Acórdão nº 03B4296 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 26 de Fevereiro de 2004 (caso NULL)

Magistrado ResponsávelNEVES RIBEIRO
Data da Resolução26 de Fevereiro de 2004
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça I Razão da revista1. "A" e marido, B, instauraram embargos de terceiro, por apenso aos autos de execução movidos por C e mulher, contra "D", alegando, em resumo, que, por contrato de 10/12/83, haviam prometido comprar à executada o 1º andar esquerdo de um prédio, sito na Rua Pêro de Alenquer, em Monte Gordo, que lhes foi entregue em 15/12/83, passando a habitá-lo; e, desde então, usando-o e fruindo-o, sem que a executada marcasse a respectiva escritura apesar das suas insistências; e agora souberam que o prédio fora penhorado pelos embargados, o que ofende a sua posse. 2. Os embargos foram contestados pela embargada, E e seus filhos, entretanto habilitados por falecimento do exequente, C por, em síntese - disseram - ignorarem a veracidade do alegado, que apenas conferiria aos embargantes o direito de retenção mas não, o de se oporem à penhora, frustrando a venda executiva. 3. A sentença julgou os embargos improcedentes. E os autores apelaram, tendo a Relação de Évora confirmado a decisão de improcedência. Daí a revista.II Objecto da revistaAs conclusões da revista delimitam o objecto do seu conhecimento. E são como seguem, reproduzidas de forma integral, para que dúvidas sobre este aspecto não sejam suscitadas, sobre alguma eventual omissão relevante de conhecimento. Assim: a) Os recorrentes prometeram comprar o prédio objecto dos autos (deve esclarecer-se que há lapso, pois o que se pretende dizer é a fracção prometida vender aos embargantes), com tradição do mesmo, ocorrida em 1983, ou na 2ª metade da década de 80; b) O referido prédio viria a ser penhorado em 1993, com registo da penhora em 1994; c) Em 1999, o prédio foi definitivamente transmitido aos recorrentes, por execução específica de concretização do contrato promessa, celebrado em 1982; (as datas não são rigorosamente precisadas). d) Com base no direito de retenção que lhes assistia, os recorrentes instauraram os presentes embargos de terceiro, que foram liminarmente recebidos, assegurando assim o seu prosseguimento; e) Foi proferido despacho saneador que julgou legítimas as partes e declarou a inexistência de excepções; f) Notificadas as partes, esse despacho não foi impugnado, transitando em julgado, considerando-se definitivamente julgada a questão de admissibilidade dos embargos; g) O acórdão recorrido, confirmando a sentença da 1ª Instância, vem de novo, apreciar a admissibilidade dos embargos, julgando-os improcedentes, por inadmissíveis, em violação do disposto no art.º 510° e 206° ambos do C. P. Civil, na redacção anterior à reforma de 1995; h) À data da penhora, os embargantes, e aqui recorrentes, eram titulares do direito de retenção sobre o dito prédio; i) Esse direito permitia-lhes a defesa da posse, ao abrigo do disposto no artigo 755°, nº1, f), do C. Civil, devendo, por isso, ser admitidos os embargos de terceiro; j) A aquisição do direito de propriedade do prédio, inicialmente titulada pelo contrato promessa de compra e venda, veio a concretizar-se com a execução específica desse contrato. k) Os recorrentes são efectivamente os proprietários do dito prédio, que está na sua posse, desde 1984 (deve querer dizer-se: 1983), até à presente data; l) A improcedência dos embargos irá permitir que o Estado promova a venda em execução, de um prédio que não pertence à executada, com violação do direito de propriedade dos recorrentes, que não têm nenhuma relação com as dívidas da executada. m) O acórdão recorrido viola, entre outras, as disposições dos artigos 755°, 1305° e seguintes do C. Civil, os artigos 1037°, 510° e 206° do C. P. Civil, e ainda o artigo 60° da CRP, pelo que deverá ser revogado e substituído por outro que julgue os embargos procedentes.III Matéria de facto Parece-nos relevante de proficiência do conhecimento da matéria, realinhá-la, de forma compreensiva, do modo cuja descrição se segue: 1- Por escritos datados de 10/12/82, e 10/12/83, os embargantes declararam prometer comprar a Rosa & Rosa, Lda,- a executada - que declarou prometer vender, a fracção urbana, integrante de um prédio sito na Rua Pêro de Alenquer, em Monte Gordo, descrito na Conservatória de Vila Real de Santo António, com o n.º 800/930326. 2 - Durante a segunda metade da década de 80, e por causa do prometido, D, Lda, procedeu à entrega "da chave" da referida fracção aos embargantes, tendo recebido, entretanto, uma parte do preço (porventura a totalidade - a prova não esclarece bem). 3- Desde essa altura, estes, ali colocaram mobílias e usaram a dita fracção - um primeiro andar, lado esquerdo do prédio, sem que se fizesse a escritura, por razão que não está bem clarificada, neste processo. 4- Ora, sucedeu que, em 24 de Outubro de 1993, foi lavrado termo de penhora deste prédio, um imóvel já edificado, que integra o aludido 1° andar esquerdo, destinado a habitação, com uma divisão assoalhada, cozinha, casa de banho, vestíbulo e varanda, que apresenta uma área total de 41, 70m2. 5- Penhora que foi inscrita na Conservatória do Registo Predial de Vila Real de Santo António, em 14 de Janeiro de 1994, e se destinava assegurar o pagamento de dividas da executada aos exequentes. 6- Os recorrentes, já depois de findarem os articulados, mesmo o prazo para os supervenientes, vieram juntar ao processo, em 14 de Janeiro de 2002 (fls.88), certidão de uma sentença, proferida em 9-03-99, pelo Tribunal Judicial de Vila Real de Santo António, que transitou em julgado, onde se declarava transmitido o direito de propriedade sobre a fracção em causa para a titularidade dos embargantes/recorrentes. 7. Não há qualquer indicação relevante de data de registo da acção, donde emergiu esta sentença, nem mesmo, se esta sentença, depois, foi alguma vez registada na Conservatória local.IV Questões a resolver e direito aplicávelÀ parte o aspecto do valor processual da decisão preliminar de admissibilidade dos embargos [conclusões: a) a g)] de que falaremos a final, a questão essencial a resolver neste recurso, consiste em saber: a) Se o direito real de garantia que a retenção traduz - causa de pedir, no pedido dos embargos - confere ao retentor (o credor da obrigação - aqui os recorrentes) o correspondente direito real de posse, como está definido pelo artigo 1251º do Código Civil, que seja hábil para embargar a penhora do objecto mediato da obrigação garantida - a fracção abrangida pela penhora; e, b) Se a junção, posterior à fase dos articulados, da sentença transitada, que dá corpo à execução específica (posterior ao registo da penhora) transferindo a propriedade da fracção para os recorrentes, ainda pode legitimar, se houver resposta negativa à questão anterior, os embargos por estes formulados, obstando à venda executiva da coisa que lhes fora prometida vender pela executada. 1. Trabalhemos a primeira questão, começando por transcrever alguns passos relevantes, do n.º 4 do preâmbulo do Decreto-Lei n.º 379/86, de 11 de Novembro de 1986, que alterou a redacção do artigo 755º, do Código Civil - transcrição que, pese embora a sua extensão, ajuda à compreensão do porquê da determinação legislativa ao conceder o direito de retenção ao beneficiário da promessa, que obteve a tradição da coisa prometida e pagou todo ou parte do preço. O legislador de 1980, para o caso de antecipação da coisa objecto do contrato definitivo, concedeu ao beneficiário da promessa o direito de retenção sobre a mesma, pelo crédito resultante do não cumprimento (artigo 443º-3). Pensou-se directamente no contrato promessa de compra e venda de edifícios ou fracções autónomas deles...» «Será uma garantia oportuna do contrato promessa e, por isso, de conservar? A análise da questão conduziu a uma resposta afirmativa». «Tem de reconhecer-se que, na maioria dos casos, a entrega da coisa ao adquirente apenas se verifica com o contrato definitivo. E quando se produza antes, não há dúvida que se cria legitimamente, ao beneficiário da promessa, uma confiança mais forte na estabilidade ou concretização do negócio. A boa fé sugere, portanto, que lhe corresponda um acréscimo de segurança». «O problema só levanta particulares motivos de reflexão precisamente em face da realidade que levou a conceder essa garantia: a da promessa de venda do edifício ou de fracções autónomas destes, sobretudo destinadas a habitação, por empresas construtoras, que, por via de regra recorrem a empréstimos, maxime, perante instituições de crédito. Ora, o direito de retenção prevalece sobre a hipoteca, ainda que anteriormente registada (artigo 759º-2). Logo, não faltarão situações em que a preferência dos beneficiários da promessa prejudique o reembolso de tais empréstimos». «Neste conflito de interesses, afigura-se razoável atribuir prioridade à tutela dos particulares. Vem na lógica de defesa do consumidor. Não que se desconheçam ou se esqueçam a protecção devida aos legítimos direitos das instituições de crédito e o estímulo que merecem como elementos de enorme importância na dinamização da actividade económico - financeira. Porém, no caso, estas instituições, como profissionais, podem precaver-se, por exemplo, através de critérios ponderados de selectividade do crédito, mais facilmente de que o comum dos particulares a respeito das deficiências e da solvência das empresas construtoras. Persiste, em suma, o direito de retenção, que funciona desde 1980. No entanto, corrigem-se inadvertências terminológicas e desloca-se essa norma para lugar mais adequado, incluindo-a entre os restantes casos de direito de retenção [artigo 755º, n.º 1, alínea, f)].» 2.Este preceito, cujo suporte explicativo antecede, dispõe o seguinte: «Gozam de direito de retenção:... f) O beneficiário da promessa de transmissão ou constituição de direito real que obteve a tradição da coisa a que refere o contrato prometido, sobre essa coisa, por crédito resultante do não cumprimento imputável à outra parte, nos termos do artigo 442º». Parece não haver dúvida de que estamos perante um direito real de garantia, no quadro geral...

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