Acórdão nº 03P158 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 13 de Fevereiro de 2003 (caso NULL)

Magistrado ResponsávelCARMONA DA MOTA
Data da Resolução13 de Fevereiro de 2003
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: Arguido/recorrente: "A" (1) 1. OS FACTOS (2) Os arguidos B, A, C, D e E dedicavam-se, de comum acordo, à venda de estupefacientes desde Abril de 2001. Através da venda de tais produtos angariavam lucros que constituíam as suas principais fontes de rendimento. Exerciam essa actividade na Azinhaga Vale Fundão, em Chelas, Lisboa, nas imediações de um estabelecimento denominado "O ...". Os arguidos utilizaram também as suas residências para armazenar, adulterar e preparar os produtos estupefacientes. De acordo com o estratagema delineado entre todos, competia aos arguidos B e A a angariação de tais produtos e, depois, a sua subdivisão e entrega ao arguido C, que estava encarregue de os distribuir para venda pelos arguidos D e E. No dia 27/06/2001, pelas 8:00, a PSP deslocou-se às residências a seguir indicadas para cumprimento, em simultâneo, de mandados de busca. Na residência sita na Rua ..., em Lisboa, encontravam-se os arguidos B e A, que procediam à mistura, corte e embalamento de doses de estupefaciente e tinham consigo 17 embalagens de heroína, com o peso de 95,4 g; 2 pedaços de cannabis, com o peso de 19,869 g; uma balança; quatro lâminas com vestígios de heroína e cocaína; 2 espelhos, um copo, uma tesoura, uma colher de sopa, um x-ato, uma caixa em plástico, um saco de plástico e um calendário com vestígios de heroína. O arguido A tinha ainda com ele um telemóvel (...), uma pulseira em ouro, malha 3+1, no valor de 60.000$, uma pulseira de friso no valor de 70.000$, um fio no valor de 25.000$, um anel chuveiro com zircões no valor de 25.000$, um anel chuveiro com zircões no valor de 15.000$, um par de argolas, no valor de 1.500$, uma medalha no valor de 800$. E, em sua casa (3), sita na Rua ..., em Chelas - Lisboa, tinha um cofre em metal com 200.000$, uma soqueira em ferro (...) (4), dois maços de tabaco, contendo vários pedaços de cannabis, com o peso líquido de 6,482 g; uma caixa em metal com um jogo de punções; um fio em ouro de malha barbela, no valor de 18.000$, um anel em ouro com pedra azul no valor de 18.000$, um anel em ouro de criança, com pedra vermelha, no valor de 1.000$; um isqueiro Dupont, em ouro, no valor de 40.000$, uma aliança em ouro, partida, no valor de 1.500$, uma aliança fina em ouro no valor de 600$, uma aliança em ouro, partida, no valor de 1.400$, uma aliança em ouro no valor de 1.000$, uma aliança em ouro no valor de 800$, uma aliança em ouro no valor de 1.000$, uma argola em ouro no valor de 3.000$, uma argola em ouro partida no valor de 1.800$, uma argola em ouro no valor de 800$, uma argola em ouro no valor de 600$, um brinco em ouro, no valor de 1.000$, um brinco em ouro no valor de 2.000$, um brinco trevo em ouro no valor de 1.000$, uma argola em ouro, no valor de 1.500$, um par de brincos em ouro com ónix, no valor de 1.200$, uma pulseira de fio de ouro, no valor de 1.200$, uma pulseira com chapa em ouro no valor de 3.000$, uma cara de Cristo em ouro, no valor de 10.000$ e uma medalha de esmalte no valor de 1.000$. E, ainda, três talões de depósito a prazo (1.000.000$, 850.000$ e 1.600.000$) (5), 2.620$ em moedas; a quantia de 128.785$ em notas e moedas; um motociclo "Honda", com a matrícula JH; uma pistola de salva de calibre 8 mm, adaptada de forma artesanal para calibre 6,35 mm. Os arguidos conheciam a natureza e características estupefacientes das substâncias acima indicadas e destinavam-nas à cedência a número não concretamente apurado de consumidores, mas nunca inferior a 300 pessoas, mediante contrapartidas monetárias que repartiam entre si. As quantias monetárias e objectos apreendidos haviam sido obtidos na transacção de heroína, cocaína e cannabis, ou adquiridos com proventos daí resultantes, servindo-se os arguidos de sacos plásticos para acondicionarem, em pequenas doses, os produtos que transaccionavam. Sabiam que a detenção e comercialização de heroína, cocaína e cannabis lhes eram proibidas. Os arguidos A e B conheciam igualmente as características da pistola e munições que detinham, sabendo que essa detenção não era permitida. Agiram livre e conscientemente determinados em comunhão de esforços e vontades, sabendo que as suas condutas eram contrárias à lei. Os arguidos B, A e E negaram a prática dos factos. Os arguidos têm antecedentes criminais (6). O arguido A trabalhava como carpinteiro auferindo entre 200.000$ a 300.000$ mensais. Os arguidos eram consumidores de produtos estupefacientes. 2. A CONDENAÇÃO Com base nestes factos, a 4.ª Vara Criminal de Lisboa (7), em 07Mai02, condenou A, como co-autor material de um crime de tráfico agravado de estupefacientes, na pena de seis anos e seis meses de prisão e, como autor de crime de detenção de arma proibida (8) p. e p. pelos art. 275º, n.º 3, do Código Penal, na pena de 40 (quarenta) dias de multa, à taxa diária de 2 (dois) euros: Na determinação da medida da pena há que atender ao grau de culpa, exigências de provação e reprovação de acordo com os critérios estatuídos no art. 72º do C.P., bem como as circunstâncias atenuantes e agravantes exteriores ao tipo. No crime de tráfico de estupefacientes há que ponderar os seguintes factores: 1- tipo de estupefaciente traficado; 2- quantidade de estupefaciente traficado; 3- acto de tráfico praticado; 4- grau de participação de cada um do arguidos; 5- antecedentes criminais. Os primeiros três elementos definem uma ilicitude bastante elevada dado que estamos perante drogas muito nocivas para a saúde humana (no caso da heroína e cocaína) pelo grau de dependência a que sujeitam os seus consumidores. As quantidades também são grandes não se ignorando aqui aquela que já haviam sido objecto de transacção. O terceiro elemento aponta de igual modo para uma ilicitude elevada já que a missão dos arguidos se concretiza não só na detenção como também na venda dos referidos produtos, finalidade principal do crime de tráfico. De realçar nesta sede o facto de ao arguido A ter sido apreendida uma quantidade considerável de cocaína e heroína. Pelo grau de participação também faz diferenciar a ilicitude relativamente a cada um dos arguidos já que se denota pelos relatos de vigilância e até pelos objectos apreendidos que os dois primeiros arguidos desempenharam um papel muito mais activo na descrita actividade funcionando os outros três como os seus vendedores, tal resulta de igual modo das quantias e dinheiro apreendidas a cada um deles. Os antecedentes criminais não beneficiam os arguidos (9). 3. O RECURSO PARA A RELAÇÃO 3.1. Inconformado, o arguido recorreu em 20Mai02 à Relação de Lisboa, pedindo a anulação do julgamento ou a redução da pena ao «mínimo legalmente admissível no caso»: O art. 127º do CPP padece de inconstitucionalidade material por violação do princípio constante do art. 32º n.º 1 da Constituição da República quando interpretado (como o foi no caso dos autos), no sentido de o tribunal colectivo poder dar como provados factos delituosos a que ninguém assistiu ou referiu ter assistido e sequer discutidos ou ventilados na audiência de julgamento. Os factos delituosos imputados ao recorrente são meros conceitos ou conjecturas e não têm qualquer alicerce testemunhal ou documental na prova produzida, pelo que a sentença recorrida padece do vício a que alude o art. 410.º n.º 2 alínea a) do CPP, devendo os autos serem remetidos para novo julgamento. Sem conceder, não tendo ficado demonstrado na audiência que os bens (dele, recorrente e de seus pais) e o dinheiro apreendidos (parte dele do arguido e outra de seus pais), eram de proveniência ilícita, deveria o acórdão recorrido ter ordenado a sua entrega ao arguido e a seus pais como determina o art. 178.º n.º 1, do Código de Processo Penal («Dos meios de obtenção da prova. Das apreensões»). Na fundamentação do acórdão, refere-se que o produto estupefaciente apreendido se destinava à cedência a pelo menos 300 pessoas. Mais, na parte decisória, diz-se que "o produto estupefaciente vendido foi distribuído por um grande número de pessoas, nunca inferior a 300". As duas afirmações não podem ser complementares, antes sendo contraditórias entre si, pois uma diz que os arguidos venderam e a outra que iriam ceder no futuro mediante contrapartida monetária. Deste modo, foi cometida a nulidade a que se refere o art. 379º alíneas b) e c) do CPP (condenação por factos diversos dos descritos na acusação). Sem conceder quanto à inocência do arguido, aqui recorrente, sempre se dirá que a punição dada ao recorrente, se mostra, com o devido respeito, exagerada, porque imerecida. Mesmo admitindo eventual participação criminosa do arguido, a medida da pena (afastada que se encontra a hipótese de tráfico qualificado, por força do que se já alegou quanto à não demonstração da agravativa), deveria reduzir-se a dois anos de prisão suspensa na sua execução, nos termos do estatuído no art. 50º do CP, dado o conteúdo do relatório social e nomeadamente de o acórdão haver considerado provado trabalhar o arguido como carpinteiro, no que auferia uma quantia situada entre os 200 e os 300 mil escudos mensais. Ao condenar o recorrente, o tribunal colectivo violou o princípio in dubio pro reo, uma vez que os elementos de prova trazidos a audiência não eram suficientes para a condenação. Sem conceder, a pena aplicada é severa, além de imerecida .A pena a aplicar deveria ser a do seu mínimo legal, com pena ainda assim especialmente atenuada (arts. 72º e 73º do CP). 3.2. E a Relação de Lisboa (10), na parcial procedência do recurso, alterou, em 22Out02, «a qualificação jurídica do crime cometido para o crime de tráfico de estupefacientes p. p. art. 21º.1 do Decreto-Lei 15/93, mantendo no mais a decisão recorrida»: No campo da apreciação das provas, é livre a forma como o tribunal atinge a sua convicção. Trata-se do princípio que vigora no nosso sistema processual penal, o princípio da livre apreciação da prova ou da livre convicção, consagrado no art. 127º do C.P.P., de acordo com o qual e, ressalvados os...

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