Acórdão nº 04B2576 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 14 de Outubro de 2004 (caso NULL)

Magistrado ResponsávelARAÚJO BARROS
Data da Resolução14 de Outubro de 2004
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: A Freguesia de Portuzelo, do concelho de Viana do Castelo, intentou acção declarativa, com processo ordinário, contra A pedindo: a) se declare que a autora é dona e legítima possuidora de um caminho público que identifica nos artigos 6º a 10º da petição; b) a condenação da ré a reconhecer esse direito e a abster-se de o perturbar e, ainda, a repor o caminho no estado em que se encontrava; d) a pagar à autora, a título de indemnização pelos danos causados, a quantia de 339.000$00.

Alegou, para tanto, em síntese, que: - o caminho em causa nos autos faz parte do domínio público da autora; - pelo mesmo, desde tempos imemoriais, sempre passaram as pessoas, as de Portuzelo e de qualquer outra parte do país, para aceder da EN 202 ao lugar da fonte Grossa/Barrosa e vice-versa; - foi sempre a autora que cuidou da limpeza e conservação desse caminho, fazendo obras e benfeitorias, de forma a tornar viável a sua utilização, como sendo coisa sua e na convicção de que está a tratar de coisa própria, à vista de toda a gente, sem oposição e de boa fé, e as pessoas que o utilizam fazem-no convictas de que estão a usar coisa pública; - a ré é dona de uma leira de cultivo que confronta do nascente com esse caminho numa parte (cerca de 150 metros) do percurso do mesmo, e mandou colocar umas pedras, uma rede e abrir uma vala, com cerca de 2 metros de profundidade, nas estremas e a meio desse percurso, de forma a impedir a utilização desse caminho pela população.

Contestou a ré, pugnando pela improcedência da acção, e formulou pedido reconvencional no sentido de ser declarado que o caminho, que apelida de carreiro, em causa nos autos tem a natureza de um atravessadouro, tal como é definido no artigo 1383º do C.Civil, e que por tal motivo se encontra abolido.

Sustenta, para o efeito, que: - esse caminho ou carreiro jamais se integrou no domínio público estando a parte que deu origem a estes autos integrada no seu prédio e fazendo parte do mesmo; - esse carreiro não passa de um atalho entre vias públicas, ou seja, de um carreiro de pé posto, destinado a encurtar distâncias que nasceu da circulação que os moradores do lugar da Barrosa começaram a fazer com essa finalidade, quando a linha férrea do Vale do Lima, que chegou a ser aberta, foi abandonada pelo facto da CP ter desistido de pôr nela a circular comboios; - esse carreiro tinha uma largura não superior a 0,5 metros em toda a sua extensão, permitindo apenas que as pessoas circulassem vagarosamente e em fila indiana; - actualmente quase não tem utilidade e só meia dúzia de operários terão interesse em por aí circular, o que não justifica o ónus que a ré tem de suportar, tanto mais que no prédio onde o mesmo está integrado pretende construir uma casa.

A autora replicou, impugnando a matéria reconvencional alegada pela ré e concluindo como na petição inicial.

Foi elaborado despacho saneador e seleccionada a matéria de facto assente e a controvertida relevante para a decisão da causa, que constituiu a base instrutória. Após instrução do processo, procedeu-se à audiência de discussão e julgamento, com decisão acerca da matéria de facto controvertida, vindo, depois, a ser proferida sentença que decidiu: a) julgar improcedente, por não provada, a acção e procedente, por provado, o pedido reconvencional; b) absolver a ré A dos pedidos contra si formulados pela autora Junta de Freguesia de Portuzelo; c) reconhecer que se encontra abolido o atravessadouro identificado na alínea A) da matéria assente na parte em que o mesmo atravessa o prédio da ré, ou seja, nos primeiros 150 metros do seu percurso, contados desde a entrada sul, localizada junto à EN 202, até ao início da parte cimentada situada junto à casa de B.

Não se conformando com a decisão, dela apelou a autora, com relativo êxito, já que o Tribunal da Relação de Guimarães, em acórdão de 11 de Fevereiro de 2004, concedendo parcial provimento ao recurso, revogou a sentença na parte em que julgou procedente por provado o pedido reconvencional, absolvendo a autora desse pedido, mantendo-a, no demais, isto é, no tocante à absolvição da ré dos pedidos contra ela formulados pela autora.

Interpôs, ainda a autora, recurso de revista, pretendendo a revogação do acórdão recorrido e que, em consequência, seja julgada procedente a acção.

Em contra-alegações defendeu a recorrida a bondade do decidido.

Verificados os pressupostos de validade e de regularidade da instância, corridos os vistos, cumpre decidir.

Nas alegações do presente recurso formulou a recorrente as conclusões seguintes (sendo, em princípio, pelo seu teor que se delimitam as questões a apreciar - arts. 690º, nº 1 e 684º, nº 3, do C.Proc.Civil): 1. A recorrente provou que, desde tempos imemoriais, ou seja, há mais de 150 anos e de que a memória dos vivos já não recorda, qualquer pessoa, quer de Portuzelo, quer de qualquer parte do país, passa pelo caminho identificado nos factos provados, sem que ninguém se oponha à passagem do público por tal caminho.

  1. A recorrida não alegou factos (e, em consequência, não os podia ter provado), que o caminho em causa nos autos fazia parte, ou atravessava o seu prédio identificado na al. H) dos Factos Assentes.

  2. No acórdão recorrido interpretou-se o Assento deste STJ, de 19/04/89, no sentido de que, se um caminho público que atravesse um terreno particular, ou dele faça parte, tal Assento devia ser interpretado restritivamente, desde que não houvesse utilidade na sua continuação de uso público.

  3. Há, assim, contradição entre a decisão, os fundamentos e a matéria de facto dada como provada.

  4. Pois que não ficou provado (cfr. resposta ao quesito 14°) que o leito do caminho em causa nos autos fizesse parte ou atravessasse o prédio da recorrida.

  5. Logo, não devia sequer ser abordada a questão de menor utilidade do uso do caminho em causa.

  6. Nem, tão-pouco, a questão da desafectação tácita do domínio público de tal caminho.

  7. Mesmo que assim se não entenda, não houve perda total da utilidade do caminho público em causa, há apenas, de momento uma utilização menor desse caminho pelo público.

  8. E, ainda, a entender-se que houve desafectação do domínio público de tal caminho, a sua propriedade passou para o domínio privado da recorrente e, não, da recorrida, pelo que a acção deveria, na mesma, proceder.

  9. O acórdão recorrido padece de nulidade, já que há contradição entre a matéria de facto, os fundamentos e a decisão, verificando-se, por isso, o disposto no art. 668 n° 1, al. c), ex vi do art. 716 n° 1 do CPC.

  10. Os Exmos. Senhores Desembargadores, com o devido respeito, fizeram errada interpretação e aplicação do Assento deste STJ, de 19/04/89 (BMJ 386, pag. 117), em vigor, pois que, no caso sub judice, não se justificava a sua interpretação restritiva, já que a recorrida não provou que o leito do troço de caminho em causa fazia parte ou atravessava o seu prédio identificado na al. H) dos Factos Assentes.

No acórdão recorrido foi definitivamente fixada a seguinte a matéria de facto: i) - na freguesia de Portuzelo existe um caminho que tem o seu início na EN nº 202 (Viana do Castelo-Ponte de Lima) no lugar da Fonte Grossa, em frente às bombas de gasolina "Portuzelo", correndo de...

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