Acórdão nº 02S568 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 30 de Abril de 2003 (caso NULL)

Magistrado ResponsávelVÍTOR MESQUITA
Data da Resolução30 de Abril de 2003
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça: I. Relatório "A" (divorciada, residente na Rua ..., Casal do Malta, Marinha Grande) intentou, em 06.09.00, no Tribunal do Trabalho de Leiria, acção declarativa condenatória, sob a forma comum, emergente de contrato individual de trabalho, contra "B- Vidros, S.A." (com sede na Rua ..., Comeira, Marinha Grande), pedindo: a) Que se declare a nulidade do processo disciplinar contra si instaurado; b) Que seja declarado ilícito o seu despedimento, promovido pela ré e, em consequência: c) A condenação da ré a reintegrar a autora no seu posto de trabalho, com a categoria e antiguidade que lhe pertenciam, bem como a pagar-lhe a indemnização de antiguidade de 428.250$00, se por ela optar até à sentença, e as retribuições que se venceram desde 06.08.00 até à sentença. Mais requereu a concessão do benefício do apoio judiciário, na modalidade de dispensa de taxa de justiça e custas. Alegou, para o efeito, e em síntese, que por sentença judicial de 06.05.99 foi declarado que a autora era trabalhadora da ré, a qual foi condenada a reintegrar aquela no seu posto de trabalho, sem prejuízo da sua categoria e antiguidade. Interposto pela ré recurso de tal decisão, em 28.05.99, ao qual foi atribuído efeito devolutivo, por acórdão de 04.05.00, do Tribunal da Relação de Coimbra, foi mantida a decisão impugnada na parte em que declarou a autora trabalhadora da ré, revogando, todavia, a decisão na parte restante. O acórdão transitou em julgado em 11.05.00. Em 18.05.00 apresentou-se na fábrica da ré e declarou a intenção de trabalhar, o que não foi autorizado por esta, a qual lhe instaurou um processo disciplinar - com fundamento em a autora ter dado mais de 5 faltas injustificadas -, com posterior decisão de despedimento com justa causa. Porém, o processo disciplinar é nulo por não conter qualquer fundamentação, além de que o despedimento é ilícito porquanto não deu as faltas que lhe são imputadas, uma vez que a ré sempre se recusou a aceitar o seu trabalho. Após aperfeiçoamento da petição inicial, procedeu-se à audiência de partes e, não se tendo logrado obter o acordo destas, foi de imediato a ré notificada para contestar a acção, e designada data para julgamento. Contestou a ré, alegando que com a fixação do efeito devolutivo atribuído ao recurso por si interposto em 28.05.99, para o Tribunal da Relação de Coimbra, a autora constitui-se na obrigação de se apresentar ao serviço nas instalações da ré a partir de 27.01.98 (dia seguinte ao da recepção da nota de culpa que recebeu da "C, Lda.", em que lhe era comunicado que ficava suspensa a partir dessa data), não aguardando o trânsito em julgado do acórdão: e, não o tendo feito, constitui-se na situação de faltas injustificadas desde essa data (27.01.98). Conclui, por isso, pela improcedência da acção, por existir justa causa de despedimento. Os autos prosseguiram os seus termos, tendo-se procedido a julgamento, e em 22.01.01 foi proferida sentença que julgou a acção procedente e, em consequência, declarando ilícito, por inexistência de justa causa, o despedimento promovido pela ré, condenou a mesma a reintegrar a autora no posto de trabalho com a categoria e antiguidade que lhe pertenciam e ainda a pagar à autora a quantia de 955.496$00, correspondente às retribuições respeitantes ao período de 06.08.00 até à sentença. Inconformada, a ré recorreu para o Tribunal da Relação de Coimbra, que, por douto acórdão de 04.10.01 negou provimento ao recurso. Novamente inconformada, a ré veio recorrer de revista, formulando nas suas alegações as seguintes conclusões: 1. A decisão em crise entende que o efeito devolutivo de um recurso não se traduz num dever imperioso, para a parte que beneficia da decisão recorrida, de proceder à sua execução, tratando-se antes de uma mera faculdade que lhe assiste. 2. Ora, a parte que beneficia de uma decisão judicial, sujeita a recurso com efeito devolutivo, tem a faculdade de proceder à respectiva execução, assim como a parte que tenha a seu favor uma decisão judicial já transitada em julgado, só a poderá tornar efectiva, em caso de oposição da contra parte, se tomar a iniciativa de proceder à sua execução. 3. Ambas as decisões, nos dois diferentes estádios, tem a virtualidade, em caso de recusa pela parte vencida, de serem impostas coercivamente, para tal a parte vencedora tem a faculdade de requerer tal execução, pelo que a alusão à faculdade da iniciativa pela parte vencedora não conterá, certamente, a virtualidade que a Decisão em crise pretende. 4. Um recurso, com efeito devolutivo, de uma decisão condenatória de reintegração tem características muito específicas e que diferem substancialmente de, por exemplo, um recurso, com o mesmo efeito, de uma decisão de condenação no pagamento de uma determinada quantia. 5. A execução de uma relação laboral - consequência jurídica da decisão de reintegração - pressupõe, do lado do trabalhador, a prestação de trabalho e, do lado do empregador, o recebimento dessa prestação e o pagamento do respectivo salário. 6. Ora, enquanto que o pagamento do salário pode sempre ser feito posteriormente ao momento em que se venha a entender que era devido, já o mesmo não sucede com a prestação de trabalho, pois, como é óbvio, o mesmo não pode ser prestado retroactivamente. 7. Esta "desigualdade" de situações, que decorre do sistema legal português - pagamento de salários intercalares -, levará a um dever acrescido, por parte do trabalhador que optou pela reintegração e que viu acolhida a sua pretensão na primeira instância tendo esta sido sujeita a recurso com efeito devolutivo, de se apresentar no posto de trabalho. 8. A interposição de recurso, pela entidade empregadora, de uma decisão condenatória de reintegração, desacompanhado do pedido de efeito suspensivo (e que estava ao seu alcance...), na economia dos interesses processuais e substantivos em jogo, o que poderá significar, é, tão só, que a recorrente, não se conformando com a decisão em crise, na avaliação que fez do decurso do período de tempo intercalar, preferiu que o trabalhador executasse a sua prestação. 9. Assim, em consonância com a (1) vontade ínsita ao pedido de reintegração, (2) a sua procedência através de decisão da primeira instância e o (3) facto de o recurso desta decisão não ter efeito suspensivo, sempre a A teria o dever de se apresentar ao serviço, sob a pena de se colocar numa clara situação de venire contra factum proprium. 10. Ao não tê-lo feito a partir da data da notificação da decisão que declarou procedente a sua reintegração entrou, pelo menos desde essa data, numa situação de faltas injustificadas, que, pelo seu número e circunstâncias, constituirão justa causa de despedimento. 11. O entendimento sufragado pelo Acórdão em crise, ao não distinguir, em termos de efeitos práticos - que são os que revelam nas relações entre os sujeitos de direito -, as consequências de uma decisão judicial, consoante esteja sujeita a um recurso com efeito devolutivo ou com efeito suspensivo, acaba por questionar a própria autoridade das decisões judiciais numa fase interlocutória, é certo, mas nem por isso menos merecedora de tutela. 12. O acórdão em crise violou, assim, o artº. 83º do CPT, bem como o artº. 9º, nºs. 1 e 2, al. g), do Dec. Lei 64-A/89, de 27 de Fevereiro. Contra-alegou a recorrida, pugnando pela improcedência do recurso. Por despacho de 04.03.02, o Exmo. Relator do processo decidiu que o recurso não era legalmente admissível e, consequentemente, não se conhecia do seu objecto. De tal despacho deduziu a ré reclamação, ao abrigo do disposto no artº. 688º, nº. 1, do CPC, dirigida ao Exmo. Conselheiro Presidente do STJ, que não tomou conhecimento da mesma, determinando que os autos fossem novamente apresentados ao Exmo. Conselheiro Relator para, se assim o entendesse, converter a reclamação para o Presidente do STJ em reclamação para a conferência. Apresentados os autos a conferência, veio esta a decidir julgar procedente a reclamação da ré e, por essa via, admitir o recurso de revista por ela interposto. O Exmo. Procurador-Geral Adjunto emitiu douto parecer no sentido de não ser concedida revista. Notificado o mesmo às partes, respondeu a recorrente, procurando contrariar o constante do douto parecer e reafirmando, basicamente, o sustentado em anteriores alegações. II. Enquadramento fáctico É a seguinte a matéria de facto dada por assente nas instâncias, que este STJ aceita, por não se vislumbrar fundamento legal para a sua alteração: 1. A autora é sócia nº. 3479 do Sindicato dos Trabalhadores da Indústria Vidreira. 2. Este faz parte da Federação dos Sindicatos das Indústrias de Cerâmica, Cimento e Vidro de Portugal. 3. A ré está filiada na Associação dos Industriais de Vidro de Embalagem. 4. A ré explora uma fábrica de vidro, do sector da embalagem, com sede em Rua ..., Comeira, Marinha Grande. 5. A autora foi contratada em 02/01/1998 pela empresa "C, Lda." para trabalhar na fábrica da ré, "B- Vidros, S.A.". 6. A autora iniciou esse trabalho em 02/01/1998. 7. A autora auferia mensalmente as seguintes quantias: de remuneração base...

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