Acórdão nº 048119 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 31 de Outubro de 1995 (caso NULL)
Magistrado Responsável | LOPES ROCHA |
Data da Resolução | 31 de Outubro de 1995 |
Emissor | Supremo Tribunal de Justiça (Portugal) |
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: 1 - No 1. Juízo do Tribunal de Círculo de Setúbal, em processo comum colectivo, respondeu A, casado, técnico de ar condicionado e com os demais sinais dos autos, acusado pelo Ministério Público da prática de um crime de violação, na forma tentada, previsto e punido pelos artigos 23, 74 e 201, n. 1, do Código Penal e de um crime de sequestro, previsto e punido pelo artigo 160, ns. 1 e 2, alínea b), do mesmo Código. A assistente deduziu pedido de indemnização cível, no qual, reproduzindo os factos da acusação formulados pelo Ministério Público, pediu a condenação do arguido a pagar-lhe 50000 escudos pela danificação das roupas que na altura vestia e o arguido rasgou e ainda 150000 escudos pelo vexame e vergonha que sofreu em consequência da conduta do mesmo arguido. No acórdão de folhas 99/107, datado de 24 de Novembro de 1994, foi decidido: a) Absolver o arguido da prática do crime de violação, na forma tentada, previsto e punido pelo artigos 22, 23 e 201, n. 1, todos do Código Penal, bem como do crime de sequestro, previsto e punido pelo artigo 160, ns. 1 e 2, alínea b), do mesmo Código. b) Condenar o arguido pela prática de um crime de atentado ao pudor com violência, previsto e punido pelo artigo 205 do Código Penal, na pena de 15 meses de prisão; c) Suspender a execução da pena pelo período de 2 anos; d) Condená-lo a pagar à assistente, a título de indemnização, a quantia de 119000 escudos; e) Condená-lo, por fim, a pagar as custas do processo, com taxa de justiça fixada em 3 UCs de procuradoria no mínimo; sendo as custas do pedido cível pelo arguido e pela assistente e na porporção do respectivo decaimento. Inconformado interpôs recurso para este Supremo Tribunal, o arguido, em cuja motivação concluiu como segue: 1.1. Os factos considerados como provados não integram todos os requisitos do crime de atentado ao pudor previsto no artigo 205 do Código Penal; 1.2. De facto não existem factos que caracterizem a ameaça grave e a inconsciência provocada; 1.3. Ao contrário do que se diz no acórdão não há factos de que possa concluir-se que a assistente ficou na impossibilidade de resistir; 1.4. O conceito "impossibilidade de resistir" não diz respeito a qualquer acto de violência física, mas a actos como a ministração de substâncias psicotrópicas ou estupefacientes, ou de bebidas alcoólicas ou o uso da hipnose; 1.5. O conceito de violência (vide Nelson Hungria, obra citada no douto acórdão) implica que haja entre agressor e vítima o dissenso manifestando-se por inequívoca resistência; 1.6. Não encontramos no douto acórdão factos donde se possa concluir que houve inequívoca resistência por parte da vítima; bem pelo contrário, tudo o que constava da acusação que caracterizaria essa resistência (o uso da faca, da garrafa) foi dado como não provado; 1.7. E também, pelo contrário, verifica-se que nenhuma violência foi exercida sobre a assistente, já que quando podia por-se em fuga (encontrava-se sózinha no carro, ao volante), abriu a porta ao arguido; 1.8. O simples facto de o arguido ter puxado e rasgado a roupa com força, não faz concluir que houvesse resistência por parte da assistente, pois é da experiência comum que dos "jogos amorosos" faz por vezes parte uma violência consentida e, por vezes comum, desejada; 1.9. O agarrar dos braços dado como provado, também não caracteriza, sem mais, aquela violência exigida pelo preceito legal, sendo certo que é gesto comum entre dois parceiros de aventuras sexuais; 1.10. A assistente acedeu em levar o arguido a casa, comportamento inexplicável por parte de quem estaria a ser vítima de violência; 1.11. E também a afirmação de que a assistente convenceu o arguido a por fim aos beijos não indica que tivesse oposto qualquer resistência; porventura estava farta já de tantos beijos (segundo ele duraram uma hora!) sem qualquer outro desfecho; 1.12. A assistente contava aos frequentadores do café tudo o que se tinha passado! Comportamento anormal por parte de uma "vítima" de crime sexual, sabendo-se como se sabe que as vítimas desses crimes ocultam os factos; 1.13. Do facto dado como provado, referido no item anterior, se conclui que a assistente não sofreu qualquer vexame; 1.14. Sendo exorbitante a indemnização arbitrada por danos não patrimoniais, a quem faz gala de pretensas ofensas sexuais; 1.15. Assim, o douto acórdão violou o artigo 205 do Código Penal; 1.16. Com efeito, interpretou erradamente o conceito "impossibilidade de resistir" pois considerou que neste conceito cabia também violência física; 1.17. E, salvo melhor opinião, aquele conceito reconduz-se a outras situações, como o uso de quaisquer substâncias ou mesmo meios (como a hipnose) que, não deixando a vítima inconsciente, lhe enfraquecem a vontade; 1.18. Por outro lado, também no douto acórdão se entendeu que o conceito de violência não contem o dissenso da vítima, fazendo, assim, errada interpretação do artigo 205 do Código Penal. 1.19. Assim, deve dar-se provimento ao recurso, absolvendo-se o arguido. 2 - Admitido o recurso e procedendo-se às legais notificações, apenas o Ministério Público apresentou resposta, concluindo pela total improcedência do mesmo. Subidos os autos a este Supremo Tribunal, houve lugar à vista a que se refere o artigo 416 do Código de Processo Penal, efectuou-se o exame preliminar no qual se conclui inexistir circunstância que obste ao conhecimento...
Para continuar a ler
PEÇA SUA AVALIAÇÃO