Acórdão nº 048699 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 17 de Janeiro de 1996 (caso NULL)
Magistrado Responsável | AUGUSTO ALVES |
Data da Resolução | 17 de Janeiro de 1996 |
Emissor | Supremo Tribunal de Justiça (Portugal) |
Acordam na Secção de Jurisdição Criminal do Supremo Tribunal de Justiça: 1. Pelo tribunal colectivo do Círculo de Almada, foram julgados, sob acusação do Ministério Público, os arguidos: 1. A, id. a folha 1697; 2. B, id. a folha 1697; 3. C, id. a folha 1697; e 4. D, id. a folha 1697, vindo a final a ser condenados: - o A, como autor material de 1 crime de furto qualificado previsto e punido pelos artigos 296 e 297 n. 1 alínea g) e n. 2 alíneas c) e h) do Código Penal, na pena de 1 ano e 6 meses de prisão; como autor material de nove crimes de roubo previsto e punido pelos artigos 306 ns. 1 e 2 alínea a) e 5, com referência ao artigo 297 n. 2 alíneas c) e h) do Código Penal, na pena de 5 anos de prisão por cada um dos crimes; por dois crimes de furto de uso de veículo (um em autoria material e outro em co-autoria) previsto e punido pelo artigo 304 n. 1 do Código Penal, na pena de 7 meses de prisão por cada um desses crimes; como autor material de um crime de detenção de arma proibida previsto e punido pelo artigo 260 do Código Penal, na pena de 5 meses de prisão. E operando o cúmulo dessas penas, excluindo a do furto ocorrido em 4 de Abril de 1994, condenou-se o mesmo na pena única de 12 anos e seis meses de prisão, que deduzida do perdão de 1/8 - Lei 15/94 de 11 de Maio - ficou reduzida a 10 anos, 11 meses e 7 dias; em cúmulo jurídico desta pena com a do furto de 4 de Abril de 1994, foi condenado o arguido na pena única de 11 anos de prisão. - O B, como autor material de seis crimes de roubo previsto e punido pelo artigo 306 ns. 1 e 2 alínea a) e 5, com referência ao artigo 297 n. 2 alíneas c) e h) do Código Penal, na pena de 7 anos de prisão pelo roubo de que foi vítima a assistente E, e cinco anos de prisão por cada um dos outros cinco crimes; por dois crimes de furto qualificado (um em co-autoria material e outro em autoria) previsto e punido pelos artigos 296 e 297 n. 1 alínea g), um deles também pela alínea a), e n. 2 alíneas c) e h) do Código Penal, na pena de 1 ano e 6 meses de prisão pelo furto de que foi vítima F e dois anos de prisão pelo furto de que foi vítima Roche Farmacêutica, Limitada; por 3 crimes de furto de uso de veículo (1 em co-autoria material e 2 em autoria material) previsto e punido pelo artigo 304 n. 1 do Código Penal na pena de 7 meses de prisão por cada um dos crimes; como autor material de 1 crime de detenção de armas proibidas, previsto e punido pelo artigo 260 do Código Penal, na pena de 5 meses de prisão; como autor material de 1 crime de dano agravado previsto e punido pelo artigo 309 n. 4 do Código Penal, na pena de 2 anos e 3 meses de prisão; como autor material de 1 crime de ofensas corporais com dolo de perigo, na forma tentada, previsto e punido pelos artigos 22, 23, 74 e 144 n. 2 do Código Penal, na pena de 1 ano e 3 meses de prisão. Em cúmulo jurídico destas penas foi o B condenado na pena única de 12 anos de prisão, na qual se declarou perdoado 1 ano e 6 meses de prisão - artigo 8 n. 1 da Lei 15/94 de 11 de Maio - ficando reduzida a pena a 10 anos e 6 meses de prisão. E foram os arguidos C e D absolvidos da acusação; o A e o B, absolvidos da parte restante da acusação; o A, o C e o D do pedido cível contra eles formulado por E e G. Todavia o pedido cível por estas deduzido procedeu contra o B que foi condenado a pagar à E 395855 escudos de danos patrimoniais, 1500000 escudos por danos não patrimoniais e a quantia que se vier a liquidar em execução de sentença como reparação pela capacidade aquisitiva perdida, e a pagar à G, 827000 escudos de danos patrimoniais e 45000 escudos de danos não patrimoniais. II - No decurso da audiência, interpeladas as testemunhas arroladas H e i, apurou-se serem respectivamente avó e avô do arguido C. Advertidos nos termos do artigo 134 n. 2 do Código de Processo Penal, as testemunhas disseram não querer depor. O tribunal deliberou não ouvir essas testemunhas. Inconformado, o Ministério Público, interpôs recurso que foi admitido para subir a final e com efeito devolutivo. Na respectiva motivação conclui o Ministério Público: 1 - À obrigação/regra, de carácter público, de depor com verdade, contrapõem-se limites derivados da incapacidade (psíquica, declarada), do protagonismo processual e da relação afectiva/consanguínea (artigos 131, 133 e 134 do Código de Processo Penal). 2 - Daí deriva o rompimento/ruptura com o sistema processual anterior (Código de Processo Penal de 1929 - artigo 216), porquanto não se distingue mais entre testemunhas e declarantes, aumentando-se, pois, a capacidade de depor. 3 - A excepção emergente do grau de parentesco só atinge impedindo o depoimento - se recusado - enquanto direccionado contra o "arguido/parente", que não contem os demais arguidos, posto que não haja co-autoria, entre estes últimos e aquele. 4 - Na hipótese apreçada, constata-se, da acusação e da pronúncia (peças que delimitam o objecto do processo - artigos 124, 358 e 359, todos do Código de Processo Penal) que a um dos arguidos, e só a ele, diverso do arguido presente" é atribuída a prática de dois crimes, em autoria material, "zona autónoma", assim, do "núcleo criminal comum" esse sim insusceptível de ser alvo de inquirição, já que desta poderia resultar prova contra o veto das testemunhas, obtida, então, ilegalmente e sem valor jurídico-processual (artigo 134, n. 2 do Código de Processo Penal, ainda). 5 - Porque o depoimento, pretendido e recusado, era legalmente possível, mal agiu o Tribunal Colectivo ao homologar a vontade expressa das testemunhas. 6 - Ao menos, afigura-se-nos que se deveria ter advertido os depoentes de que só se poderiam recusar a depor a respeito de factos que afectassem a posição do seu parente, arguido, impendendo sobre eles o dever da testemunhar quanto ao mais, ou seja, quanto aos delitos em que aquele não teve qualquer comparticipação. 7 - Violaram-se, duma assentada, os artigos 124, 125, 128, 131 n. 1 "in fine" e 134 do Código de Processo Penal e consequentemente, ficou o Tribunal aquém do que devia "ferindo" o princípio da verdade material, por não ter esgotado, como se lhe impunha, o dever de indagar/investigar, quando teve o meio de prova à sua mercê! 8 - Inobservou, também, o artigo 340 do manual legislativo. 9 - O que se quer proteger na norma, desrespeitada e aplicada (artigo 134) é o senso cívico, o núcleo e sentimento familiar, situação que, nos autos, não se verifica. 10 - O Tribunal "ad quem" alargou, abusivamente, o alcance da lei, com isso abdicando do dever de averiguar, e pior, inibindo o Ministério Público de o conseguir. 11 - Sobre o normativo em que alicerçou o Tribunal a sua deliberação que ora recorrida deveria ter colocado aquele outro que obriga à prestação de depoimento (artigos 134 e 131, respectivamente) ou, no mínimo, cumprido aquele primeiro mas cingindo-o aos crimes praticados sob co-autoria, isto é, levados a cabo, também, pelo arguido beneficiário. 12 - Importa, desta maneira, ordenar a audição das testemunhas, aliás essenciais, visto que o arguido A, no uso dum direito que lhe assiste (artigo 343, n. 1 do Código de Processo Penal) silenciou-se quanto aos factos que se lhes atribuem. III - Porém, inconformados ainda com a decisão final dela recorrem para este Supremo Tribunal o arguido B - folha 1774 - e o Ministério Público - folha 1795 -. Na motivação respectiva conclui o recorrente B: 1 - O arguido B foi condenado por se considerarem provados factos que na realidade não praticou; 2 - Para tal, a douta decisão do tribunal colectivo violou o princípio geral de processo penal in dubio pro reo; 3 - A douta decisão baseou-se na excepção àquele princípio da presunção - considerada de uso irregular por ir contra o espírito do artigo 32 n. 2 da Constituição da República Portuguesa; 4 - Para além disso, não considerou na aplicação da medida da pena em concreto, o facto de o arguido ser primário e o seu comportamento irreprimível até à data; 5 - Pelo exposto, a douta decisão violou os preceitos legais dos artigos 17 e 72 do Código Penal, 127 e 147 do Código de Processo Penal e 32 n. 2 da Constituição da República Portuguesa. 6 - Com o douto suprimento que se espera, deverá a mesma ser revogada e consequentemente decretado o reenvio do processo para novo julgamento. Por seu turno na sua motivação conclui o Ministério Público: 1 - A "homologação" da recusa de depoimento proporcionou, concomitantemente, a violação dos artigos 124, 125, 128, 131 n. 1 "in fine", 134 e 410 n. 2 do Código de Processo Penal. 2 - Ao permitir-se essa amputação de prova, gerou-se outra gravosa inobservância legal, que redunda omissão de investigação (artigo 340 do Código de Processo Penal, também) cfr. artigo 410, n. 2 alínea a) do Código de Processo Penal, ainda. 3 - Equivocou-se o Tribunal "a quo" quando, confrontado com a relação de parentesco entre as testemunhas e um outro arguido, alheio aos crimes que interessaria apurar, optou por validar, à luz do artigo 134 do Código de Processo Penal, a recusa, alargou desmesuradamente o alcance literal e, principalmente, espiritual da mensagem do legislador. 4 - Desencadeando um irreversível défice probatório, insustentando, dessa maneira, ilegal, a bondade duma absolvição que decretou naquele âmbito. 5 - Antes se impunha que, face à ausência de contactos de parentesco entre aqueles e o arguido A, tivesse determinado o respectivo depoimento, contribuindo, bem, então, para a formação de uma sólida convicção acerca do cometimento, ou não, dos ilícitos. 6 - Porque tal omissão ignorou o conceito dever de depor, roga-se que seja ordenado o reenvio dos autos (artigo 436 do Código de Processo Penal). IV - Teve vista dos autos a Excelentíssima Procuradora Geral junto deste Supremo Tribunal. Foram colhidos os vistos legais. Procedeu-se a audiência pública. Cumpre conhecer. V - A primeira questão a resolver é a de admissibilidade ou não do depoimento das 2 testemunhas a que o Tribunal admitiu a recusa a depor. No entender do recorrente o Tribunal devia ainda ter...
Para continuar a ler
PEÇA SUA AVALIAÇÃO