Acórdão nº 02P3191 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 27 de Novembro de 2002 (caso NULL)

Magistrado ResponsávelLOURENÇO MARTINS
Data da Resolução27 de Novembro de 2002
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam na Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça: I 1. No P.º comum n.º 900/99, do 2.º Juízo do Tribunal Judicial da Ribeira Grande procedeu-se ao julgamento, pelo Colectivo, de A, id. nos autos, tendo sido condenado, por acórdão de 27.4.01, como autor material de um crime de homicídio qualificado, pp. pelos artigos 131° e 132°, n° 2, alínea i) do Código Penal, na pena de 22 anos de prisão; como autor material de um crime de detenção de arma proibida, pp. pela conjugação dos artºs 275º, nº1 e 3, do CPenal, e 3º, a), e 4º, do Decreto-Lei n.º 207-A/75, de 17 de Abril, na pena de 1 ano de prisão: Em cúmulo jurídico foi-lhe fixada a pena única de 22 anos e 6 meses de prisão. Mais foi condenado no pagamento à demandante civil (filha da vítima) da quantia de 7.500.000$00, a titulo indemnização pelos danos não patrimoniais decorrentes da perda do direito à vida da B; da quantia de 3.500.000$00, a titulo de danos não patrimoniais, pelos sofrimentos e desgosto causados pela morte da respectiva mãe; a título de danos patrimoniais, lucros cessantes, a quantia total actualizada de 7.800.000$00, com juros de mora sobre as referidas quantias a partir desta data até integral pagamento. 2. Não se conformou o arguido com a decisão, dela tendo interposto recurso para a Relação de Lisboa que, por acórdão de 24.04.02, negou provimento ao mesmo. De novo discorda o recorrente, concluindo a motivação pelo modo seguinte (transcrição): "1 - O tribunal "a quo" ao não julgar de facto violou o disposto no art° 428° n° 1, 430° n.os 1,2,3,4, e 5, 431° al. a) do CPP; 2 - Isto porque, as declarações orais produzidas em audiência foram documentadas em acta (art° 364° do CPP), sendo a acta e a sua elaboração da responsabilidade do tribunal, cabendo ao funcionário judicial elaborá-la e transcrever as declarações orais, depois de o juiz se certificar da conformidade da transcrição (art° 99° n° 2, 100 n° 1, 101º n° 1 e 2 do CPPenal.). 3 - Pelo que o tribunal, deveria primeiro ter mandado transcrever na acta as declarações orais produzidas em audiência, declarações do recorrente, depoimentos das testemunhas, esclarecimentos dos peritos, e depois julgado de facto e de direito, nos termos do art° 431 ° al. a) do CPP; 4 - A falta de transcrição na acta das declarações orais produzidas em audiência constitui omissão oficial, consubstancia nulidade do art° 120º n.º 2 al. d) do CPPenal, que se argui; 5 - Porque essa omissão resulta num prejuízo para a boa decisão da causa, para a justiça do caso concreto, violando o direito a um julgamento justo e equitativo, e violando o direito de defesa, direito ao recurso de facto e de direito; 6- As normas do art. 99º n° 2, 100° n° 1 , 101º n° 1 e 2 do CPP, interpretadas no sentido que é ao recorrente que cumpre transcrever as declarações orais produzidas em audiência, para poder recorrer de facto, são materialmente inconstitucionais, por violação do art° 32° n° 1 da CRP, ,interpretação acolhida pelo tribunal "a quo", e cuja desconformidade constitucional se argui expressamente. 7- Por outro lado, mesmo que não haja lugar ao julgamento da matéria de facto, os factos provados apontam no sentido de o recorrente ter cometido o crime do art. 133° do Código Penal e não o do art°132°. 8 - Todo o comportamento do recorrente terá sido devido pelo enorme amor sentido pela B e no sentimento de rejeição sofrido pela recusa dela em o acompanhar e com ele viver. 9- O recorrente foi determinado por um estado de compreensível emoção violenta. 10 - E isto é tanto mais certo quando se considera a personalidade em concreto do recorrente, homem religioso, fundamentalista, com uma leitura da bíblia própria, assente na lição certa concreta de fidelidade da mulher ao homem e à promessa feita. 11 - A emoção é violenta, é compreensível e diminui consideravelmente a culpa do recorrente, pelo que o crime é o do art° 133° do CPP; 12 - Por outro lado, a medida concreta da pena deve situar-se sempre próximo do limite mínimo e não nos 22 anos do art° 132° do C.Penal, como foi julgado. 13- O tribunal "a quo" violou as normas dos art° 99º no 1, 100º no 1, 101° nos 1 e2, 120º n.º 2 . al. d), 364°, 428° n° 1,.430°, 431º , todos do CPP, e art° 32° n° 1 da CRP. 14 - Normas que interpretou no sentido de dever não julgar de facto, quando as deveria ter interpretado no sentido oposto; 15 - Violou também o acórdão recorrido as normas do art° 133°, 132° n° 2 al. d) e i) do C.Penal e art. 71º do mesmo Código, pois deveria tê-lo condenado pelo crime do art° 133°, próximo do limite mínimo, ainda que o condene pela prática do crime de homicídio qualificado. Nestes termos, deve ser dado provimento ao recurso e ordenado que baixem os autos às instâncias para transcrição das declarações orais produzidas em audiência, ou condenado o recorrente pela prática do crime do art° 133°, ou então, aplicar ao recorrente a pena próximo do limite mínimo do art° 132° do C.Penal". Respondeu o Ex.mo Procurador-Geral Adjunto na Relação a defender o improvimento do recurso, dizendo em síntese: "1- O douto Acórdão que não conheceu do pedido de impugnação da matéria de facto, transitou em julgado, pelo que esse STJ não pode conhecer dele, por o presente recurso ser extemporâneo. 2 - A correlativa inconstitucionalidade invocada pelo recorrente, por extemporaneamente invocada, também não pode ser conhecida por esse STJ, e, consequentemente, também o Tribunal Constitucional não pode dela conhecer, face ao disposto no art.280° / 1, al. b) da CRP , e art.70°/ 1, al. b ), da Lei n° 28/ 82, de 15/ 11, «a contrario». 38 - A conduta do arguido integra todos os elementos típicos do crime de homicídio voluntário consumado, agravado, p.p. nos termos dos arts.131° e 132°/2, als. d) e i) do CP. 48- As penas parcelares e unitária, estão correctamente doseadas. 58 - O douto Acórdão recorrido não viola nenhum preceito legal". 3. Já neste STJ, o Ex.mo Representante do Ministério Público foi de parecer: - quanto às conclusões 1 a 6 do recorrente reitera o teor da questão prévia suscitada pelo Ex.mo Colega na Relação; - quanto ao pedido de renovação da prova e impugnação da decisão sobre matéria de facto, são matérias decididas por acórdão da Relação, de 21.11.01 (fls. 1457 e sgs.), transitado em julgado, o mesmo sucedendo com a alegada inconstitucionalidade; - que o recurso deve improceder quer quanto à qualificação dos factos quer quanto à medida da pena. Notificado desta posição o requerente, nos termos e para efeitos do artigo 417º, n.º 2, do CPPenal, nada disse. Foi declarada a excepcional complexidade do processo. Colheram-se os vistos legais. Procedeu-se à audiência a que se refere o artigo 423º do Código de Processo Penal, com observância do formalismo respectivo, tendo sido produzidas alegações orais. Cumpre ponderar e decidir. II Afrontemos a matéria da questão prévia: a falta de transcrição na acta da gravação da prova, o que impediu a Relação de conhecer da matéria de facto, com violação dos artigos 99º, n° 2, 100°, n° 1, 101º, n.os 1 e 2 do CPPenal, constitui interpretação que leva à sua inconstitucionalidade material, por violação do art° 32°, n° 1, da CRP, quando se coloca a obrigação de transcrição a cargo do recorrente. Existe decisão transitada em julgado, dizem em uníssono os Ex.mos Representantes do Ministério Público. 1. Na verdade, a questão não é nova nos autos. A fls. 1423, o Ex.mo Desembargador Relator, a propósito da "transcrição do material probatório gravado" proferiu despacho, em 26.09.01, regulador da lide processual, no qual ordenou a baixa dos autos à 1.ª Instância para que: - se convidasse o recorrente a efectuar a transcrição, dando-se conhecimento aos restantes intervenientes processuais, procedendo às especificações a que se refere o artigo 412º do CPPenal; ou - requeresse, fundamentadamente, a transcrição pelo tribunal, procedendo depois às ditas especificações, sob cominação de, não o fazendo, ser indeferido o pedido de apreciação da matéria de facto. Por despacho de 11.10.01, o M.mo Juiz da comarca da Ribeira Grande deu execução ao ordenado pela Relação, determinando as notificações respectivas, nomeadamente ao último Advogado que o recorrente designara. Não houve qualquer reacção e os autos regressaram à Relação. O Ex.mo Desembargador Relator enviou-os à conferência tendo sido decidido, por acórdão de 21.11.01, recusar a renovação de prova, indeferindo o pedido de impugnação da matéria de facto e confinando o recurso à matéria de direito. Decisão de que o recorrente foi notificado e da qual não reagiu. Entretanto, foi igualmente submetida à conferência a questão de saber se devia ou não haver audiência oral, o que foi determinado pelo acórdão de 27.02.02. Audiência a que se procedeu e de cujo acórdão final vem interposto o presente recurso. 2. Tem razão o Ministério Público. O recorrente desperdiçou, por completo, a oportunidade que lhe foi dada pela Relação de se pronunciar quanto à transcrição da prova e efectuar as especificações a que alude o artigo 412º (1). E não se lhe impunha sequer que fosse o recorrente a efectuar tal transcrição. Aquele acórdão, de 21.11.01, teve como objecto decidir essa questão, o que fez, não o tendo o recorrente impugnado, como podia, a partir da notificação. Disse-se recentemente (2): "Como resulta dos acanhados preceitos do CPPenal que se referem à matéria - artigos 84º e 467º, n.º 1 - a sua regulamentação é manifestamente insuficiente para cobrir as situações que nesta área se suscitam como carecidas dessa regulação. Por isso que, ao abrigo da norma do artigo 4º do CPPenal, se venham aplicando as regras do processo civil, nomeadamente, as previstas nos artigos 493º a 498º, 671º a 675º (3)." "O caso julgado apresenta-se como uma excepção dilatória - alínea i) do artigo 494º -, a conhecer oficiosamente pelo tribunal, e que se verifica quando há repetição de uma causa "depois de a primeira ... ter sido decidida por sentença que já não admite recurso ordinário" (artigo 497º, n.º 1). A finalidade do...

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