Acórdão nº 552/07.4TBPBL.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 23 de Fevereiro de 2010

Magistrado ResponsávelALBERTO RUÇO
Data da Resolução23 de Fevereiro de 2010
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra (2.ª secção cível): * Recorrente (Autora)…………………A (…), S. A., pessoa colectiva n.º 504 394 029, com sede na Rua (…), em Lisboa.

Recorrido (Ré)……………………….B (…), Ld.ª pessoa colectiva n.º 500 040 303, com sede na Rua (…), .....

* I. Relatório: a) A recorrente A (…), S. A. instaurou contra a ré B (…) a presente acção declarativa de condenação, com processo ordinário, com o fim de obter a condenação desta a pagar-lhe a quantia de €215.696,93 euros, referente a energia eléctrica fornecida e não paga, acrescida de juros de mora vencidos, no montante de €8.834,58 euros, bem como os vincendos até integral pagamento.

Funda o pedido no facto de ter descoberto, em 17 de Julho de 2005, no âmbito de uma campanha de telecontagem efectuada pelos seus serviços técnicos, uma anomalia no equipamento de contagem de energia eléctrica colocado nas instalações do posto de transformação (PT) privativo da Ré, a qual implicou a contagem, com prejuízo para a Autora, de menos 1/3 em relação ao consumo real da Ré, o que se reflectiu na facturação.

Por conseguinte, pelo menos desde Janeiro de 1997 até Junho de 2005, a Autora apenas facturou 2/3 da energia e potência efectivamente fornecidas, encontrando-se em dívida a quantia acima mencionada, que a Ré se recusou a pagar quando foi interpelada para o fazer.

A Ré contestou.

Colocando de parte outras questões por si suscitadas e já resolvidas no processo, a Ré invocou a caducidade do direito da Autora, nos termos do n.º 2 do artigo 10.º da Lei n.º 23/96, de 26 de Julho, onde se dispõe que «Se, por erro do prestador do serviço, foi paga importância inferior à que corresponde ao consumo efectuado, o direito ao recebimento da diferença de preço caduca dentro de seis meses após aquele pagamento».

Subsidiariamente alegou que o seu prejuízo é rigorosamente igual ao valor do crédito da Autora, pois, por desconhecer o erro da Autora, a Ré ficou impedida de considerar o custo efectivo da energia consumida, não o tendo podido reflectir no preço final do azulejo por si comercializado, excepcionando, assim, a compensação de créditos.

Imputou à Autora uma actuação com abuso de direito e impugnou a factualidade alegada na petição inicial.

A Autora replicou sustentando a improcedência da excepção de caducidade, na medida em que só tomou conhecimento do direito que lhe competia no dia 19 de Outubro de 2005; e por não se aplicar ao caso o disposto no artigo 10.º da Lei n.º 23/96, devido a tratar-se de fornecimento de energia eléctrica em «média tensão».

A sentença recorrida absolveu a Ré do pedido com base na procedência da excepção peremptória da caducidade prevista no artigo 10.º da Lei n.º 23/96, de 26 de Julho.

  1. A Autora recorre, em síntese, porque entende que o conceito de «alta tensão» que consta do n.º 5, do artigo 10.º da Lei n.º 23/96, de 26 de Julho, inclui o fornecimento de energia eléctrica em «média tensão» e, sendo assim, a caducidade aí prevista não se aplica ao caso dos autos.

    Juntou em abono desta tese dois pareceres um do Sr. Professor Rui de Alarcão (FDUC) e outro do Sr. Professor Jorge Miranda (FDUL e UC).

    A recorrente conclui desta forma: 1 – Toda a estrutura do sector eléctrico, na perspectiva da distribuição, está, desde sempre, assente em dois grandes níveis de tensão – a «alta tensão» e a «baixa tensão».

    2 – A estrutura da facturação dos clientes fornecidos em «alta tensão», nas suas variantes de Média, Alta e Muito Alta Tensão, é em tudo semelhante, diferindo substancialmente da estrutura simplificada da facturação de «baixa tensão».

    3 – A classificação dos níveis de tensão em Baixa Tensão Normal, Baixa Tensão Especial, Média Tensão, Alta Tensão e Muito Alta Tensão é eminentemente especifica dos fins tarifários, ou seja, diz respeito apenas e só às regras tarifárias, indicando também a «qualidade» do cliente.

    4 – A aplicação directa das definições constantes dos decretos-lei de 1995 é neles expressamente restringida ao seu âmbito próprio.

    5 – E a Lei n.º 23/96 não respeita a questões tarifárias, sendo indubitável que o n.º 3 do artigo 10.º desta lei acolhe o sentido lato de «alta tensão», resultando claro do relatório da proposta de lei que o legislador pretendeu excluir do âmbito de aplicação dos prazos de prescrição e caducidade os grandes clientes (consumidores/utentes) que não são consumidores finais, mas recebem a energia nos seus postos de transformação, transformando-a e consumindo-a como bem entendem, pelo que excepciona daquela aplicação, nos termos do n.º 3, o «fornecimento de energia eléctrica em alta tensão»; 6 – Por conseguinte, no âmbito da Lei n.º 23/96, «alta tensão», reflecte o conceito comum de toda a tensão que não é «baixa», isto é, tensão superior a 1 Kv; 7 – Se assim não se entendesse, teria que se admitir que a Muito Alta Tensão (que fornece os maiores consumidores industriais/comerciais de electricidade) também não estava excluída, nos termos do n.º 3 do artigo 10.º da supra citada Lei, o que é impensável e contraria claramente os objectivos da lei.

    8 - Ao estabelecer a exclusão do n.º 3, o legislador entendeu que, para os utentes de energia eléctrica em «alta tensão» não se verificam riscos que justifiquem a especial preclusão (de curto prazo) do crédito do fornecedor.

    9 – E tal interpretação é a única compatível com o princípio constitucional da igualdade, enquanto proibição do arbítrio.

    10 – Ou seja, consumidores iguais (em termos de tarifação, instalação eléctrica, obrigações de licenciamento, etc.) tratados de forma desigual, conferindo a uns uma protecção e tutela (v. g. em matéria de prazos prescricionais e caducidade) que a outros é negada.

    11 – Nos termos de parecer junto com o presente recurso, da autoria do Sr. Prof. Doutor Jorge Miranda, admitir que as regras sobre prescrição e caducidade do pagamento de energia eléctrica da Lei n.º 23/96 possam estender-se aos consumidores de média tensão, admitir que eles não se achem compreendidos no artigo 10.º, n.º 5, equivale a atribuir-lhes um excesso de protecção em confronto com a protecção conferida aos consumidores em «baixa tensão», aos clientes domésticos e aos consumidores finais (...).

    12 – Do teor do contrato celebrado com a Autora/Recorrente resulta que esta é um grande consumidor industrial de energia eléctrica (ainda hoje), que utiliza a corrente eléctrica no exercício da sua actividade industrial, a que não é aplicável o disposto na Lei n.º 23/96 de 26 de Julho, porquanto, esta lei visou criar mecanismos de protecção do pequeno e médio consumidor de «baixa tensão», o consumidor final, categoria na qual a empresa Ré não se enquadra.

    13 - Consequentemente, em virtude do fornecimento de energia eléctrica para uso industrial da recorrida ser efectuado à tensão de 30 Kv, é um fornecimento em Alta Tensão, pelo que, ex vi do n.º 3, não lhe são aplicáveis os n.º 1 e 2 do artigo 10.º da Lei 23/96, de 26 de Julho.

    14 - Este entendimento não foi e não é posto em causa pela Lei n.º 12/2008, de 24 de Fevereiro de 2008, que entretanto veio a entrar em vigor, porquanto se mantiveram os quatro níveis de tensão anteriormente previstos, conforme parecer dos Srs. Professores de Direito, Rui de Alarcão e Manuel Henrique Mesquita, ao quais mantiveram como válida a doutrina sustentada em parecer já elaborado em 2005, para além do supra citado parecer do Prof. Jorge Miranda, que segue o mesmo entendimento, sufragando a inconstitucionalidade da interpretação literal do artigo 10.º, n.º 5 da lei citada, no sentido de que se encontra apenas ressalvada desse regime de prescrição e caducidade o fornecimento de energia em «alta tensão», dele se excluindo quer o fornecimento em «muito alta tensão» quer o fornecimento em «média tensão»; 15 – Inconstitucionalidade decorrente da clamorosa afronta aos princípios constitucionais da proporcionalidade e da igualdade, porquanto existe um paralelismo substancial entre a relação de fornecimento de energia eléctrica em «média tensão» e a relação de fornecimento em «alta tensão» stricto sensu (entendida como a tensão superior a 45 kV e igual ou inferior a 110 kV); 16 – A sentença infringiu as normas previstas na Constituição da República Portuguesa (art.º 13.º), a alínea g) do art. 310.º do Código Civil, as normas dos n.º 1 e 3 do artigo 10.º da Lei n.º 23/96, não atendeu à restrição imposta pelo Dec. Lei n.º 182/96 quanto à utilização das noções nele consignadas e esqueceu as definições que constam do Decreto Regulamentar n.º 98/84, de 26 de Dezembro, e Decreto Regulamentar n.º 1/92, de 18 de Fevereiro.

    Não houve contra-alegações.

  2. O objecto do recurso consiste, por conseguinte, em determinar: 1 – Se o conceito de «alta tensão» constante do n.º 3, da Lei n.º 23/96, de 26 de Julho (correspondente ao actual n.º 5, após as alterações introduzidas pela Lei n.º 12/2008), abrange ou não abrange no seu âmbito o fornecimento a que se referem os autos, qualificado como de «média tensão», ou seja, se para efeitos desta norma o fornecimento de energia eléctrica se divide entre «baixa tensão» e «não baixa tensão» (incluindo aqui a «média tensão», a «alta tensão» e a «muito alta tensão»).

    2 – Caso a decisão seja no sentido de que o mencionado conceito legal de «alta tensão» não abarca os fornecimentos denominados e «média tensão», verificar se existe ou não existe inconstitucionalidade da norma constante do n.º 3 do artigo 10.º da Lei n.º 23/96, de 26 de Julho, por infracção ao disposto no artigo 13.º da Constituição da República.

    1. Fundamentação.

    1. A matéria provada é esta: 1. A Autora dedica-se à distribuição de energia eléctrica, resultando da fusão de várias sociedades, incluindo a (…), S. A., e encontra-se registada na Conservatória do Registo Comercial de Lisboa sob o n.º 8847.

      1. A Ré dedica-se ao fabrico de azulejos.

      2. Por escrito celebrado entre a (…) e a Ré, em Dezembro de 1973, aquela obrigou-se a fornecer energia eléctrica necessária à actividade comercial da Ré, sendo a energia fornecida sob forma de corrente alternada...

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