Acórdão nº 04B869 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 29 de Abril de 2004 (caso NULL)
Magistrado Responsável | ARAÚJO BARROS |
Data da Resolução | 29 de Abril de 2004 |
Emissor | Supremo Tribunal de Justiça (Portugal) |
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: "A, S.A." intentou acção declarativa de condenação, com processo ordinário, contra "B, Lda." peticionando a condenação desta a pagar-lhe a quantia de 88.435.759$00 referente ao fornecimento de energia eléctrica, acrescida de juros de mora, à taxa legal, a partir da citação. Alegou, para tanto, que: - houve um erro de contagem do volume de energia eléctrica que fornecera à ré, no âmbito de um contrato de fornecimento desta energia celebrado entre ambas; - tal erro ocorreu por defeito de fabrico da aparelhagem destinada a fazer a medição da energia, aparelhagem essa que foi montada pela autora nas instalações da ré, em Outubro de 1991, e que consistiu num contador de energia activa, contador de energia reactiva, transformadores de intensidade e relógio de contacto; - em consequência do defeito de fabrico, o aparelho contou apenas um terço da energia efectivamente consumida entre Outubro de 1991 a Dezembro de 1997, tendo a ré pago apenas um terço da energia realmente consumida; - a diferença entre o valor da energia consumida e o valor efectivamente pago atinge o montante total de 84.224.532$00, a que acresce o IVA à taxa de 5%, o que perfaz a quantia global de 88.435.759$00. Contestou a ré, sustentando, essencialmente, que: - a existir, o direito invocado pela autora caducou, porque o fornecimento em causa foi de energia eléctrica em média tensão e as relações entre ambas as partes estabelecidas por via desse contrato, estão reguladas pela Lei nº. 23/96, de 2 de Julho, caducidade que deriva do seu art. 10º, nº. 2; - ora, a factura relativa ao último mês alegadamente mal calculada (Dezembro de 1997) venceu-se em 23 de Janeiro de 1998, tendo sido paga pela ré através do cheque nº. 254130236, sacado pela ré sobre o Banco Totta & Açores em 24 de Janeiro de 1998; - assim sendo, há que concluir terem ocorrido todos os pagamentos em relação aos quais a autora alega existir um erro de contagem, pelo menos seis meses antes da propositura da acção; - o direito invocado pela autora sempre teria caducado face ao disposto no nº. 1 do art. 890º do Código Civil; - o direito da autora prescreveu, face ao disposto no nº. 1 do artigo 10º da Lei nº. 23/96 de 26 de Julho, pois a presente acção entrou em tribunal no dia 27 de Outubro de 1998, e, nesta data, haviam já decorrido mais de 6 meses sobre a data em que o último fornecimento havia sido prestado, o qual ocorreu em Dezembro de 1997; - subsidiariamente, a favor da prescrição, aplica-se o disposto na alínea g) do art. 310º do Código Civil, norma face à qual (conjugada com o disposto no nº. 2 do artigo 323º do mesmo diploma) sempre teriam que se considerar prescritos todos os créditos reclamados pela autora relativos a fornecimentos de energia vencidos até cinco anos antes de 2 de Novembro de 1998; - nunca reconheceu os direitos alegados pela autora na petição, tendo-se limitado a pagar as facturas que esta lhe apresentava, confiando que correspondiam ao efectivamente devido; - desconhece, sem obrigação de conhecer, se ocorreu algum erro na facturação da energia eléctrica, que a ter existido derivará de causas exclusivamente imputáveis à autora, sendo certo que coube sempre a esta, contratualmente, a vigilância e fiscalização das boas condições de funcionamento dos aparelhos montados pelos seus serviços técnicos, desconhecendo se o alegado defeito do contador existiria desde Outubro de 1991 ou se teria surgido em momento posterior como consequência de qualquer intervenção técnica por parte dos funcionários da autora; - não é lícito à autora estabelecer, como fez, qualquer relação entre as diferenças de consumo verificadas e alegadamente comparadas a partir de Janeiro de 1998, com eventuais, mas sempre incertas e, porventura inexistentes, diferenças nos consumos e facturações anteriores, as quais, a terem existido sempre serão incomensuráveis ou, pelo menos, dificilmente mensuráveis; - a ré, partindo da hipótese de que houve erro, não se enriqueceu à custa da autora, na medida em que apenas repercutiu nos preços finais dos seus produtos, o custo efectivamente suportado em energia eléctrica, não tendo, assim, aproveitado, por qualquer forma, tal erro, situação de que só os seus clientes terão eventualmente beneficiado; - a autora litiga com má fé porque afirma no artigo 3º da petição que forneceu continuamente à ré desde Outubro de 1991, energia eléctrica em alta tensão, quando não podia desconhecer que contrariava frontalmente a realidade, falseando-a, pois a energia fornecida foi em média tensão, o que tem relevância para a aplicação ou não aplicação do regime da prescrição e caducidade previsto no artigo 10º da Lei nº. 23/96 de 26 de Julho, do qual está excluído expressamente o fornecimento de energia eléctrica em alta tensão. Deduzindo reconvenção, subsidiariamente, para a hipótese do pedido principal ser julgado provado e procedente, ainda que parcialmente, pediu a condenação da autora, pelo menos na exacta medida da condenação que à ré venha a ser imposta, no pagamento de quantia até 88.435.759$00, ou quantia inferior em que a ré venha a ser condenada, devendo qualquer uma destas quantias ser acrescida dos juros de mora desde a data em que ocorreu a citação da ré para os termos da acção, devendo ainda a autora pagar à ré quaisquer outros danos que, porventura, da procedência da acção venham a resultar para a ré e cuja liquidação, por serem ainda de montante e mesmo existência desconhecidos, deverá ser relegada para execução de sentença. Alegou, nesse sentido, que: - o fundamento da acção consiste na existência de um alegado erro de facturação, verificado pela autora no final do ano de 1997, que se verificaria desde a instalação do contador em 1991; - a provarem-se tais factos, estes revelam em si próprios uma situação de incumprimento das obrigações contratuais por parte da autora, que levando à procedência da acção causariam graves danos patrimoniais à ré, dos quais deverá ser indemnizada; - a autora bem sabia que a ré destinava a energia fornecida ao fabrico dos produtos da sua actividade industrial, e que o custo da energia era imputado no custo final dos produtos, assim repercutindo no seu cliente o preço da energia que efectivamente pagou para obter o produto vendido; - impunha-se, assim, à autora rigor na medição e consequente facturação de energia; - desta forma, a ré não pode agora introduzir a diferença de preço exigida pela autora no custo normal da sua produção, o que significa que o montante em que eventualmente venha a ser condenada constituirá um custo não recuperável, constituindo a exigência da autora um verdadeiro prejuízo patrimonial para a ré; - a título de exemplo, verifica-se que, relativamente ao ano de 1997, o custo em electricidade para cada tijolo por si fabricado com as medidas 30x20x11, e que representou cerca de 57,5% da produção fabril, foi de 1$06, mas seria de 2$83, tendo em conta a alegada facturação ora reclamada pela autora; - por outro lado, a ré, com uma facturação prevista para o seu sector de cerâmica, no ano de 1998, de 265.460 contos, e com uma facturação, naquele sector, verificado durante o ano de 1997, de 214.008 contos, não pode suportar, sem encarar seriamente a possibilidade de falir, tal custo; - ademais, em Março de 1996 a ré candidatou-se à atribuição de um subsídio ao abrigo do Sistema de Incentivos Regionais, tendo-lhe sido concedido um subsídio monetário no montante de 33.965.482$00, para cujo cômputo apresentou, no estudo que elaborou, custos energéticos calculados com base nos valores facturados pela autora, o que significa que, a ser considerada a existência do alegado erro e a verificar-se a condenação da ré no seu pagamento, terá esta, no subsídio atribuído, sido prejudicada em montante proporcional ao da deficiente previsão dos custos energéticos aí apresentados; - prejuízo este, contudo, que só existirá se e na medida em que o pedido formulado for julgado procedente, pelo que não é possível, também, proceder à sua liquidação. Na réplica a autora sustenta, em síntese, que: - os nºs. 1 e 2 do art. 10º da Lei nº. 23/96 não têm aplicação ao presente caso, na medida em que ambas as partes acordaram no fornecimento de energia eléctrica sob a forma de corrente alternada trifásica à frequência de 50 HZ e à tensão nominal de 15 KV entre fases no local de entrega, com as tolerâncias regulamentares aprovadas quanto à tensão e à frequência e que a energia seria entregue no posto de transformação propriedade da ré; - o contrato foi elaborado ao abrigo das Condições Gerais de Venda de Energia Eléctrica em Alta Tensão anexas ao Dec. lei nº. 43.335, de 16 de Novembro de 1960 e os fornecimentos efectuados no âmbito do aludido contrato são considerados para todos os efeitos como um fornecimento em alta tensão, mesmo que o posto de transformação seja do distribuidor e a contagem se faça em baixa tensão; - o citado diploma considera fornecimentos em alta tensão os fornecimentos em corrente alternada superiores a 1.000 volts; - por outro lado, a linha que abastece o posto de transformação da ré é uma linha eléctrica cujo valor constante da tensão nominal é de 15.000 volts, tratando-se inequivocamente de um abastecimento em alta tensão conforme definição constante do nº. 51 do artigo 42º do Decreto Regulamentar nº. 1/92, de 18 de Fevereiro; - não se aplica ao caso o disposto nos artigos 890º e seguintes do Código Civil porque o consumo efectuado e a potência tomada pela ré não foram pré-determinados, conforme sustenta a doutrina dominante, designadamente Adriano Vaz Serra e a jurisprudência dominante, sobretudo o Ac. STJ de 31/05/94 (CJSTJ II - II - 121); - a ré conhecia a energia que as suas máquinas consumiam e não podia desconhecer que não pagava mensalmente toda a energia que consumia e a potência que tomava, tanto mais que as facturas que lhe foram sendo enviadas discriminavam de forma exaustiva os valores lidos e os consumos registados e os respectivos preços unitários; - o...
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