Acórdão nº 043261 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 17 de Fevereiro de 1994 (caso NULL)

Magistrado ResponsávelGUERRA PIRES
Data da Resolução17 de Fevereiro de 1994
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acorda-se no Supremo Tribunal de Justiça: No processo comum n. 50/92 da Comarca de Arganil o Tribunal Colectivo do Círculo Judicial de Coimbra condenou A, B e C, como co-autores de um crime de narcotráfico agravado, previsto e punível pelos artigos 23 e 27, alínea g), do Decreto-Lei 430/83, de 13 de Dezembro: o primeiro, numa pena de dez anos de prisão complementar com cem mil escudos de multa; o segundo, numa pena de oito anos e seis meses de prisão, complementada com cem mil escudos de multa; e o terceiro numa pena de dez anos de prisão e, em complemento, setenta e cinco mil escudos de multa. Como autor de um crime de uso de documento de identificação alheio, previsto e punível pelo artigo 235 do Código Penal, foi ainda C condenado numa pena de cinco meses de prisão, acrescida de vinte dias de multa à taxa de trezentos escudos ou, alternativamente, privação de liberdade por treze dias. E em cúmulo jurídico dos seus dois sancionamentos parcelares ficou este réu condenado numa pena unitária de dez anos e três meses de prisão, complementada com setenta e cinco mil escudos e vinte dias de multa à referida taxa ou, em sua alternância, treze dias de prisão. Nos termos do artigo 14 da Lei n. 23/91, de 4 de Julho, foram declarados perdoados, a cada um dos réus, dezoito meses de prisão, bem como metade das multas imediatamente fixadas; e ao C, ainda, a totalidade da pena pecuniária com fixação mediata ou indirecta. Aplicado a este réu o dispositivo do artigo 34, n. 2, do aludido Decreto-Lei 430/83, o Tribunal impôs-lhe a pena acessória de expulsão do Território Português por período de dez anos. A "taxa de justiça" foi individualmente fixada em trinta mil escudos; e fixou-se em quinze mil escudos a procuradoria. A ré D, que vinha acusada de co-autoria no referido crime de narcotráfico agravado, foi absolvida. Discordantes, recorreram o Ministério Público e os réus C, B e A A, - que assim, respectivamente, concluíram as suas motivações: "1 - No acórdão sob censura, (disse o Ministério Público), é possível surpreender algumas contradições insanáveis entre a matéria de facto provada e não provada. 2 - Com efeito, por um lado, provou-se que um dos arguidos efectuando vigilância à casa de habitação, até ser substituído por um dos restantes três; 3 - Por outro lado, considerou-se como não provado que a arguida D tivesse efectuado vigilância. 4 - Além disso, deu-se como assente que a solução agnosa correspondente à fase do processo de extracção e sintetização da cocaína utilização pelos arguidos, pelos três arguidos, possibilitaria aos mesmos arguidos, como era objectivo destes, a sintetização de cerca de 262,5 gramas dessa cocaína, com um grau de pureza de 43 porcento. 5 - Ficando, pois, sem saber (aparentemente) se a cocaína era utilizada por todos ou apenas pelos arguidos A, B e C. 6 - Depois, a decisão agora recorrida padece de erro notório na apreciação da prova e da matéria de facto assente, com a inerente contradição entre o teor desta última e a fundamentação e decisão de absolvição da arguida D. 7 - Na verdade, a factualidade assente deveria ter conduzido à condenação daquela arguida pelo crime que lhe vinha imputado na acusação, 8 - O que é imposto pela sua participação efectiva no objectivo comum, por todos os arguidos visando, qual seja, a extracção e sintetização da cocaína impregnada em cartões , com conhecimento da natureza e características do produto em causa, o qual destinavam à venda para consumo, sabendo da ilicitude da sua conduta. 9 - E resulta, igualmente, das regras da experiência comum. 10 - De outro modo, ficaria por explicar toda a actividade desenvolvida pela arguida e a que alude a matéria de facto provada. 11 - Embora não resulte claro do texto da decisão recorrida que a arguida tenha feito vigilância, tal facto, "de per si", não pode obstar à sua condenação. 12 - Prescreve o artigo 26 do Código Penal: "É punível como autor quem executa o facto por si mesmo, ou por intermédio de outrem, ou toma parte directa na sua execução, por acordo ou juntamente com outro ou outros...". 13 - O legislador penal de 1982 acolheu o conceito extensivo de autoria: autor de um crime é todo aquele que tenha dado causa à sua realização. 14 - Pressupõe tal forma do crime que os vários agentes comparticipantes queiram a execução do mesmo crime, sendo também necessário que eles pratiquem actos que visem a efectivação do crime projectado. 15 - Porém, não se torna necessário que os vários agentes intervenham em todos os actos de execução do crime, bastando que o acto praticado por cada um se integre no seu conjunto, de acordo com o plano previamente traçado por todos. 16 - Ao absolver a arguida, a decisão agora recorrida ficou aquém da própria convicção dos Excelentíssimos Juizes que a subscreveram, 17 - Pois que a condenação da mesma arguida é a consequência natural do acervo fáctico assente, após dissipadas as contradições supra referidas. 18 - Ao decidir como decidiram, violaram os Excelentissímos Juizes "a quo" o disposto nos artigos 23 n. 1 e 27 alínea g), ambos do Decreto-Lei 430/83 de 13 de Dezembro, bem como o disposto nos artigos 10, 13, 14, 26 e 29, todos do Código Penal". Em remate, pede o Ministério Público que o acórdão sob censura seja revogado na parte em que absolveu a D, e se substitua esse acórdão por outro que, a final, a condene pelo crime que lhe vinha imputado na acusação. Transcrevem-se seguidamente as condições da motivação do réu C: " 1 - O julgamento deve ser anulado, com o legal reenvio do processo, para sua renovação, pois o Tribunal a quo afastou-se do relatório pericial no tocante à qualificação do produto que foi apreendido na posse do recorrente e outros, sem fundamentar essa ratio decidendi. Efectivamente, 2 - Como houve oportunidade de demonstrar em sede de "motivação", o produto apreendido ao recorrente e outros encontrava-se na fase da transformação da pasta básica em cocaína base, 3 - ou seja, ainda se não podia falar de cocaína ou de qualquer outra substância estupefaciente proibida, contrariamente ao que se refere a dado passo da sentença, no qual se afirma que os arguidos destinavam à venda para consumo a heroína e cocaína apreendidas. Assim, 4 - foi violado o disposto no artigo 163 do Código de Processo Penal, norma que não foi considerada pelo Tribunal a quo, 5 - circunstância que co-envolve erro notório na apreciação da prova, o qual, aliás, resulta do texto da decisão recorrida, 6 - assim se impondo a anulação do julgamento, ex vi artigo 410, n. 2, alínea c) do Código de Processo Penal. 7 - Outra não é, de resto, a conclusão a que há-de de chegar quem, não concordando com as precedentes CONCLUSÕES - o que se admite por mera cautela de patrocínio - tenha em conta que, contra a verdade, da acta não consta que o defensor do recorrente procedeu a "exposições introdutórias" concretizadas na entrega ao Meritíssimo Juiz Presidente de um papel elencando os factos que o recorrente pretendia provar. E, na verdade, 8 - de entre estas, aquele segundo o qual não foi encontrado durante a busca "ácido clorídrico", 9 - facto, aliás, co-honestado pela prova produzida em julgamento, pois nem uma só que tenha sido das testemunhas inquiridas referiu a existência na casa da Sanguinheda de tal produto indispensável para a aludida transformação. Ora, 10 - se é certo que, sumariamente embora, a enumeração dos factos que a defesa alega pretender provar, em sede de "exposições introdutórias" deve constar da acta, menos o não é, ainda que se não concorde com o precedentemente escrito. 11 - que em se tratando de factos que estão em contradição insanável com os constantes da acusação e, no mínimo, se trate de factos "constitutivos" - no sentido que, abaixo, se precisará, mas cuja ponta do véu já foi acima levantada - o Tribunal deve fazer menção concreta ao concreto meio de prova que percutiu o espírito do julgador ou julgadores, de forma a justificar a razão pela qual o tribunal deu prevalência à versão da acusação ou da defesa. 12 - Só tal visão das coisas pode permitir - embora em acanhados termos - o funcionamento do duplo grau de jurisdição em matéria de facto, com consagração constitucional, quer por força do artigo 32 da Constituição da República, quer pela do artigo 20, n. 2 do mesmo diploma. 13 - O referido princípio do duplo grau de jurisdição em matéria de facto foi, de resto, explicitamente afirmado pelo Plenário do Tribunal Constitucional, no seu Acórdão de 19 de Novembro de 1990 - Acórdão 340/90, em termos que aqui se dão por integralmente reproduzidos. No mesmo sentido, de resto, para um lugar paralelo, LUCIANO MARCOS, de inconstitucionalidade do artigo 103, d) da L.P.T.A., Revista Jurídica, n. 13 e 14 (Janeiro/Novembro), 1990, 41 ss. 14 - Mais explicitamente: a salvaguarda do sistema dos recursos no Código de Processo Penal de 1987, em sede da respectiva constitucionalidade, face ao referido princípio do duplo grau de jurisdição, e tendo em vista o sistema da revista alargada, no caso do recurso per saltum e mais especificamente ante as hipóteses das normas dos n. 1 e 2 do artigo 410 do Código de Processo Penal fica dependente da fundamentação e motivação da convicção do Tribunal, no mínimo, nas circunstâncias como aquelas agora tidas em vista. 15 - O funcionamento do referido princípio poderá, quando muito, ser de afirmar com um conteúdo mínimo, desde que em casos quejantos o Tribunal fundamente a sua ratio decidendi, só na recorrência de uma tal fundamentação e motivação sendo de afirmar que o processo penal fornece todas as garantias de defesa, por um lado, e o direito de acesso aos tribunais, por outro. Assim, 16 - tal falta de fundamentação, sub specie, constitui causa de anulação do julgamento - que não meramente do Acórdão - por violação do disposto nos artigos 368, n. 2, 374, n. 2, ambos do Código de Processo Penal, e do artigo 208, n. 1 da Constituição da República. 17 - Disse-se e repete-se, anulação do julgamento que não meramente da sentença, por isso que em...

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