Acórdão nº 02P4530 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 20 de Fevereiro de 2003 (caso NULL)

Data20 Fevereiro 2003
Órgãohttp://vlex.com/desc1/1997_01,Supreme Court of Justice (Portugal)

Acordam na 5.ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça: I. No processo comum n.º 395/01.9JAFAR, do 1.º Juízo Criminal da Comarca de Faro, foram submetidos a julgamento, com intervenção do tribunal colectivo, os arguidos: - A, casado, pedreiro, filho de ... e de ..., nascido a 13.02.1953, natural da Moldávia; - B, casado, pedreiro, filho de ... e de ..., nascido a 09.02.1961, natural da Moldávia, acusados pelo Ministério Público da prática, em co-autoria material e na forma consumada, de três crimes de coacção grave, p. e p. pelas disposições conjugadas dos arts. 154º, n.º 1 e 155º, n.º 1, al. a), ambos do Código Penal, sendo ainda imputada ao arguido A a autoria, em concurso efectivo, de um crime de detenção de arma proibida de fogo, p. e p. pelo art. 275º, n.º 1, do Código Penal, na redacção que lhe foi dada pela Lei n.º 98/2001, de 25.08, e de um crime de coacção, p. e p. pelo art. 154º, n.º 1, do referido Código. Por acórdão proferido em 03.06.2002, aquele tribunal, julgando a acusação parcialmente procedente, decidiu: a) Absolver o arguido B da acusação contra si formulada; b) Condenar o arguido A: - pela prática de um crime de detenção de arma de defesa não manifestada, p. e p. pelo art. 6º da Lei n.º 22/97, de 27.06, na pena de 11 (onze) meses de prisão; - pela prática de um crime tentado de coacção grave, p. e p. pelos arts. 154º e 155º do Código Penal, na pena de 18 (dezoito) meses de prisão; - em cúmulo jurídico, na pena única de 2 (dois) anos e 1 (um) mês de prisão, declarada suspensa na sua execução pelo período de 4 (quatro) anos; - absolver o arguido A das restantes acusações. Inconformado, interpôs o Ministério Público recurso para o Supremo Tribunal de justiça, deixando expressas na finalização da sua motivação, melhor constante de fls. 580 a 590, as seguintes conclusões (transcrição): «1 - O Tribunal Colectivo considerou que a posse pelo arguido A de uma pistola semi-automática de calibre 6,35 mm transformada, pois era originariamente uma pistola de alarme ou gás, consubstancia a prática de um crime p. e p. pelo artigo 6.º da Lei 22/97, de 27.6. 2 - O Assento n.º 2/98, de 16.10.1997, veio pôr fim à controvérsia de saber se as armas adaptadas são, ou não, consideradas proibidas para efeitos penais, dispondo da seguinte maneira: «Uma arma de fogo, com calibre 6,35 mm, resultante de uma adaptação ou transformação clandestina de uma arma de gás ou alarme constitui uma arma proibida». 3 - Tratando-se de uma arma proibida deveria o arguido A ter sido punido pelo artigo 275º, n.º 1 do Código Penal, com a redacção que lhe foi dada pela Lei n.º 98/2001, de 25.08, atenta a data em que os factos foram praticados (01.09.2001). 4 - O Tribunal Colectivo considerou que os arguidos teriam proferido para C, D e E que os deitariam ao mar e lhes partiriam os ossos (tendo o arguido A exibido uma pistola com a qual efectuou um disparo para o tecto), se tratou de um fim lícito, pois destinou-se a reaver os passaportes daqueles. 5 - Para o efeito o Tribunal Colectivo considerou que se encontravam preenchidas as duas alíneas do artigo 154º, n.º 3 do Código Penal. 6 - No entendimento do Ministério Público, na alínea a) do artigo 154º, n.º 3 do Código Penal o legislador visou consagrar uma adequação de meios para atingir o fim visado, utilização essa que não pode ser censurável pelo Direito. 7 - No caso em concreto o meio utilizado foi censurável e, a admitir-se a situação contrária, estaria aberto o caminho para o recurso à força indiscriminada para fazer valer o próprio direito, sendo certo que o monopólio da força pertence ao Estado. 8 - A alínea b) do artigo 153º do Código Penal não é aplicável ao caso dos autos, porquanto uma vez que o crime de furto já se consumou não é possível impedir a sua consumação. 9 - O disposto no artigo 154º, n.º 3 do Código Penal não se aplica às situações de coacção grave, face à especial censurabilidade das condutas descritas no artigo 155º do referido Código. 10 - A ilicitude da acção dos arguidos não pode ser excluída através da figura da acção directa, pois de acordo com o artigo 336º do Código Civil a acção directa exige que o interesse sacrificado não seja superior ao interesse defendido, sendo certo que os mesmos violaram a liberdade de três pessoas para tutelarem um interesse patrimonial. 11 - Foram interpretados incorrectamente os artigos 154º, n.º 3, 155º e 275º, n.º 1 do Código Penal, bem como o artigo 6º da Lei n.º 22/97, de 27.06. 12 - Face ao exposto, entendemos que o segmento decisório do acórdão que absolveu B da acusação contra si formulada que condenou A pela prática de um crime de detenção de arma de defesa não manifestada e que absolveu A das restantes acusações contra si formuladas deve ser revogado e substituído por outro que condene A e B pela prática, em co-autoria, de três crimes de coacção grave p. e p. pela alínea a) do n.º 1 do artigo 155º do Código Penal, bem como condenar A pela detenção de arma proibida p. e p. pelo artigo 275º, n.º 1 do Código Penal, na sua versão vigente». Regularmente notificados, os arguidos não apresentaram resposta. Subidos os autos a este Supremo Tribunal, o Exmo. Sr. Procuradora-Geral Adjunto, na vista que teve dos autos (n.º 1 do art. 417º do Código de Processo Penal), promoveu que se designasse dia para a realização do julgamento. Colhidos os vistos dos Exmos. Conselheiros Adjuntos, procedeu-se a audiência de julgamento com observância do legal formalismo.II.O Tribunal Colectivo de 1.ª instância deu como provados e não provados os seguintes factos, com a respectiva motivação do decidido (transcrição): «1. No dia 1.9.2001, no Montenegro, Faro, durante uma festa de aniversário a que tinham ido, os arguidos aperceberam-se que alguns dos seus documentos de identificação e passaportes, que se encontravam dentro da viatura de um deles, tinham desaparecido; 2. Havia também desaparecido a chave daquela viatura, a qual tinha sido deixada dentro da residência onde decorria a festa; 3. Os arguidos convenceram-se de que tinham sido C, D e E (todos presentes na festa) quem tinha feito desaparecer os documentos; 4. Então exigiram a C, D e E os documentos desaparecidos, afirmando que senão os deitariam ao mar ou lhes partiriam os ossos, tendo o arguido A exibido uma pistola com a qual efectuou um disparo para o tecto; 5. Trata-se da pistola semi-automática de calibre 6,35 mm transformada, pois era originariamente uma pistola de alarme ou gás, de calibre 8 mm, o que o arguido A bem sabia; 6. Como não conseguissem reaver assim os seus documentos, os arguidos exigiram a C, D e E os respectivos passaportes, tendo apenas obtido os dos dois primeiros, já que o último não o tinha consigo; 7. O arguido A, volvido algum tempo contactou telefonicamente F exigindo a entrega do passaporte de E, que sabia estar com aquele, dizendo que enquanto não o entregasse o cunhado C não sairia dali; 8. F temendo pelo seu cunhado, contactou a Polícia Judiciária que o trouxe de Beja a Faro por forma a deter os arguidos, o que veio a suceder no dia seguinte; 9. Os arguidos exigiram ainda e obtiveram os telemóveis de C, D e E; 10. Os arguidos agiram de forma livre, deliberada e consciente, sabendo proibida a sua conduta, com o propósito de recuperar os seus documentos; 11. Os arguidos são de nacionalidade moldava e não têm antecedentes criminais em Portugal. Trabalhavam como operários da construção civil, por forma a sustentar a família que se encontra no país de origem; 12. O arguido A é casado e tem 3 filhas, duas delas a seu cargo. No seu país trabalhou como técnico mecânico; 13. O arguido B é casado e tem duas filhas a seu cargo. No seu país trabalhou como motorista. Não se provaram outros factos nomeadamente que: 1.1 O arguido A tenha apontado a pistola a E; 1.2 O arguido A tenha afirmado a F que o seu cunhado seria agredido fisicamente; 1.3 C, D e E tenham tirado as chaves e os documentos. A convicção do tribunal quanto aos factos provados formou-se com base nas declarações dos arguidos conjugadas com os testemunhos de C, F, G, H e I, com o teor dos C.R.C. e com o auto de exame no processo. Os arguidos narraram os factos apurados, pretendendo todavia nunca ter ameaçado C, D e E os quais entregaram o que lhes foi pedido de forma voluntária. Todavia, C e F, embora tivessem ainda tentado negar, acabaram por reconhecer que os documentos foram obtidos por meio de ameaças, o que foi confirmado pela testemunha G, que relatou ter sido a PJ contactada por F preocupado com a exigência que lhe havia sido feita e com a integridade física do seu cunhado C, circunstância que desencadeou todo o processo. As condições dos arguidos resultam dos testemunhos de H e I que os conhecem de há muito tempo, confirmados com o teor de documentos juntos aos autos. Quanto aos factos não provados cumpre dizer que tal se fica a dever à circunstância de sobre os mesmos não ter sido produzida prova».III.Cumpre agora apreciar e decidir: O objecto do recurso interposto pelo Ministério Público, circunscrito pelas conclusões da respectiva motivação, como é jurisprudência pacífica neste Supremo Tribunal, concentra-se nas seguintes questões: 1.ª - A detenção pelo arguido A de uma pistola semi-automática de calibre 6,35 mm, transformada (originariamente, tratava-se de uma pistola de gás, de calibre 8 mm), consubstancia a prática de crime p. e p. pelo art. 6º da Lei n.º 22/97, de 27.06 - como considerou o tribunal colectivo de 1.ª instância - ou pelo art. 275º, n.º 1 do Código Penal, na redacção dada pela Lei n.º 98/2001, de 25.08 - como preconiza o recorrente? 2.ª - Os factos perpetrados pelos arguidos nas pessoas de C, D e E não se integram na previsão das als. a) e b) do n.º 3 do art. 154º do Código Penal, devendo cada um dos arguidos ser condenado, nesta parte, pela prática de três crimes de coacção grave, p. e p. pelas disposições conjugadas dos arts. 154º, n.º 1 e 155º, n.º 1, al. a), ambos do Código Penal? 3.ª - De todo o modo, o disposto no art. 154º, n.º 3 do Código Penal não se...

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