Acórdão nº 046803 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 31 de Maio de 1995 (caso NULL)

Magistrado ResponsávelVAZ DOS SANTOS
Data da Resolução31 de Maio de 1995
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: 1. No Tribunal Judicial de Torres Vedras, em processo comum, o Ministério Público deduziu acusação contra os arguidos A e B, ambos com os demais sinais dos autos, imputando ao primeiro a autoria de um crime de violação previsto e punido pelo artigo 201, n. 1, e à segunda a autoria de dois crimes de homicídio, na forma tentada, previsto e punido pelos artigos 131, 22 e 23, todos do Código Penal (C.P.). A B, que foi admitida a intervir como assistente (folha 190), perfilhou a acusação pública e deduziu pedido de indemnização civil contra o A, pedindo a condenação deste a pagar-lhe, a título de danos morais, a quanta de 2000000 escudos (folhas 174 e seguintes). Ainda na fase do inquérito, o A requereu a sua constituição como assistente (folha 74), tendo vindo a ser admitido como tal já depois do julgamento (folha 317). O A contestou quer a acusação quer o pedido civil nos termos constantes de folhas 186 e 198. Também a B contestou pela forma referida em folha 224. Tendo-se procedido a julgamento, foi proferido acórdão que condenou os arguidos: A, pela prática do crime de violação do artigo 201, n. 1 na pena de 3 anos e 6 meses de prisão e, na procedência parcial do pedido civil, a pagar à B a quantia de 500000 escudos por danos morais. B, como autora, por convolação, de dois crimes previstos e punidos no artigo 144, n. 2 do Código Penal (ofensas corporais com dolo de perigo) nas penas de 4 meses de prisão, substituída por igual tempo de multa à taxa diária de 500 escudos, com a alternativa de 80 dias de prisão (pelo crime cometido em 4 de Abril de 1992) e de 6 meses de prisão substituída por igual tempo de multa à mesma taxa, com a alternativa de 4 meses de prisão (pelo crime cometido em 14 de Maio de 1992). Em cúmulo jurídico foi condenada na pena única de 150000 escudos e, em alternativa, em 200 dias de prisão. Foi ainda condenada a pagar ao Hospital Distrital de Torres Vedras a quantia de 16108 escudos relativa aos cuidados de saúde dispensados ao A (folhas 157 a 160). Nos termos dos artigos 107 e 108 do Código Penal foi declarado o perdimento das armas apreendidas e a B condenada a pagar aos respectivos titulares as quantias de 10000 escudos e 16000 escudos. Ambos os arguidos, nessa qualidade e também como intervenientes civis, foram condenados em custas. Inconformados, interpuseram recurso do acórdão, o Ministério Público e os arguidos que remataram as respectivas motivações com as seguintes conclusões: O Ministério Público. - Atentas as circunstâncias agravantes da responsabilidade do arguido A, devia ter este sido condenado na pena de 4 anos de prisão, pelo que nesta parte foram violados os artigos 201, n. 1 e 72 do Código Penal; - segundo as regras da experiência comum é do conhecimento da generalidade das pessoas que o disparo de um tiro com uma arma caçadeira a cerca de 20 metros pode causar a morte de uma pessoa, mormente se a atingir num órgão vital; - tendo a B disparado sobre o A a cerca de 20 metros deste, com armas caçadeiras, poderia ter-lhe causado a morte, pelo que não se verifica um caso de tentativa impossível nos termos do artigo 23, n. 3 do Código Penal; - assim, incorreu o tribunal em erro notório na apreciação da prova (artigo 410, n. 2 alínea c) do Código de Processo Penal; - verificando-se todos os requisitos do crime de homicídio tentado, deveria a B ter sido condenada, em cúmulo jurídico, em dois crimes de homicídio, na forma tentada; - porém, atendendo aos factos dados como provados a favor da arguida, mormente o circunstancialismo que a determinou a agir como agiu, deverá beneficiar da atenuação especial da pena (artigo 73 do Código Penal), a qual deverá ser suspensa na sua execução (artigo 48 do Código Penal); - nesta parte, o douto acórdão recorrido violou o disposto nos artigos 23, n. 3 e 130 do Código Penal. O A (em síntese). - o tribunal recorrido violou o princípio do duplo grau de jurisdição insito nos preceitos do artigo 20, alínea a) do n. 1 do artigo 211 e dos ns. 3 e seguintes do artigo 212, todos da Constituição da República Portuguesa (C.R.P.), por, ao aplicar os artigos 432 a 436 do Código de Processo Penal (C.P.P.), ter aceitado a norma inconstitucional da alínea c) do citado artigo 432 que determina recorrer-se directamente para o Supremo dos acórdãos finais proferidos pelo Tribunal Colectivo; - tendo o arguido vindo a ser admitido como assistente só após a leitura do acórdão condenatório, cometeu-se a inconstitucionalidade da privação do acesso ao direito por parte daquele, privação essa resultante da violação do n. 2 do artigo 68 do Código de Processo Penal e do princípio decorrente do artigo 20 da Constituição da República Portuguesa (cf. artigo 69 do Código de Processo Penal); - a inconstitucionalidade cometida não ficou sanada com o posterior despacho de admissão do recorrente como assistente, por ser inexistente ou inválida semelhante constituição post judicium; - o tribunal a quo violou os artigos 151 e seguintes do Código de Processo Penal, por ter ignorado as exigências do Decreto de 8 de Fevereiro de 1900, que aprovou o "Questionário e Instruções" que se devem observar designadamente nos crimes de ofensas corporais e no de violação envolvendo violências; - a omissão dessas exigências implicou uma debilidade chocante da matéria de prova directa para se não dizer completa ausência dessa mesma prova, vício que resulta não só do texto da decisão recorrida como também das regras da experiência comum; - não obstante tal ausência, o tribunal entendeu valorar as declarações da arguida e assistente B, violando designadamente os artigos 343, 361, 145 e 346 do Código de Processo Penal; - e foi ao ponto de ter aceitado de pleno as declarações da B, considerando que era firme e minucioso o depoimento dela, o qual foi ao ponto de começar por nem sequer procurar fixar a semana, a quinzena, os princípios ou os fins do mês de Março, aquele em que disse ter sido violada; - o tribunal recorrido, continuando a omitir as exigências do Decreto de 1900, violou o n. 1 do artigo 150 do Código de Processo Penal por não ter ordenado a reconstituição da imputada violação, e o n. 1 do artigo 171 do mesmo diploma por não ter ordenado os exames das pessoas em causa de modo a tomar certo que pelo menos elas teriam ou não teriam vestígios do facto, ou teriam ou não teriam possibilidade física de o haver cometido; - a aludida reconstituição e os aludidos exames eram imprescindíveis para o mínimo e científico esforço de apuramento da verdade; - também o tribunal violou os mesmos preceitos exigentes de provas científicas enquanto, à revelia dos preceitos citados e ainda o do n. 1 do artigo 146 do Código de Processo Penal, passou de largo na diferença de versões da B e do seu companheiro, que requeria uma acareação; - o tribunal recorrido não aplicando tais normas em função das experiências do Decreto de 1900, entendeu-as e aplicou-as mal e violou as regras da experiência comum largamente explicitadas nesse Decreto; - as armas de fogo não foram examinadas como objecto de agressão mas como objectos avaliáveis e avaliados em dinheiro, com que se violaram os artigos 151 e seguintes do Código de Processo Penal; - relativamente à existência da imaginada pistola que o recorrente teria utilizado nada se fez para pelo menos se obter a prova documental da sua existência, com o que se violaram os artigos 164 e seguintes do Código de Processo Penal; - relativamente à razão dos disparos da B, perante a oposição de versões, impunha-se o desenvolvimento do inquérito quanto a esta matéria e a realização de diligências em julgamento, o que uma vez omitido levou a erradamente o tribunal não ter procedido a qualquer acareação, violando-se deste jeito também o artigo 146; - o tribunal incorreu na contradição insanável constante da alínea b) do n. 2 do artigo 410 do Código de Processo Penal, é que, a folhas 300 verso do acórdão, deu-se como provado que "a arguida sentiu-se de novo intimidada pelo A, acentuando-se o estado de revolta e depressão em que se encontrava", mas a folhas 301 verso deu como não provado que a B em seguida a estes factos tivesse ficado a voltar intimidada caindo em estado depressivo"; - e cometeu um erro notório na apreciação da prova (alínea c) do n. 2 do artigo 410) ao dar como provado que "a partir do momento do primeiro disparo as pessoas do lugar ficaram a par do sucedido - das relações sexuais com o A - que aumentou o seu sentimento de vergonha", como se algum tiro dos disparados pela B funcionasse como arauto local dos segredos e da vergonha da sua vida privada; - ao dar como provada a depressão da B, o Colectivo violou também o artigo 388 do Código Civil (C.C.) que considera imprescindível a prova pericial que exige conhecimentos especiais relativos a pessoas; - termos em que processados os tramites dos artigos 435 e 436 do Código de Processo Penal deverá ser decretado o reenvio do processo para novo julgamento a tribunal de categoria e composição idêntica às do que proferiu a douta decisão recorrida e que se encontre mais próximo. A B: - inexistem circunstâncias atenuantes para o acto criminoso praticado pelo A, sendo de peso as agravantes; - a moldura penal do crime de violação (artigo 201, n. 1 do Código Penal) prevê uma pena de prisão de 2 a 8 anos; - a orientação jurisprudencial seguida para fixação da pena, nomeadamente por este Supremo Tribunal, é a de tomar como ponto de partida a média entre os limites mínimo e máximo previstos na lei, considerando-se em seguida, nos termos do artigo 72 do Código Penal, as circunstâncias que deponham a favor do agente ou contra ele; - no caso sub judice, em face do peso das circunstâncias agravantes provadas e da inexistência de atenuantes...

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