Acórdão nº 03P3280 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 16 de Outubro de 2003 (caso NULL)

Magistrado ResponsávelPEREIRA MADEIRA
Data da Resolução16 de Outubro de 2003
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça 1. O Ministério Público junto do Tribunal de Júri de Figueiró dos Vinhos, acusou AA, devidamente identificado, imputando-lhe a comissão de um crime de homicídio qualificado, p. e p. pelos arts. 131.° e 132°/1/2/g/i, ambos do CP, por ter protagonizado os factos descritos na acusação de fls. 291 a 294, dada por reproduzida. ARJ e MHLR, também identificados, foram admitidos a intervir nos autos como assistentes. Efectuado o julgamento com intervenção daquele tribunal de júri, veio a ser proferido acórdão em que, além do mais, foi decidido: 1. absolver o arguido do crime de homicídio qualificado que lhe fora imputado; 2. condenar o arguido como autor de um crime de homicídio privilegiado p. e p. no art. 133° do CP, na pena de quatro anos de prisão; Inconformados, recorrem ao Supremo Tribunal de Justiça, o Ministério Público e os assistentes, corporizando os pontos da respectiva discordância neste acervo conclusivo, respectivamente: A) O Ministério Público: 1 - Ao arguido vinha imputada a autoria de um crime de homicídio qualificado, p. p. pelo art.º 132.º n.ºs 1 e 2 al.s g) e i) do CP., todavia o Tribunal recorrido entendeu não se demonstrar como verificada qualquer daquelas circunstâncias qualificativas, ou outra, das constantes do citado preceito legal. 2 - Antes dando como provado que o arguido praticou os factos, todavia actuou em situação de compreensível emoção violenta, pelo que o condenou pela autoria do crime de homicídio privilegiado. 3 - Todavia, dos elementos resultantes dos factos considerados como provados, verificadas se encontram circunstâncias que qualificam o crime, contrariamente ao que se consigna no douto acórdão. 4 - Desde logo porque, mesmo perfilhando as teses mais exigentes relativamente ao que deixa o legislador consignado no conceito de meio particularmente perigoso, neste conceito é de incluir uma arma de caça. 5 - Na verdade, mesmo que se incluam em tal conceito apenas os meios que revelem uma perigosidade muito superior ao normal nos meios usados para matar, bem como, que da natureza do meio utilizado resulte já uma especial censurabilidade ou perversidade do agente, as características específicas das armas de caça, quer pela finalidade da sua concepção, quer pela perigosidade instrumental do seu disparo, dever-se-ão inserir no âmbito desta previsão. 6 - Aferindo-se a maior ou menor perigosidade de um meio, não por normas-padrão, antes pela finalidade para a qual é utilizado ser, em termos de tutela legal, muito superior àquela para a qual é especificamente concebido. 7 - Bem como, na aferição da particular perigosidade do meio, se deverá levar em consideração o ponto de vista instrumental, ou seja, a perigosidade no sentido da potencialidade do dano que pode ser provocado por um disparo com tal arma a curta distância, que se revela muito superior ao disparo de um revólver ou pistola. 8 - Pelo que a arma de caça, quando usada para cometer um crime de homicídio e face às suas características específicas, deverá considerar-se como meio particularmente perigoso. 9 - Resultando a especial censurabilidade da especial natureza do meio utilizado. 10 - Ainda que assim se não entenda, sempre verificada se encontra a circunstância prevista na al.ª h) - meio insidioso. 11 - Neste conceito se integrando, além daqueles meios que pelas suas características específicas se deparam como dissimulados nas suas influências maléficas, a traição, entendendo-se verificada esta quando se demonstra verificado o ataque súbito e sorrateiro, atingida a vítima descuidada ou confiante, antes de perceber o gesto criminoso. 12- E provado ficou que o arguido, após ter saído do quarto no qual se encontrava a vítima, foi ao seu quarto buscar a arma de caça, que carregou e com a mesma se dirigiu rapidamente ao quarto da vítima, aproximou-se da cama na qual aquela já se deitara e numa posição de costas voltadas para o arguido, lhe encostou os canos da arma à cabeça e lhe desferiu um tiro sem que a vítima se apercebesse do gesto criminoso. 13 - Pelo quem tal comportamento não poderá deixar de consubstanciar a circunstância qualificativa consignada na al.ª h) do citado n.º 2 do art.º 132.º do CP. 14 - Circunstância esta que o Tribunal não poderia deixar de apreciar, ainda que no uso do poder-dever legalmente consignado no art.º 358.º do CPP. 15 - Depois, porque contrariamente ao que decidiu o Tribunal recorrido, não nos encontramos perante uma situação passível de ser qualificada como homicídio privilegiado. 16 - Não se verificando a compreensível emoção violenta e o desespero referidos no acórdão. 17 - Mesmo considerando-se que o que está em causa não é uma adequada relação de proporcional idade entre o facto que a desencadeia e o facto provocado, mas antes que a reacção do agente se encontre numa relação de causalidade adequada com o seu estado emocional. 18 - Já que não resulta, dos factos dados como provados, que tenha havido uma diminuição, por forma sensível, da exigibilidade de o agente poder agir de outra forma, face ao comportamento da vítima. 19 - Tanto mais que tal comportamento, que precedeu a acção criminosa, foi provocado pelo arguido na sequência de uma resolução que voluntariamente tomou, todavia sem que fosse imperativa naquele preciso momento - muito menos aconselhável face à hora e ao estado em que a vítima se deitara. 20 - E ainda que relevância se dê aos factos relativos aos provados maus tratos que a vítima infringia à sua esposa e filhos e que contra tal se insurgisse o arguido e que com tal situação andasse preocupado e até abalado, certo é que, momentos antes da comissão do crime, o arguido não se demonstrava dominado por qualquer estado de espírito que, de forma sensível o afectasse e o colocasse numa situação de menor exigibilidade de comportamento diferente. 21 - Pelo que deveria o Tribunal recorrido, como tal, ter imputado ao arguido a autoria do crime de homicídio qualificado, p.p. pelo art.º 132.º, n.ºs 1 e 2 al.s g) e h) do Código Penal. 22 - Condenando-se o arguido, face aos critérios norteadores da escolha da medida da pena legalmente consignados no art.º 71.º do CP., e considerando que o circunstancialismo que rodeou a acção do arguido deverá ser relevante como atenuante geral, na pena de 14 anos de prisão. 23- Termos em que deverá dar-se provimento ao recurso e, em conformidade à posição assumida, revogar-se o douto acórdão recorrido. Todavia em alto critério, V.ex Ex.as irão ponderar. Justiça. B) Os assistentes 1.ª O depoimento do arguido, pela sua inconsistência, pela sua contradição e pela sua não comprovação por outro ou idêntico meio de prova, não deve servir de fundamento á factualidade apurada. 2.ª Existe pois contradição insanável entre a factualidade apurada, descrita nos pontos 49° a 63° e 66.º a 73° dos Factos Provados e a análise dos meios de prova, designadamente do depoimento do arguido, que serviram para formar a convicção do Tribunal. 3.ª Do texto da decisão recorrida, conjugado com as regras da experiência comum, é de concluir que a fundamentação não justifica a decisão, ou pelo menos a torna manifestamente insuficiente. 4.ª Assim conclui-se que a decisão recorrida enferma do vício constante da alínea b) do n.º 2 do art.º 410.º do C.P.Penal. 5.ª Em consequência, de acordo com o disposto no n.º 1 do art.º 426° do mesmo C.P.Penal, devem os presentes autos ser reenviados para novo Julgamento, sobre a matéria constante dos pontos 1 a 10 da douta acusação pública e pontos 49) a 63) e 66) a 73) da douta sentença recorrida. OU, 6.ª Para que haja "compreensível emoção violenta", deve existir proporcionalidade entre os factos geradores de tal estado emocional e o facto ilícito perpetrado, por ele provocado, o que se não se verifica no caso em apreço. 7.ª Mesmo que se entenda não dever existir tal proporcionalidade, sempre se concluirá que não é compreensível o comportamento do arguido, em termos de não censurável, não se mostrando sensivelmente diminuída a sua culpa. 8.ª Pelo que não pode a conduta do arguido integrar a previsão do art.º 133.° do C.Penal. 9.ª Utilizar "meio particularmente perigoso", é servir-se para matar de um instrumento, de um método ou de um processo que dificultem significativamente a defesa da vitima. 10.ª Face à factualidade apurada em julgamento, conclui-se que o arguido dificultou significativamente a defesa da vítima, ao ponto de a tornar praticamente impossível, pois disparou á traição, com a arma encostada à sua cabeça e quando ela se encontrava deitada na cama. 11.ª Praticou pois o arguido o crime de homicídio qualificado p. e p. pelo art.º 132°, n.º 2, g) do C.Penal. 12.ª Para que se verifique e possa funcionar a circunstância atenuante constante da parte final, da alínea h) do n.º 2 do art.º 72° do C.Penal, necessário se torna que a conduta do agente seja determinada por "provocação injusta ou ofensa imerecida da vítima". 13.ª Para além disso o uso de tal faculdade só pode ter lugar, quando do concorram outros factores que diminuam de forma acentuada o efeito atenuativo. 14.ª Face à enorme desproporcionalidade entre o acto provocador e a reacção do provocado e o uso perverso e insidioso da arma de caça do arguido, conclui-se que a pena a aplicar não pode ser especialmente atenuada. 15.ª Face à moldura penal aplicável e tendo em conta todas as circunstâncias que militam a favor do arguido e aquelas que contra si devem ser ponderadas, revela-se justa e equilibrada uma pena de prisão não inferior a 14 anos. 16.ª Ao absolver o arguido do crime de homicídio qualificado e ao considerar que a conduta do arguido integrou a prática do crime de homicídio privilegiado, condenando-o na pena de 4 anos de prisão, o acórdão recorrido violou e fez errada interpretação do disposto nos artigos 132.º -1 e 2-g) e 133.° do C.Penal. 17.ª Deve pois ser revogada e substituída por outra que condene o arguido como autor material do crime de homicídio qualificado, em pena não inferior a 14 anos de prisão. Assim se...

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