Acórdão nº 03P2287 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 09 de Outubro de 2003 (caso NULL)

Magistrado ResponsávelRODRIGUES DA COSTA
Data da Resolução09 de Outubro de 2003
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça I- RELATÓRIO 1 - No Tribunal da Relação de Coimbra foi julgado em processo comum o arguido, aqui recorrente, A, Procurador-Adjunto, hoje jubilado, melhor identificado nos autos, tendo-lhe sido imputados pelo Ministério Público, em autoria material, os seguintes ilícitos criminais: Um crime de abuso de poder, p. e p. pelo art. 382.º do CP; Um crime de denúncia caluniosa, p. e p. pelo art. 365.º, n.º 1 do mesmo Código; Um crime de prevaricação, p. e p. pelo art. 369.º n.º 4 do mesmo diploma legal, pelos factos constantes do despacho de pronúncia de fls. 286 a 292. Foram-lhe ainda imputados três crimes de prevaricação, ps. e ps. pelo art. 369.º n.º 4 do CP pela factualidade constante da acusação de fls. 274 e ss. do apenso ao 2º volume. Efectuado o julgamento, o recorrente veio a ser condenado nos seguintes termos: Como autor do citado crime de abuso de poder na pena de 80 (oitenta) dias de multa à taxa diária de 20 (vinte) Euros; Como autor de um crime de denúncia caluniosa p. e p. no art.° 365.° n.1, na pena de 60 (sessenta) dias de multa à mesma taxa; Como autor dos apontados crimes de prevaricação, na pena de 8 (oito) meses de prisão por cada um destes três crimes, correspondentes aos ofendidos que estiveram detidos por mais tempo; e em 7 (sete) meses de prisão relativamente ao ofendido B, que, em relação aos restantes esteve detido menos tempo. Em cúmulo jurídico, operado nos termos do art. 77.º do CP, considerando o conjunto dos factos e a personalidade do recorrente, veio este a ser condenado na pena única de 2 (dois) anos de prisão e cento e trinta dias de multa à mesma taxa ou seja na multa de 2.600 € (dois mil e seiscentos Euros). Atentas a personalidade do recorrente, as circunstâncias psicológicas que intervieram na prática dos crimes, o facto de aquele se encontrar fora do serviço, e ser primário, foi considerado que a simples censura do facto e a ameaça da pena de prisão realizariam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, pelo que lhe foi suspensa aquela pena de prisão pelo período de 2 (dois) anos, nos termos do art. 50.º n.º 1 do CP. 2 - Discordando da decisão, o arguido interpôs recurso para este Supremo, enunciando, entre outras, as seguintes conclusões: 1: O recorrente começará por enfatizar que, a seu ver, mantém plena acuidade o conhecimento dos recursos interlocutórios por ele interpostos e recebidos a subir com aquele que viesse a ser interposto da decisão final- os de folhas 601 a 620 e de fs. 628 a 659- pelo que deverão julgá-los, até por os mesmos, ao cabo e ao resto, constituírem como que verdadeiras "questões prejudiciais" que, a obterem ganho de causa- e, em boa verdade, não se vê como excogitar solução diferente-, obstarão ao conhecimento de toda a matéria do presente recurso. Aliás, 2: nesta sequência e um pouco à laia de "questões prévias de segunda linha" deverá referir-se que o acórdão recorrido errou ao desconsiderar, pura e simplesmente, o disposto no alínea a) do número 2 do artigo 5° do CPP. Não só por omissão de pronúncia pois, salvo o devido respeito, certamente por culpa do recorrente, o Tribunal parece ter "começado" por nem se aperceber do que estava verdadeiramente em questão, por um lado 3: sendo certo que a interpretação que se lhe impunha, por outro, do referido normativo, deveria tê-lo conduzido a determinar que a tramitação do julgamento, mormente no que concerne a presença do arguido em julgamento - artigos 332° e 333° do Código de Processo Penal - seria a da versão primitiva do CPP ou, no mínimo, aquela resultante da revisão de Agosto de 1998. 4: na procedência do presente recurso, deve o julgamento ser anulado, com reenvio dos autos ou, a não se entender assim, julgado o mesmo procedente, com absolvição do recorrente. Recursos intercalares referidos nas conclusões que antecedem: Da decisão que recaiu sobre o requerimento de fls. 572/576 e de fls. 577/578: 1. O douto despacho recorrido foi "notificado" ao signatário, advogado constituído pelo arguido, via fax, o que conflitua com o disposto na parte final do n° 10 do artigo 113° do Código de Processo Penal 2. pelo que, para todos os efeitos, se verificou que o julgamento teve início ante uma situação de "omissão de pronúncia" relativamente a uma questão prejudicial relativamente ao início dessa diligência. Como assim, 3. ante a inoperância da "notificação", por violadora do acima citado normativo, que parece ter sido, pura e simplesmente, ignorado, deve ser anulado todo o processado posterior a tal "comunicação" 4. ordenando V.as Ex.as, em suprimento do erro de direito em que incorreu o Tribunal a quo, que tal notificação seja feita de acordo com a disciplina decorrente de tal normativo, ao que deverá seguir-se a adequada e legal tramitação. 5 Admitindo, porém, sem conceder, mas por pura cautela de patrocínio- que deve ser tão minucioso que vá ao ponto de premunir situações excogitáveis de erro judiciário, infelizmente bastante comuns - que V.as Ex.as, Senhores Juízes Conselheiros, assim não consideravam, à mesma consequência haverá de chegar-se, por força de outras ordens de considerações. Com efeito, 6. deve considerar-se dado adquirido de que as notificações são sempre acompanhadas de todos os elementos e de cópias legíveis dos documentos e peças do processo necessárias à plena compreensão do seu objecto. 7. É isto mesmo, de resto, o que expressamente decorre do disposto no n° 3 do artigo 228° do Código de Processo Civil, na redacção deste normativo desde a entrada em vigor da reforma deste compêndio, de 1995. Ora, 8. como ao que se crê irrespondivelmente demonstrado acima, em sede de motivação e aí página 11 da presente peça, sob A3, em termos que aqui se dão, com vénia, por integralmente reproduzidos, por razões de brevidade, o despacho recorrido suscita uma série de perplexidades que deixa completamente em aberto. Mas há mais: 9. a uma leitura de coloração processual civil, a única interpretação hodiernamente possível do disposto no n° 3 do artigo 228° do Código de Processo Civil, tem como fundamento razões de cooperação (entre as partes), de economia processual e de eficaz asseguramento do contraditório. Porém, 10. não parece poder dizer-se que, de iure constituto, o Código de Processo Penal de 1987, conheça norma directa e expressamente do mesmo conteúdo (garantístico). Porém, 11. uma tal omissão ao nível do direito legislado, sempre seria de considerar suprida pela aplicação directa- como decorre do disposto no n° 1 do artigo 18° da Constituição da República- do disposto no n° 1 do artigo 32° da norma normarum 12. uma vez que não pode afirmar-se que o despacho recorrido, ao denegar ao arguido recorrente, o acesso por via de notificação de um elemento indispensável ao exercício do respectivo direito de defesa, tenha tido em consideração o referido dispositivo constitucional que, pura e simplesmente, uma vez mais, desconsiderou em absoluto. Mas há ainda mais: 13. como ensinam os competentes - e, de entre eles, além de outros Figueiredo Dias - o artigo 32°, n° 2 da Constituição da República consagra o princípio da "lide leal", ou do "fair trial" 14. o qual também se pode considerar decorrente do disposto no artigo 20°, n° 4 do mesmo diploma e, bem assim, vinculante na ordem jurídica interna portuguesa por força de disposições como a do artigo 6° da Declaração Europeia dos Direitos do Homem e do artigo 14° do Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos. Ora, 15. um tal princípio é incontornável, para utilizar a forma de dizer do querido Mestre de Coimbra - o caput da penalística portuguesa e um dos maiores cultores do processo penal, na Europa Ocidental, de há mais de 30 anos a esta parte- no que concerne a interpretação das normas jurídicas vigentes. Como assim, 16. sempre se pode e deve dizer que, na ausência de uma norma expressa, nos termos acima referidos sob B10, uma tal lacuna deverá ser suprida, nos termos do artigo 4° do Código de Processo Penal, pela aplicação a este ramo de direito, justamente, do assinalado artigo 228°, n° 3 do Código de Processo Civil 17. assim se tornando precípua a conclusão: o despacho do Senhor Juiz Desembargador Relator é violador, por omissão da consideração da problemática sub iudice, desta perspectiva moderna e garantística, do disposto no n° 3 do assinalado artigo 228° 18. pelo que o douto despacho recorrido deve ser revogado...

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