Acórdão nº 02P772 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 11 de Abril de 2002 (caso NULL)

Magistrado ResponsávelPEREIRA MADEIRA
Data da Resolução11 de Abril de 2002
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça 1. Mediante acusação pública, responderam perante o tribunal colectivo de Moimenta da Beira, A e B, devidamente identificados, tendo a final sido proferida a sentença em que, além do mais, se decidiu: 1. Condenar o arguido A, como autor material e na forma continuada, de um crime de violação agravada, p. e p. pelos 164.º n.º 1 e 177.º n.º 1 al. a) do C.Pen., na pena de 7 (sete) anos e 6 (seis) meses de prisão. 2. Condenar o arguido B, como autor material e na forma continuada, de um crime de abuso sexual de pessoa incapaz de resistência agravado, p. e p. pelos arts. 165.º n.º 2 e 177.º n.ºs 1, 3 e 6 do mesmo corpo de normas, na pena de 3 (três) anos e 6 (seis) meses de prisão. 3. Inibir o arguido A, do exercício do poder paternal relativamente à ofendida C, até que esta atinja a maioridade (art.º 179.º do C.Pen). Inconformados, os arguidos recorreram, sem êxito, à Relação do Porto que, por acórdão de 19/9/01, negou provimento ao recurso. Mais uma vez inconformados, recorreram a este Supremo Tribunal, formulando o seguinte leque conclusivo, integralmente transcrito: "1.ª Nos autos não foi correctamente apreciada a circunstância atenuante prevista no art.º 71.º n.º 2 al. d) do Código Penal e nem da mesma situação em que o crime se desenvolveu e foi praticado se tiraram as consequências legais, pelo que se violou tal normativo; 2.ª Tratando-se de um indivíduo com hábitos alcoólicos...trata-se de um bêbado e impunha-se que se tirassem de tal estado ou deficiência ou doença as necessárias ilações pelo que se violou a letra e espirito do art.º 86.º e ss. do Código Penal; 3.ª Havendo referência a deficiências ou estado de patologia psíquica ou mental impunha-se que se efectuassem exames complementares compatíveis para correcta avaliação da personalidade dos arguidos ou recorrentes, pelo que se violou a letra e espirito do art.º 120.º do Código Processo Penal; 4.ª Não foi dada relevância ao valor, hoje, tão em voga, da readaptação ou ressocialização do delinquente cfr. arts. 54.º e ss. do Código Penal; 5.ª Não foi correctamente apreciada as circunstâncias em que ocorreu o crime cometido pelo B, nem a sua idade e deficiente formação, não se interpretou e nem se aplicou, correctamente, a letra e espirito do DL 401/82 de 23.09; 6.ª Segundo o princípio da igualdade de todos os cidadãos perante alei deve ser aplicada a amnistia publicada em 29/99 de 12.06. TERMOS EM QUE: Devem as penas ser atenuadas e suspensas. Assim farão V. exas Justiça! Ao que respondeu o MP junto do tribunal recorrido, defendendo o julgado. "- Os recorrentes reproduzem quase «ipsis verbis» a motivação que apresentaram nesta Relação, argumentando do mesmo modo e repisando o mesmo tipo de argumentos. A verdade é que tais argumentos foram já objecto de análise por parte desta Relação e, a nosso ver, têm a resposta adequada no próprio Acórdão agora impugnado. Os recorrentes nem fizeram o mínimo esforço para contrariá-la, limitando-se a, cegamente, repetir o mesmo tipo de argumentação.

Por isso, não vamos perder muito tempo com esta resposta, porque é ocioso repetir argumentos e reafirmar o que já está afirmado.

2 - Dizem os recorrentes que não foi devidamente respeitado o disposto no art. 71.º n.º 2, alínea d) do CP, no tocante à determinação da medida da pena e que não se tiraram as devidas consequências legais das circunstâncias em que foram cometidos os crimes.

Como se disse, tal questão foi devidamente apreciada no douto Acórdão recorrido. Os recorrentes pretendem aludir ao quadro de miséria e ao ambiente de promiscuidade em que viviam, gerador de situações como a que os autos retratam. Mais dignos de compaixão do que de castigo, os actos praticados pelos recorrentes teriam de compreender-se à luz de uma situação revoltante e indigna de uma democracia que já tem 27 anos de existência.

Do ponto de vista político, sociológico e até moral, não temos dificuldade em alinhar com os recorrentes. Do ponto de vista ético - jurídico, como dissemos no nosso parecer de fls. 279, das duas, uma: ou tal quadro, que, de facto, se traduz numa condicionante objectiva do comportamento dos recorrentes, retirar-lhes-ia a possibilidade de entenderem o significado anti-juridico de acções da natureza das que praticaram e de se determinarem livremente de acordo com essa avaliação, ou, ao menos, a de, face às circunstâncias, poderem agir de outro modo, ou então, tal possibilidade não estava, de todo em todo, excluída.

No primeiro caso, teríamos uma situação de inimputabilidade ou de exclusão da culpa; no segundo, uma situação de plena ou diminuída responsabilidade ou culpa.

Ora, não existem factos provados para a primeira situação. Porém, em relação à segunda, há factos que nos levam apenas para uma situação de condicionamento objectivo da actuação dos recorrentes, mesmo do Camilo, mas sem nunca lhes retirarem a capacidade para se determinarem pelo lícito, conhecendo como conheciam o significado anti-jurídico dos seus actos e de poderem agir de outro modo.

Tal situação foi levada em conta pelo tribunal de 1.ª instância, como se salienta no douto Acórdão recorrido, e, por isso, a decisão de 1.ª instância só podia ser confirmada, como foi. Basta ver as penas aplicadas, não obstante a acentuada gravidade dos crimes cometidos: sete anos e seis meses, numa moldura penal com limite mínimo de quatro anos e máximo de treze anos e seis meses de prisão, no caso do recorrente A, e três anos e seis meses de prisão, numa moldura penal com limites de um mês e dez anos de prisão, relativamente ao recorrente B. Este último beneficiou mesmo de uma atenuação especial da pena, ao abrigo do disposto nos artigos 1.° e 4.° do DL 401/82, de 23/9 e 73°, n.º 1, alíneas a) e b) do CP, ao contrário do que proclama o recorrente B na motivação de recurso.

3 - Relativamente aos alegados hábitos alcoólicos do recorrente A, tal insólita questão foi cabalmente respondida no douto Acórdão sob recurso, sendo evidentíssimo que não ocorrem os pressupostos de aplicação do referido normativo. Além disso, a formulação desta questão entra em contradição com a pretensão do recorrente em ver diminuída a pena fixa que lhe foi aplicada. Na verdade, a aplicação dos artigos 86.° e 87.°, pressupondo uma reiteração criminosa do agente tido como alcoólico, prevê a aplicação de uma pena relativamente indeterminada, cujo limite mínimo corresponde a dois terços da pena de prisão que concretamente caberia ao crime cometido, mas cujo limite máximo pode ir até dois anos mais do que a pena que seria imposta.

4- Quanto à arguição da nulidade prevista no art. 120.° n.º 2, alínea d) do CPP, este Tribunal também já respondeu por forma incisiva no douto Acórdão recorrido, sem que os recorrentes tenham contrariado a interpretação aí explanada e com a qual concordamos.

5 - A questão sumariada na conclusão 4.ª da motivação diz respeito ao valor que deveria ter sido dado à prevenção especial, ou seja, ao elemento ressocializador na determinação da pena. Mas já vimos que os crimes praticados pelos recorrentes são objectivamente muito graves, tiveram a presidi-los uma forma de dolo intensa, não obstante as condicionantes objectivas de miséria e promiscuidade apontadas, e, do ponto de vista da ilicitude, assumiram um relevo que não é de mais encarecer .

Ora, sendo o elemento prevenção especial um elemento importante para a determinação concreta da pena, já foi ele levado em conta, como a lei impõe, nas penas concretamente fixadas. Descer abaixo dos limites fixados seria menosprezar a protecção dos bens jurídicos ofendidos, que é a primeira finalidade da aplicação das penas, ou, por outras palavras, a expectativa da comunidade na reafirmação dos valores fundamentais que foram lesados.

6 - A questão sumariada na conclusão 5.ª já foi anteriormente respondida e a pretensão formulada na conclusão 6.ª não tem o mínimo fundamento a apoiá-la na motivação, pelo que os recorrentes não cumprem o dever de fundamentação que também deve ser observado na impugnação das decisões a que se opõem. Certo é que os crimes dos autos estão excluídos do perdão (art.º 2.° n.º 2, alíneas c) e d) da Lei n.º 29/99, de 12/5.

7 - Improcedem, assim, todas as pretensões formuladas no recurso, pelo que o Acórdão desta Relação deve ser mantido, como é de Justiça. " As questões a resolver, emergentes das conclusões dos recorrentes são, em suma, estas: 1. A medida da pena imposta ao arguido A, além de não atentar no valor da ressocialização, "hoje tão...

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