Acórdão nº 04A2070 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 06 de Julho de 2004 (caso NULL)

Magistrado ResponsávelPONCE DE LEÃO
Data da Resolução06 de Julho de 2004
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça 1.1.

"A", por si e em representação de seus filhos menores, B e C, veio propor acção com processo ordinário, contra D e Federação Portuguesa de Futebol, pedindo a condenação solidária destes no pagamento da indemnização de 70.030.000$00, acrescidos de juros legais desde a citação até integral pagamento, sendo 50.000.000$00, a título de danos não patrimoniais e 20.030.000$00, a título de danos patrimoniais, tendo, para tanto e em resumo, alegado que: · São, respectivamente, viúva e filhos de E, falecido no dia 18 de Maio de 1996, por ter sido mortalmente atingido por um "very light" disparado pelo réu D, quando ambos assistiam, no Estádio Nacional, em Oeiras, à final da Taça de Portugal disputada entre o Sporting Clube de Portugal e o Sport Lisboa e Benfica; · O espectáculo foi organizado pela ré FPF, que emitiu os respectivos bilhetes de ingresso, recaindo sobre si o dever de classificar o jogo como sendo de alto risco, assegurando o policiamento do recinto desportivo, bem como as medidas de controle indispensáveis, designadamente, impedindo a entrada no recinto de inúmero material perigoso, como o pirotécnico; · Porém, tal não aconteceu, o que veio a permitir a consumação do homicídio, perante a passividade organizativa da ré que omitiu os deveres de cuidado que lhe competiam; · A própria ré o reconheceu na final de 1997, adoptando um conjunto de medidas de segurança mais exigentes, muito embora o jogo não tivesse o risco do realizado na final de 1996, designadamente, providenciando um sistema de vigilância vídeo; houve duas barreiras policiais e os espectadores foram revistados individualmente, o que não acontecera em 1996 e as claques foram separadas do público em geral.

1.2.

Devidamente citados, apenas a R., FPF contestou, por excepção, invocando a sua ilegitimidade e, por impugnação, alegando, em síntese, que classificou o jogo como sendo de "alto risco" e, por esse motivo, em cumprimento do disposto no artigo 2.º, n.º 1 do Decreto-Lei nº 238/92, de 29 de Outubro, requisitou ao Comando da PSP/GNR o policiamento considerado necessário para o efeito, razão pela qual, nenhuma responsabilidade lhe pode ser assacada.

Termina pedindo que a excepção seja julgada procedente, com a consequente absolvição da instância ou, caso assim não se entenda, que a acção seja julgada improcedente, com a necessária absolvição do pedido.

1.3.

Replicaram os autores, respondendo à matéria da excepção.

1.4.

Foi proferido despacho saneador, tendo sido julgada improcedente a deduzida excepção de ilegitimidade e ainda seleccionados os factos assentes e os que constituiriam a base instrutória, os quais foram objecto de reclamação, parcialmente atendida, nos termos do despacho de fls. 318.

1.5.

Realizou-se a audiência de discussão e julgamento com observância do formalismo legal, tendo-se procedido ao registo da prova testemunhal produzida.

1.6.

Finda a audiência, foi proferida a decisão sobre a matéria de facto controvertida, que faz fls. 344 a 350 verso, não tendo as partes formulado qualquer reclamação sobre a mesma.

1.7.

Foram dados como provados os factos seguintes: 1 - Em 18.5.96 faleceu E, de 36 anos de idade, no estado de casado com a 1.ª Autora A; 2 - Os 2.ºs e 3.ºs AA., B e C, são filhos da 1.ª A. e do falecido E, tendo nascido, respectivamente, a 14.6.81 e 11.12.87; 3 - Em 18.5.96, o E deslocou-se ao Estádio Nacional, na Cruz Quebrada, em Oeiras, para assistir à final do jogo de futebol da Taça de Portugal, a disputar entre as equipas do Sporting Clube de Portugal e do Sport Lisboa e Benfica; 4 - Para tanto adquiriu o respectivo ingresso emitido pela 2.ª ré e ocupou no estádio o lugar que lhe competia, situado no sector 17, do topo norte, entre os adeptos do Sporting Clube de Portugal; 5 - Por sua vez, o 1.° réu deslocou-se, igualmente, ao Estádio Nacional para assistir ao referido jogo, ocupando um lugar nas primeiras filas do sector 17, topo sul, junto dos adeptos do Sport Lisboa e Benfica, mais precisamente junto da claque "No Name Boys", ou seja, do lado oposto àquele em se encontrava o E; 6 - Os referidos sectores encontram-se distanciados um do outro cerca de 200 metros; 7 - Antes do início do jogo, sensivelmente na ocasião em que alguns pára-quedistas largados de helicóptero faziam a sua aproximação ao relvado, o 1.° réu disparou um "rocket", tipo "very ligth", que detinha em seu poder, na direcção da parte superior do sector 17, reservado aos adeptos sportinguistas e que já na altura se encontrava repleto de pessoas; 8 - Tal "rocket" descreveu uma trajectória em arco, indo cair acima das bancadas, sobre umas árvores situadas a cerca de 230 metros de distância e junto das instalações sanitárias que se sobrepõem àquelas bancadas, provocando um incêndio nas referidas árvores, que foi bem visível a todos os ocupantes do estádio; 9 - Após o início do jogo, cerca de dez minutos decorridos sobre o mesmo, a equipa benfiquista marcou o seu primeiro golo; 10 - Nessa ocasião o 1° réu lançou do mesmo local onde se encontrava um segundo "rocket", mas numa trajectória tensa e quase em linha recta, que sobrevoou o terreno de jogo e pistas, indo embater directamente no corpo do E, que se encontrava no local acima indicado; 11 - Face à violência do impacto e à explosão da carga propulsora do "rocket", que atingiu cerca de 600° centígrados dentro do corpo do E, sofreu este ferida perfuro-contundente na região para-external esquerda, situada 14 cm. abaixo do plano horizontal que passa pelos ombros, tendo o orifício aberto um diâmetro de sete centímetros com eixo maior horizontal, com os bordos queimados e com visualização de tecidos moles no interior; 12 - Tal impacto originou laceração da traqueia, lobos pulmonares direitos queimados com pólvora ardente, hemorragias sub-endocardias, laceração dos arcos posteriores das 6ª e 8ª costelas direitas e da espessura da musculatura intercostal, congestão meningo-encefálica, queimaduras da musculatura peitoral direita e asfixia por intoxicação por monóxido de carbono, lesões que por si só ou associadas, foram causa da morte antes mencionada; 13 - Por decisão penal proferida em 13.2.98, transitada em julgado, o 1° réu foi condenado como autor de um crime de homicídio com negligência grosseira; 14 - A 2ª ré foi a entidade organizadora do jogo de futebol em causa, classificando o mesmo de "alto risco" e competindo-lhe solicitar e assegurar o policiamento do recinto desportivo respectivo; 15 - Antes do jogo, as claques do Sporting e do Benfica partiram do Terreiro do Paço e aí foi disparado, por um elemento da claque do Benfica não identificado, um "very light"; 16 - As autoridades policiais que estavam no local tiveram conhecimento do "lançamento do 1° rocket"; 17 - Com autorização da 2ª ré, uma carrinha da claque benfiquista teve facultado o ingresso no recinto; 18 - A qual - carrinha - da claque benfiquista não foi revistada pelos agentes da PSP que estavam no local e a acompanharam; 19 - O Estádio Nacional não tinha um sistema de controle vídeo de vigilância e a revista feita à entrada do Estádio pelos agentes da PSP consistia na mera apalpação, não abrangendo todos os espectadores, desde logo, pela falta de torniquetes nas entradas do mesmo recinto; 20 - Para a preparação do jogo da final da Taça de Portugal, mais concretamente no dia 8.5.96, a ré, FPF, reuniu com os responsáveis pela organização do evento, onde estiveram os representantes da FPF, da Associação de Futebol de Lisboa, do Estádio do Jamor, da PSP de Oeiras, do Batalhão de Trânsito da GNR e dos Bombeiros de Linda-a-Pastora; 21 - Na véspera do jogo verificou-se nova reunião, em que participaram representantes da FPF, da Edilidade de Lisboa, da AFL, do Sporting Clube de Portugal, do Sport Lisboa e Benfica, representantes das respectivas claques, da PSP e da GNR, com a finalidade de pacificar os ânimos entre os vários intervenientes no jogo da final da Taça de Portugal; 22 - As reuniões em causa tiveram por finalidade a estatuição e adopção de todas as medidas de segurança que o evento implicava, nomeadamente, encontros com as claques dos clubes intervenientes, número de agentes da PSP e da GNR, separação de claques e forma de controle dos espectadores; 23 - As despesas de policiamento no ano de 1995 foram de 3.637.685$00 e no ano de 1996 foram de 7.379.350$00; 24 - As claques dos clubes intervenientes na final da Taça de Portugal de 1996 foram acompanhadas pelas forças policiais ficando em sectores separados e vigiados, cada uma, por quinze agentes policiais; 25 - Na entrada do Estádio Nacional estava prevista uma revista obrigatória, ao mesmo tempo que o espectador deveria mostrar o bilhete de ingresso no estádio e, numa segunda barreira, o bilhete seria inutilizado e podia haver uma segunda revista, a título aleatório; 26 - As claques dos clubes intervenientes na final da Taça de Portugal de 1996 foram devidamente acompanhadas pelas forças policiais ficando em sectores separados e rodeados por forte dispositivo de segurança; 27 - Para a final de 1997 da Taça de Portugal, a entidade responsável pelo Estádio Nacional, o Instituto dos Desportos, providenciou a instalação, a título experimental, dum sistema de vigilância - sistema esse de vídeo; 28 - Além disso e visando impedir a introdução dentro do recinto desportivo de objectos susceptíveis de possibilitar actos de violência foi assegurada a formação de duas barreiras policiais de controle das entradas, onde cada espectador foi individualmente revistado e controlado, através de detectores de metais; 29 - Além disso e com o objectivo de separar as claques das equipas participantes do público em geral, foram, então, erguidas duas vedações; 30 - Face às equipas participantes em 1997 - "Boavista F.C." e "Sport Lisboa e Benfica", quando comparadas com as equipas participantes em 1996 - "Benfica" e "Sporting" -, o risco de ocorrência de incidentes era menor em 1997 do que em 1996, por força do maior ambiente de hostilidade entre as...

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