Acórdão nº 02P983 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 29 de Janeiro de 2003 (caso NULL)

Magistrado ResponsávelARMANDO LEANDRO
Data da Resolução29 de Janeiro de 2003
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: I. Por douto acórdão do Tribunal Colectivo do Tribunal Judicial da comarca de Oliveira do Hospital, foram julgados procedentes a acusação formulada pelo Ministério Público contra o arguido A, casado, empresário da construção civil, nascido a 29/08/..., natural de Nogueira do Cravo - Oliveira do Hospital, filho de ... e de ..., residente na Rua de ... - Oliveira do Hospital, e ainda o pedido de indemnização civil deduzido contra este, ao abrigo do disposto nos arts. 71 e ss. do C.P.P., pelo Instituto de Solidariedade e de Segurança Social/Centro Distrital de Solidariedade e Segurança Social de Coimbra, decidindo-se a final: «...condenam o arguido A: a) - Por um crime de abuso de confiança, em relação à segurança social, na forma continuada, p. e p. pelos art. 24.º, n.º 1 e 27.º-B, do D. L. 20-A/90, de 15/01, na redacção que lhe foi dada pelo D. L. 394/93, de 24/11, "ex vi" D. L.140/95, de 14/06 e art. 30º, n.º 2 e 79.º, do C. Penal, na pena de 1 (um) ano de prisão. - Por um crime de fraude, em relação à segurança social, na forma continuada, p. e p. pelo art.º 23.º, n.ºs 1, 2, al. a) e b), 3, al. a) e e) e 4, art. 27.º-A, do D. L.20-A/90, de 15/01, na redacção que lhe foi dada pelo Dec. Lei 394/93, de 24/11, "ex vi" o D. L.140/95, de 14/06, e arts. 30º, n.º 2 e 79.º, do C. Penal, na pena de 1 (um) ano e 6 (seis) meses de prisão. Nos termos do art. 77.º, do Cód. Penal condena-se o arguido na pena única de 2 (dois) anos de prisão. b) Nos termos do art. 50.º do Cód. Penal e art. 11.º, n.ºs 7 e 8, do D. L. 20-A/ 90, de 15 de Janeiro, na redacção dada pelo D. L. 394/93, de 24 de Novembro, suspende-se a pena aplicada ao arguido, na sua execução, pelo período de 3 anos, na condição de pagar, no prazo de 2 anos, a indemnização ao Instituto de Solidariedade e Segurança Social/Centro Distrital de Solidariedade e Segurança Social de Coimbra, correspondente ao montante das contribuições em dívida, acrescidas de juros legais, conforme o peticionado nos autos de fls.996 a 999. c) Julgando integralmente procedente o pedido de indemnização cível, condeno o arguido a pagar ao Instituto de Solidariedade e de Segurança Social/Centro Distrital de Solidariedade e Segurança Social de Coimbra, a quantia de 29.549.748$00 (vinte e nove milhões, quinhentos e quarenta e nove mil, setecentos e quarenta e oito escudos), acrescida dos juros legais peticionados». O arguido recorreu desta decisão, formulando na douta motivação as seguintes conclusões: 1ª O ordenamento jurídico português é construído sobre pilares estruturantes, como sejam o respeito pela dignidade da pessoa humana e a igualdade entre os cidadãos. Num Estado de direito. 8ª Assim, a norma constante do nº 7 do artº 11º do DL 20-A/90, ao condicionar de forma automática a suspensão da execução da pena ao pagamento da totalidade dos montantes devidos, é materialmente inconstitucional por violação dos princípios do Estado de Direito Democrático, da dignidade da pessoa humana e da igualdade, consagrados nos artºs 1º, 2º, 13º, nºs 1 e 2º, e 18º, nº 3, in fine, da C.R.P . 9ª De igual modo, deveria o tribunal ter declarado tal inconstitucionalidade, não aplicando a referida norma e em seu lugar socorrer-se do disposto nos artºs 50º e ss. do Cód. Penal, pelo que o douto acórdão, ao aplicar tal normativo violou os referidos princípios e normativos constitucionais. 10ª No domínio das consequências jurídicas do crime, coloca-se o problema da determinação da pena, isto é, o procedimento pelo qual o juiz fixa, no caso concreto, a espécie e a medida da pena. 11ª O legislador deve oferecer directivas ao julgador, estabelecer critérios, normalmente por via exemplificativa, que lhe permitam aferir a concepção do Estado quanto às finalidades visadas com a aplicação das penas e mesmo quanto ao modo como tais finalidades se devem compatibilizar com o caso concreto. 12ª A actividade judicial da determinação da pena traduz-se na aplicação do direito ao caso concreto. É um processo individualizado, lançando mão de critérios gerais previamente definidos pelo legislador, critérios esses estabelecidos em termos suficientemente amplos, para uma justa solução do caso controvertido. 13ª Se o processo que leva à determinação da medida da pena exige a cooperação entre legislador e julgador, não é menos verdade, que para um e para outro existem domínios distintos de actuação. 14ª Nos artºs 202º, nºs 1 e 2, e 203 da C.R.P. consagrou-se o princípio da reserva judicial da função jurisdicional e da independência dos tribunais. 15ª Estes dois princípios constitucionalmente consagrados decorrem daquele outro princípio do Estado de Direito democrático (art. 2º da C.R.P.) que postula também a separação de poderes, salvaguardando possíveis ingerências (art. 111º, nº 1, da C.R.P.). 16º A aplicação de penas tem natureza jurisdicional seja a aplicação de penas principais, seja aplicação de penas de substituição. 17º O nº 7 do art. 11º do DL 20-A/90 estabelece como conditio sine qua non para aplicação da suspensão da pena concretamente determinada, o pagamento da totalidade dos montantes devidos. 18º O espaço estritamente reservado ao julgador e aos tribunais, enquanto órgãos de soberania, foi cerceado pelo legislador. Em boa verdade, o julgador não poderá de forma independente optar pela suspensão da execução da pena, sem que obrigatoriamente condene o arguido naquele pagamento. 19º O legislador de forma obrigatória e arbitrária impede que o tribunal possa livremente optar pela suspensão da execução da pena, sujeitando-o a outros deveres, que não o pagamento dos montantes em dívida, ou sujeitando-o ao pagamento de montante adequado à condição económica do arguido, às suas reais possibilidades. 20 Obedecendo àquele normativo, não poderá o julgador aferir se tal condição de pagamento se mostra excessivamente gravosa, atentas as circunstâncias do caso e a situação económica do arguido. 21º A função jurisdicional abrange a resolução concreta, visa decidir questões jurídicas relativas a casos concretos de acordo com as normas de direito existentes, sendo que tal função é atribuída, em exclusivo, aos tribunais, dotados de soberania e independência. 22º A norma contida no nº 7 do DL 20-A/90, ao cercear de forma intolerável a função jurisdicional, atribuída em exclusivo aos tribunais, viola os princípios constitucionais da reserva judicial da função jurisdicional, da independência dos tribunais e da separação de poderes, bem como o princípio do Estado de direito democrático, consagrados nos arts. 2º, 111º, nº1, 202º, nºs 1 e 2, e 203º da C.R.P 23ª Assim, deveria o tribunal ter declarado tal inconstitucionalidade, não aplicando a referida norma e em seu lugar socorrer-se do disposto nos artºs 50º e ss. do Cód. Penal, pelo que o douto acórdão, ao aplicar tal normativo, violou os referidos princípios e preceitos constitucionais Termos em que: Na procedência do recurso, devem os nºs 6º e 7º do artigo 11º do Decreto Lei 20-A/90, na redacção dada pelo D/L394193, de 24 de Novembro, serem declarados materialmente inconstitucionais e, em consequência, revogar-se o douto acórdão recorrido, eliminando-se a condição imposta para a suspensão da pena em que o arguido foi condenado.» Na sua douta resposta o Exmo. Magistrado do Ministério Público junto do Tribunal recorrido defendeu a improcedência do recurso, concluindo: 1. O artigo 11.º, n.º 7, do DL n.º 20-A/90, de 15 de Janeiro, tal como o artigo 14.º da Lei n.º 15/2001, de 5 de Junho, é uma norma aplicável a todos e a qualquer caso de infracções criminais tributárias. 2. Para além da competência de declarar (ou não) a execução da pena privativa de liberdade constituir reserva dos Tribunais, a revogação dessa suspensão, por eventual incumprimento do dever de pagamento fixado, não impõe, automaticamente, a revogação dessa suspensão, antes se seguindo nova intervenção judicial, visando o disposto nos alíneas b), c) e d) do agora renumerado artigo 55.º, do Código Penal. 3. Muito embora possa constituir-se normativo eventualmente restringente de direitos de todo e qualquer agente de algumas das apontadas infracções criminais (em comparação com o tratamento legislativo dado a outros agentes de infracções aparentemente idênticas e puníveis pelo Código Penal), a restrição adveniente desse n.º 7 do artigo 11.º citado é não apenas um dos casos previstos na Constituição, como se limita a salvaguardar outros direitos ou interesses, também constitucionalmente garantidos e que ao Estado se impõe promover e prosseguir . 4. Pelo que tal preceito não atenta quanto ao princípio da necessidade das sanções penais (artigo 18.º, n.º 2, da Constituição da República) e não ofende o princípio constitucional da igualdade e, por isso também, não viola os princípios do Estado de Direito Democrático e da Dignidade da Pessoa Humana. 5. Tratando-se de uma norma legal, que, para além de geral e abstracta, não afecta essencialmente o valor e a garantia constitucionais ínsitos nos artigos 111º, 202º e 203º, da Lei Fundamental (artigo 18º, n.º3, da CRP), o n.º 7 do referido artigo 11º não atenta intoleravelmente contra os princípios constitucionais da Separação de Poderes, da Reserva da Função Jurisdicional e da Independência dos Tribunais. 6. Esteve bem, o Tribunal, quando, aplicando também o disposto naquele artigo 11º n.º 7 - por inexistir violação da Lei Fundamental- condenou o arguido recorrente. Subidos os autos ao S.T.J., o Exmo. Procurador-Geral-Adjunto, na sua douta promoção quando da vista nos termos do art. 416º do C.P.P., pronunciou-se no sentido de nada obstar ao conhecimento do recurso. Igual entendimento foi expresso no despacho preliminar. Após vistos, teve lugar audiência, cumprindo agora apreciar e decidir. II. Do acórdão consta a seguinte matéria de facto: A) Factos provados: 1 - O arguido foi empresário em nome individual com o número 801 349 184, com domicílio profissional em Nogueira do Cravo, área desta comarca, tendo como objecto empresarial todo...

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