Acórdão nº 048081 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 18 de Outubro de 1995 (caso NULL)

Magistrado ResponsávelLOPES ROCHA
Data da Resolução18 de Outubro de 1995
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: 1 - Na 4. Vara Criminal de Lisboa e em processo comum colectivo respondeu A, com os demais sinais dos autos, acusada pelo Ministério Público da autoria material de um crime de abuso de confiança previsto e punido no artigo 300, n. 1 e n. 2, alíneas a) e b) do Código Penal. Pelo acórdão de 28 de Outubro de 1994 (folhas 84 a 89 dos autos), veio a ser condenada como autora do referido crime, mas com referência à alínea b) do artigo 300, na pena de 1 ano e três meses de prisão, declarada suspensa, na sua execução, pelo prazo de 2 anos, na condição de bom comportamento. Inconformada, interpôs recurso da decisão para este Supremo Tribunal, em cuja motivação concluiu como segue: 1.1. Nunca poderia ter sido condenada pela prática de um crime de abuso de confiança pela apropriação de "peças de roupa diversas", uma vez que não se sabe a natureza, a quantidade e o valor dessas peças, não se provando que essas coisas tenham um valor juridicamente relevante, não se provando a apropriação ilegítima nem a violação da relação de confiança; 1.2. Também não poderia ter sido condenada pela prática de um crime de abuso de confiança pela utilização do telefone, que não cabe dentro do conceito de coisa móvel do artigo 300 do Código Penal, quando nem sequer se refere que essa apropriação a ter existido tenha sido ilegítima, nem se sabendo o número de chamadas efectuadas e a sua duração, não se provando também que estamos perante uma coisa juridicamente relevante; 1.3. Quanto à "apropriação" da quantia de 30000 escudos não ficou provado em prejuízo de quem foram gastos, não se sabendo ao certo a quantia em questão, sendo certo que esta situação não se pode filiar numa razão de profissão ou emprego, que a sua entrega não diz respeito a qualquer aquisição efectuada no âmbito ou para o estabelecimento, pelo que nada tem a ver com a restante matéria constante dos autos, sendo certo que não se poderia condenar a arguida relativamente a esses factos pela prática de um crime de abuso de confiança, sendo ainda certo que estamos perante um caso de manifesta errada qualificação; 1.4. Por tudo isto não poderia ser se não absolvida, ficando-se perplexo perante uma condenação com a matéria dada por provada que é absolutamente escassa, incerta e indefinida. 2 - Admitido o recurso, houve lugar a resposta do Magistrado do Ministério Público que concluiu pela improcedência do mesmo. Subidos os autos a este Supremo Tribunal, na vista a que se refere o artigo 416 do Código de Processo Penal, suscitou a Excelentíssima Procuradora-Geral Adjunta a questão da rejeição do recurso por a recorrente, nas conclusões da sua motivação, não ter indicado as normas jurídicas violadas, como o exige o artigo 412, n. 2, alínea a) do referido Código, trata-se de recurso que versa sobre matéria de direito. Notificada a recorrente para se pronunciar querendo, sobre esta questão, veio a fazê-lo em termos de não existir motivo para a rejeição do recurso, alegando, em síntese, que o fundamento deste é o vício contemplado no artigo 410, n. 2, alínea a), ainda do mencionado Código. No exame preliminar foi examinada a suscitada questão, tendo-se concluído não existirem razões ponderosas para rejeitar o recurso. Correram os vistos e procedeu-se à audiência com observância do ritualismo legal. Cumpre agora apreciar e decidir. 3 - O tribunal colectivo teve como apurada a seguinte matéria de facto, que descreveu no acórdão do modo seguinte: 3.1. A arguida, no período compreendido entre 27 de Agosto de 1990 e 12 de Março de 1991 desempenhou funções de empregada na Boutique "Mouro", sita no Centro Comercial Oceano, loja 45, R/C, Odivelas; 3.2. De que era a única funcionária; 3.3. Que assim lhe ficava confiada; 3.4. No exercício das suas funções, cumpria-lhe o dever, rectius, entre outras tarefas, receber clientes, apresentar e vender a mercadoria e fazer as folhas de caixa; 3.5. No decurso do referido período, valendo-se das suas funções e violando a relação de confiança estabelecida, a arguida fez suas peças de roupa diversas, de natureza, quantidade e valor total não apurados, integrando-as na sua esfera patrimonial; 3.6. Bem como utilizou por diversas vezes o telefone que se encontrava instalado na "boutique", abrindo para o efeito o respectivo cadeado com uma tesoura, em proveito próprio e contra a vontade da respectiva dona; 3.7. Em data indeterminada do final do mês de Dezembro de 1990, a arguida recebeu de B, a importância de pelo menos 30000 escudos, para aquisição, rectius para pagamento da aquisição de um casaco de cabedal para homem; 3.8. Em vez de entregar o dinheiro à pessoa que o havia vendido, gastou-o em proveito próprio; 3.9. A arguida agui livre, deliberada e conscientemente, com intuito apropriativo, tendo perfeito conhecimento de que as suas condutas eram proibidas. 3.10. A arguida "A" (sic), embora profissionalmente seja empregada de comércio, actualmente encontra-se desempregada; 3.11. Como habilitações literárias possui a 4. classe, é de condição social modesta e vive com um filho; 3.12. Nunca respondeu nem esteve presa. A seguir, o acórdão impugnado diz não se terem provado os seguintes factos da acusação; 3.13. A determinação na relação de mercadoria que constitui folhas 12 a 14, do que efectivamente foi retirado e apropriado pela arguida; e, 3.14. Em prejuízo de quem foram gastos os 30000 escudos dados pela Senhora B à arguida para pagamento do casaco de cabedal. 4 - Como é jurisprudência corrente e bem estabelecida deste Supremo Tribunal de Justiça o âmbito do recurso é dado pelas conclusões da motivação do recorrente (Cf. por todos, o acórdão de 19 de Junho de 1995, no Processo n. 46837, e demais jurisprudência, no mesmo sentido, que aí é citada). Deste modo, as questões a resolver são: a) A insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, eventualmente configuradora do vício da alínea a) do n. 2 do artigo 410 do Código de Processo Penal; b) A incorrecta subsunção dos factos dados como provados no tipo legal de crime do artigo 300 do Código Penal. A interligação destas duas questões, sem prejudicar a prioridade lógica da sua análise, justifica que, na apreciação da primeira tenhamos de algum modo de apreciar razões explanadas no recurso a propósito da segunda. Vejamos então e para começar, se a crítica feita ao acórdão, no tocante ao referido vício, tem condições para proceder. 5 - Inevitavelmente teremos de ir por partes. Assim, e quanto à insuficiência dos factos apurados no tocante à ilegítima apropriação de peças de roupa, em que por não ter sido possível ao tribunal colectivo apurar a natureza, quantidade e valor das...

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