Acórdão nº 045737 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 09 de Novembro de 1994 (caso NULL)

Magistrado ResponsávelLOPES ROCHA
Data da Resolução09 de Novembro de 1994
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: 1 - A, com os sinais dos autos, respondeu no Tribunal de Círculo de Alcobaça, em processo comum com intervenção do Tribunal Colectivo depois de pronunciado como autor material de um crime consumado de homicídio qualificado previsto e punido pelo artigo 132, ns. 1 e 2, alínea c) do Código Penal, com referência ao artigo 131 do mesmo diploma. No processo B, também com os sinais dos autos, deduziu pedido cível contra aquele arguido pedindo a sua condenação no pagamento de oito milhões quinhentos e setenta e três mil quatrocentos e noventa e seis escudos, correspondente a indemnização por danos patrimoniais e morais, resultante da morte do seu marido, da autoria do mesmo arguido. O arguido ofereceu contestação escrita, em separado, alegando, no tocante ao crime, todas as circunstâncias atenuantes ou dirimentes que a seu favor resultarem na audiência de julgamento; e, quanto ao pedido cível, que é falso ser autor de disparo letal, impugnando, também, os montantes pedidos. Pelo acórdão de folhas 297 a 301 dos autos, foi condenado como autor material de um crime de homicídio simples, por convolação, previsto e punido no artigo 131 do Código Penal, na pena de 13 anos de prisão. Foi ainda condenado no pagamento à B da indemnização de cinco milhões novecentos e noventa e sete mil e seiscentos escudos, acrescidos de juros contados desde 30 de Março de 1993 e até integral pagamento. O referido acórdão condenou-o também no pagamento de 2 ucs de taxa de justiça, mínimo de procuradoria e de mais custas no processo criminal; e quanto às custas relativas ao pedido de indemnização decidiu ficarem a cargo do arguido e da lesada na proporção de vencido. Enfim, o acórdão declarou perdidas a favor do Estado todas as armas e munições apreendidas, porquanto uma delas foi instrumento do crime e as restantes oferecem suficiente perigosidade para, nas mãos do arguido, poderem ser usadas para a prática de outros crimes, tal perda acarretando, também, a da respectiva documentação e licença de uso e porte. 2 - Inconformados com o decidido, interpuseram recurso para este Supremo Tribunal o Ministério Público e o arguido. 3 - Nas conclusões da sua motivação, o Magistrado do Ministério Público diz o seguinte: 3.1. Não foi inteiramente correcto o enquadramento jurídico-criminal operado no douto acórdão recorrido, no que concerne à autoria material, por banda do arguido, de um crime de homicídio voluntário simples, previsto e punido no artigo 131 do Código Penal. 3.2. No caso presente, o comportamento do arguido, determinado a matar uma pessoa que não conhecia (nem os familiares) e com quem nunca falara, denota a mais elevada e absoluta falta de sensibilidade básica no plano de todos os valores, revelando, por isso, especial censurabilidade e cometendo, assim, o crime previsto no artigo 132, n. 1, do mesmo Código; 3.3. A qualificação do crime se radica também no motivo fútil, aferindo-se este pela sua própria irrelevância e pela falta de razão mínima susceptível de justificar a desproporcionadissima conduta do arguido perante a completa pacividade da vítima, consubstanciada no facto de a morte ter sido determinada - apenas e só - por a vítima, face ao apedrejamento da porta do carro, ter saído do mesmo para averiguar o que se passava, radicando-se ainda, no espírito ávido e no desejo veemente de matar por matar, revelado pelo arguido, pelo que o crime pode ser qualificável pela previsão do artigo 132, n. 2, alínea c); 3.4. Tendo presente todo o exposto quanto à medida da pena e os parâmetros consignados no artigo 72 do Código Penal sem deixar de sublinhar a negação dos factos assumida pelo arguido e que, a seu favor só invocável a ausência de antecedentes criminais, que é diferente do bom comportamento anterior, é de aplicar ao agente uma pena de dezassete anos de prisão, como autor do sobredito crime de homicídio voluntário qualificado; 3.5. No douto acórdão violou-se o disposto no artigo 132, ns. 1 e 2, alínea c) do Código Penal. 4 - Concluindo a sua motivação diz, por seu turno, o recorrente A: 4.1. Sendo a assistência por defensa no primeiro interrogatório do arguido detido obrigatória, a circunstância da ausência do mesmo aquando da sua realização que se constata nos autos integra nulidade insanável prevista na alínea c) do artigo 119 do Código de Processo Penal; 4.2. Os autos indiciam largamente - e o arguido disso foi reiterado porta-voz - que os depoimentos por ele prestados à Polícia Judiciária lhe foram extorquidos mediante intolerável e inqualificável coacção física e moral como o atestam as graves lesões físicas que nele foram detectadas; 4.3. Esta circunstância é causa de nulidade de tais interrogatórios "ex vi" do disposto no artigo 32, n. 6 da nossa Lei Fundamental - nulidade que enferma também o próprio interrogatório perante a Meritíssima Juíza realizado em 11 de Junho de 1992; 4.4. Estas nulidades acarretam obrigatoriamente a nulidade de todo o processado posterior, que deve ser repetido; Caso assim se não entenda, 4.5. Porque preconceituosamente orientada no sentido da incriminação do arguido, a investigação a que se procedeu mostra-se eivada de gravíssimas omissões, algumas de diligências elementares do que resulta serem manifestamente inidóneas e insuficientes os elementos de prova carreados para os autos em termos de com o necessário grau de certeza vincularem a culpabilidade do arguido; 4.6. Ao consagrar simultaneamente que "não se lograra a prova da motivação do crime" e que o arguido agiu com dolo directo, o douto acórdão encerra grosseira e insanável contradição na sua fundamentação; 4.7. O douto acórdão, em sede de determinação da medida concreta da pena, pondera a circunstância da "elevada ilicitude da conduta do arguido" que extrai apenas e somente do tipo de crime que lhe vem imputado, com o que incorre na violação do princípio "ne bis in idem"; 4.8. Em sua fundamentação lê-se no douto acórdão que contribuíram para a convicção do tribunal os depoimentos de duas testemunhas (uma delas anda zangada com o arguido - a 4 folhas 294, verso) que mais não disseram afinal que atribuir a um ou dois filhos do arguido, determinada versão dos factos prejudicial ao arguido, com isso violando as normas dos artigos 129 n. 1 e 134, n. 1, alínea a) do Código de Processo Penal, que tem como legal cominação a nulidade de tais depoimentos indirectos e obviamente a sua não valoração como prova contra o arguido; 4.9. Os vícios referidos sumariamente nas conclusões 5., 6., 7. e 8., quer pelo seu número quer pela sua gravidade, impossibilitam uma boa decisão da causa e por isso, não operando o princípio "in dubio pro reo", alegado em 06 da contestação, aconselham o reenvio do processo para novo julgamento e relativamente à totalidade do seu objecto - conforme preceitua o artigo 426 do Código de Processo Penal; 4.10. Porque nada tem a ver com o presente processo, no âmbito do qual nem sequer tinham sido legalmente apreendidas, as armas identificadas a folha 133 deveriam ter sido sem mais devolvidas. A não se entender assim, antes decretando o seu perdimento a favor do Estado, com omissão, aliás, de qualquer fundamento legal, viola o douto acórdão as normas dos artigos 107 a 109 do Código Penal. 5 - Contra-motivando o recurso interposto pelo arguido, o Magistrado do Ministério Público conclui que o mesmo deve sr julgado completamente improcedente. 6 - Recebidos os recursos neste Supremo Tribunal, foram juntas as alegações escritas por quem, na 1. Instância, tinha declarado delas não prescindir (o Ministério Público) mas foi suscitada a questão do prosseguimento do processo para a audiência com alegações orais, o que foi decidido por acórdão de folha 250. Nas alegações escritas apresentadas pelo Excelentíssimo Procurador-Geral Adjunto neste Supremo Tribunal conclui-se que deve negar-se provimento ao recurso interposto pelo arguido e condenar-se o mesmo como autor de um crime de homicídio qualificado, em pena severa, de acordo com a intensa ilicitude e grande culpa demonstrada. Corridos os vistos, realizou-se a audiência com observância das formalidades legais. Cumpre agora apreciar e decidir. 8 - São os seguintes os factos declarados provados pelo Tribunal Colectivo: 8.1. No dia 14 de Maio de 1992, cerca das dezanove horas, Ramiro Pereira Gomes da Costa dirigiu-se acompanhado de Maria Fernanda da Costa Ramos, para um local situado no Lugar de Vale Carrascoso, Pedreira, ao volante da viatura automóvel Opel Kadett 1.7 D, matricula Sl-01-45; 8.2. Nessas circunstâncias de tempo e lugar levou o veículo por si conduzido para o interior de um pinhal situado junto à Estrada Nacional n. 1342 que serve a localidade de Boieira; 8.3. Esse veículo ficou ali parado envolvido nas partes laterais e traseira, por vegetação; 8.4. Entretanto, o arguido Ribeiro encontrava-se ali perto munido de uma arma de caça calibre 12 de dois canos justapostos, marca Felix Sarrasquete, com o número de série 106044; 8.5. Algum tempo depois do Ramiro e da acompanhante estarem parados, dentro da viatura, no aludido local, o Ribeiro arremessou uma pedra contra a porta do lado direito daquela viatura; 8.6. De imediato o Ramiro saiu de dentro dela para ver o que se passava, deslocando-se para a sua traseira; 8.7. O arguido encontrava-se a cerca de seis metros dele, no meio dos arbustos e na direcção aproximada de sul para norte; 8.8. Nessa situação disparou um tiro com a arma que transportava na direcção do Ramiro; 8.9. Em resultado desse disparo este foi atingido na face e no crânio por inúmeros chumbos que lhe provocaram laceração do encéfalo com hemorragia craniana; 8.10. Tais lesões constituíram causa directa e necessária da sua morte que adveio de imediato; 8.11. Foi propósito, voluntário, do arguido suprimir a vida do...

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