4, do art.º 412.°, do Código de Processo Penal (diploma de que serão os demais preceitos a citar sem menção de referência). Estabelece o n.º 3, do art.º 412°: «Quando impugne a decisão proferida sobre a matéria de facto, o recorrente deve especificar: a) Os pontos de facto que considera incorrectamente julgados; b) As provas que impõem decisão diversa da recorrida; c) As provas que devem ser renovadas» . Por sua vez, o n.º 4, do referido artigo dispõe que: «Quando as provas tenham sido gravadas, as especificações previstas nas alíneas b) e c) do número anterior fazem-se por referência aos suportes técnicos, havendo lugar a transcrição. Do exame e análise da motivação apresentada e respectivas conclusões, verifica-se que o recorrente não observou a imposição ou ónus constante dos n.ºs 3 e 4, do art.º 412°, pois que, tendo sido gravadas as declarações prestadas oralmente em audiência, aquele em parte alguma da motivação alude aos suportes técnicos, isto é, às fitas ou cassetes onde a prova foi registada. Ora, o incumprimento daquela imposição ou ónus, como temos vindo a defender, acarreta a impossibilidade de o tribunal de recurso modificar a decisão proferida sobre a matéria de facto ex vi art.º 431°, al. b), a significar que esta Relação não deve nem pode sindicar a decisão de facto impugnada, o que equivale por dizer que, nesta parte, o recurso interposto terá de improceder." E, prosseguindo com o conhecimento do recurso de direito, acabou por negar-lhe provimento, por julgar as razões aduzidas inteiramente improcedentes. De novo inconformado, recorreu o mencionado arguido, para este Supremo Tribunal, que, por acórdão de 8 de Novembro de 2001, com o mesmo relator deste, anulou o processado desde o despacho preliminar do relator no tribunal a quo e ordenou a sua repetição, com prévio convite ao recorrente para aperfeiçoar, querendo, as suas conclusões tidas na Relação por formalmente deficientes. Na sequência desta deliberação, o tribunal recorrido convidou o recorrente "a suprir as deficiências de que enferma a motivação de recurso de fls. 855 a 861, dando correcto e integral cumprimento ao ónus constante dos n.ºs 3 e 4, do artigo 412.º, do Código de Processo Penal". Mas o recorrente, depois de notificado, afirmou expressamente que não fazia "referência aos suportes técnicos, porquanto, como se vê da acta, eles não constam da mesma" e simultaneamente, depois de transcrever largamente e praticamente reproduzir informaticamente a sua primeira motivação, apresentou estas conclusões: 1- A Relação, por ter sido documentada a prova, conhece de facto. 2- Na decisão recorrida encontra-se erradamente julgada a matéria de facto supra transcrita em 3 e isto, porquanto os elementos de prova utilizados, aliás, contrariados por outros ouvidos em audiência, não são suficientes para poderem dar a certeza aos factos atinentes à C e à B. A versão daquela é contrariada por um seu amigo, o D; a versão desta é contrariada pelo depoimento do E e do co-arguido F. Nunca poderiam, ocorrer em Maio de 1999, factos participados dois meses antes. 3- A condenação exige certezas e não se podem ter conseguido com tão parcos indícios. 4- É que vigorando na nossa lei o princípio da presunção de inocência, este é também um princípio de prova, segundo o qual um non liquet na questão da prova deve ser sempre valorado a favor do arguido. 5- De facto, "se o juiz, finda a produção da prova num processo, não consegue superar alguma dúvida, não consegue ter a certeza se o arguido cometeu o crime ou não, ou se os pressupostos de facto de uma causa de exclusão da ilicitude ou da culpa, ou de uma circunstância agravante ou atenuante, se verificaram realmente, então ele deve decidir em favor do arguido, in dubio pro reo. Esta regra resulta directamente da presunção constitucional de inocência do arguido consagrada no artigo 32.º, n.º 2, da Lei Fundamental, toda a actividade de produção de prova é justamente a tentativa de ilidir essa mesma presunção. É um princípio fundamental do nosso direito processual penal" (Revista do MP, n.º 74-41). 6- A decisão recorrida, ao ponderar de outra forma violou o artigo 127.º do CPP. 7- Por tal, o recorrente deve ser absolvido. Ao que respondeu o MP junto do referido tribunal: 1- O recurso é o próprio, foi apresentado atempadamente, e nada obsta ao seu conhecimento por inexistência de qualquer questão prévia a resolver em conferência. Vem interposto da decisão final, mostra-se motivado e não se descortina razão para a respectiva rejeição. Não há provas a renovar, nem ocorre causa extintiva do procedimento ou da responsabilidade criminal. Será pois caso de, seguidamente ao exame preliminar a que aludem os n.ºs 1 e 3 e cumprido o n.º 2 do art.º 417.º do Código de Processo Penal, se ordenar o seu prosseguimento com a consequente designação de dia para a audiência- art.º 421°, n.º 1, do Código citado. 2.- Os presentes autos já foram anteriormente objecto de apreciação nesta , Relação em sede de recurso, tendo sido, então, emitido o douto Acórdão constante de fls. 901 e seguintes no qual, além do mais, se entendeu rejeitar o recurso quanto à matéria de facto por incumprimento pelo recorrente dos ónus legais consignados nos n.ºs 3 e 4, do art.º 412.º, do Código de Processo Penal. 3. - Interpôs o recorrente revista para o Supremo Tribunal de Justiça, onde foi decido anular aquele douto Acórdão da Relação de Coimbra, por se considerar que ofende a Constituição da República a interpretação do art.º 412.º invocado, expressa no douto Acórdão da Relação, no sentido de que deve ser rejeitado o recurso que não cumpra os ditames formais respectivos sem, previamente, convidar o recorrente a corrigir os termos da motivação- cfr. fls. 972 e seguintes. 4. - Em cumprimento do doutamente decidido no Supremo Tribunal de Justiça foi, então - cfr. fls. 987 - o recorrente convidado a suprir as deficiências de forma da motivação inserta nos autos a fls. 855 e seguintes, tendo, na sequência dessa notificação, apresentado a motivação que constitui fls. 998 a 1002. 5. - Aí, limita-se praticamente o recorrente a transcrever parte da motivação anteriormente apresentada, continuando anão dar cumprimento cabal ao formalismo equacionado nos n.ºs 3 e 4 do art.º 412.º citado, designadamente por- que não faz qualquer especificação dos meios de prova que contrariam o decidido na decisão recorrida, por referência aos suportes técnicos da prova registada. Afirma, em defesa dessa omissão, que isso se deve ao facto de não constarem da acta as localizações respectivas, o que é exacto como pode confrontar-se dos .. autos. Todavia, tal circunstância não o eximia nem exime do cumprimento desse ónus já que sempre lhe era possível, para o efeito, socorrer-se dos suportes magnéticos do registo de prova postos à sua disposição. Assim, se não cumpriu esse ónus, foi porque não quis. Até porque o vício resultante do facto de não constarem da acta as referências aos pontos de gravação...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT