Acórdão nº 02P1896 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 04 de Julho de 2002 (caso NULL)
Magistrado Responsável | PEREIRA MADEIRA |
Data da Resolução | 04 de Julho de 2002 |
Emissor | Supremo Tribunal de Justiça (Portugal) |
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça 1. O colectivo da 6.ª Vara Criminal de Lisboa, por acórdão de 30/11/2001, condenou o arguido A, devidamente identificado, como autor material de cada uma das duas tentativas de crimes de roubo p. e p. nos artigos 210.º, n.º 1, 22.º, 23.º e 73.º, todos do Código Penal, na pena de dois anos de prisão por cada uma. Em cúmulo jurídico com a pena aplicada no processo n.º 101/2001, da 1.ª secção do mesmo Tribunal foi aplicada ao arguido a pena única de três anos e nove meses de prisão. Inconformado recorreu o arguido à Relação de Lisboa perante quem colocou apenas a questão de direito consubstanciada na aplicação de uma pena não privativa de liberdade e a sua suspensão em regime de prova "por assim se realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição", mas aquele tribunal, por acórdão de 10 de Abril de 2002, não só declinou a competência para dele conhecer como assentou em que tal competência radicaria na esfera deste Supremo Tribunal. Subidos os autos, a Ex.ma Procuradora-Geral Adjunta suscitou como questões prévias, não só a nulidade do acórdão da Relação ao atribuir competência a um órgão jurisdicional hierarquicamente superior (art.ºs 210.º da Constituição, 379.º, n.º 1 c), e 119.º, e), do CPP), como, por outro lado, a decorrente de o sistema processual vigente conferir ao recorrente o direito de recorrer ao tribunal referido ainda que se trate de conhecer de mera questão de direito e a decisão recorrida seja um acórdão final oriundo do tribunal colectivo. Observado o disposto no artigo 417.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, nada disse o recorrente. No despacho preliminar foi acolhido o ponto de vista expresso neste parecer. Daí que, com dispensa de vistos, os autos tenham vindo à conferência. 2. Cumpre decidir. Não se põe em causa que o recurso verse exclusivamente o reexame de matéria de direito, como emerge das respectivas conclusões. A questão tem sido objecto de tratamento por banda deste Supremo Tribunal em vários arestos que seguem a orientação que aqui se vai reiterar. (1) Conhecendo: O regime dos recursos instituído pela Lei n.º 59/98, de 25 de Agosto, contém inovações de relevo quando comparado como o regime originário do Código de Processo Penal de 1987. Ali - na versão original do Código - como se faz notar na Exposição de Motivos da Proposta de Lei n.º 157/VII que o alterou, os recursos contam-se entre as matérias em que tal Código [1987] mais inovou. "Como se refere no preâmbulo do diploma, foi preocupação do legislador reforçar a economia processual numa óptica de celeridade e eficiência e emprestar efectividade à garantia de um duplo grau de jurisdição. As soluções postas ao serviço destes objectivos caracterizaram-se pela linearidade quase esquemática dos princípios e por uma forte sensibilidade às conexões entre processo e organização judiciária. Neste contexto, as ideias de tramitação unitária, de competência baseada na natureza do tribunal a quo, de estrutura acusatória ou de revista alargada exprimiram um singular compromisso entre teoria e exigências práticas. Houve, certamente, a consciência de que o projecto se aproximava, em alguns capítulos, de limites constitucionais e que a sua aplicação dependeria de uma utilização exaustiva dos meios. Alguns anos decorridos, há que reconhecer que, não obstante os seus aspectos positivos, a experiência, ficou aquém das expectativas. Por razões que, naturalmente, se prenderam mais com dificuldades de aplicação do que com o mérito das soluções, é hoje manifesta a erosão de alguns princípios, de que são exemplo, nomeadamente: ... b) A incomunicabilidade entre instâncias de recurso resultante de os poderes das relações e do Supremo Tribunal de Justiça incidirem, em regra, sobre objecto diferente (os primeiros sobre recursos interpostos do tribunal singular; os segundos sobre recursos interpostos do tribunal colectivo ou de júri); c) A indesejável duplicação de tribunais de recurso que julgam, por regra, em última instância (em princípio, não há recurso ordinário dos acórdãos proferidos pelas relações e pelo Supremo Tribunal de Justiça); ... f) O enfraquecimento da função real e simbólica do Supremo Tribunal de Justiça como tribunal a quem compete decidir, em última instância, sobre a lei e o direito". Para corrigir a indicada erosão de princípios, a nova lei visa, expressamente, a introdução de "instrumentos mais consistentes, adequados e dialogantes, obtidos a partir da reavaliação dos meios disponíveis, da tradição jurídica e da cultura prevalecente." E para concretização destes objectivos: ... "c) Faz-se um uso discreto do princípio da «dupla conforme», harmonizando objectivos de economia processual com a necessidade de limitar a intervenção do Supremo Tribunal de Justiça aos casos de maior gravidade; d) Admite-se o recurso per saltum, justificado pela medida da pena e pela limitação do recurso a matéria de direito; e) Retoma-se a ideia de diferenciação orgânica, mas apenas fundada no princípio de que os casos de pequena ou média gravidade não devem, por norma, chegar ao Supremo Tribunal de Justiça; (2) f) Ampliam-se os poderes de cognição das relações, evitando-se que decidam, por sistema, em última instância;" ... Com este pano de fundo, surgem agora as principais disposições legais concretas onde se tentou verter estes objectivos de política legislativa: 1. Artigo 427.º: Exceptuados os casos em que há recurso directo para o Supremo Tribunal de Justiça, o recurso de decisão proferida por tribunal de primeira instância interpõe-se para a relação. 2. Artigo 428.º, n.º 1: As relações conhecem de facto e de direito. 3. Artigo 432.º: Recorre-se para o Supremo Tribunal de Justiça: a) De decisões das relações proferidas em primeira instância; b) De decisões que não sejam irrecorríveis proferidas pelas relações, em...
Para continuar a ler
PEÇA SUA AVALIAÇÃO