Acórdão nº 04P140 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 17 de Março de 2004 (caso NULL)

Magistrado ResponsávelHENRIQUES GASPAR
Data da Resolução17 de Março de 2004
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam na Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça: 1. O Ministério Público acusa A, identificado no processo, imputando-lhe a prática, em autoria imediata, na forma consumada e em concurso real, de: três crimes de abuso de confiança p.p. pelo art. 205°, n° 1, do Código Penal, dois crimes de burla p.p. pelo art. 217°, n° 1, do Código Penal, e dois crimes de falsificação de documento p.p. pelo art. 256°, n° 1, alínea a), do Código Penal.

A assistente "B, Produtos Químicos de Manutenção Industrial, Lda.", invocando factos coincidentes com os da acusação, deduziu contra o arguido pedido para reparação dos danos patrimoniais, reclamando o pagamento da quantia de juros.. (pedido deduzido a fls. 253 e segs.).

Julgado pelo tribunal colectivo de Viana do Castelo, foi absolvido dos crimes de burla e falsificação de que vinha acusado; mas condenado pela prática, como autor material e em concurso efectivo, de três crimes de abuso de confiança, p. e p. pelo art. 205° n° 1, do Código Penal, nas penas de 11 (onze), 9 (nove) e 12 (doze) meses de prisão; Em cúmulo jurídico de penas, considerando em conjunto os factos e a personalidade, nos termos do art° 77°, do Cód. Penal, o arguido foi condenado na pena única de um ano e oito meses de prisão.

O arguido foi também condenado a pagar à assistente/demandante a quantia de € 10.420,66, acrescida de juros, vencidos e vincendos, desde a notificação do pedido até integral pagamento, a título de indemnização pelos danos patrimoniais causados.

Nos termos do disposto no art° 50° e 51°, n° 1, do C. Penal, o tribunal suspendeu a execução da pena de prisão aplicada ao arguido pelo período de três anos, sob condição do arguido proceder à reparação dos danos causados, pagando à assistente o montante da indemnização fixado no prazo máximo de seis meses metade dessa quantia e no prazo máximo de um ano a metade restante, contados desde o trânsito da decisão.

  1. Não se conformando com o decidido, o arguido interpõe recurso para este Supremo Tribunal, que motivou, terminando com a formulação das seguintes conclusões: 1ª- Nos crimes de abuso de confiança, a exigência do dolo passa pela intenção do autor na apropriação de algo entregue, e que inverte o título de posse, sabendo prejudicar o dono da coisa.

    1. - Não comete o crime de abuso de confiança o vendedor comissionista que se apropria de produtos da venda com a intenção de as fazer suas para se pagar das comissões em divida pela empresa vendedora.

    2. - Não pode ser condenado pela pratica de três crimes de burla [quis-se dizer, certamente, abuso de confiança], aquele que se apropria de valores, numa mesma sequência de tempo, pertencentes a uma mesma entidade e com um único propósito, cometendo um único crime na forma continuada.

    3. - Não pode condenar-se o vendedor comissionista a pagar todo o produto das vendas, sem fazer o desconto das comissões a que tem direito.

    4. - O vendedor comissionista não perde o direito a receber as comissões sobre as quantias com que se locupletou.

    5. - Não pode, em processo crime, absolver-se o arguido da prática do crime e simultaneamente condená-lo pelo pedido cível.

    6. - O tribunal criminal que condena no pedido cível, depois de ter absolvido o arguido pelo crime que permitiria a condenação, comete uma violação da competência dos tribunais em razão da matéria.

    7. - Absolvendo-se o arguido de um processo crime, por não se ter provado o crime, entendendo-se que há lugar a ressarcimento, terá que tal decisão efectivar-se nos tribunais cíveis.

    8. -A absolvição em processo crime do arguido pelo crime de que vinha acusado e com fundamento no qual é requerido pedido de indemnização cível, tem como consequência a improcedência do pedido cível.

    9. - É ilegal - por inconstitucional, a condenação em indemnização cível, depois de ter o arguido sido absolvido, e sujeitando-se a suspensão da execução da pena de prisão em que foi condenado por outro crime ao pagamento da indemnização peticionada no pedido cível, onde se inclui aquele cuja causa de pedir era o crime absolvido.

    10. - Não pode suspender-se a pena de prisão pela condenação de determinado crime, sob a condição de pagar a indemnização ao lesado, quando nesse montante se incluem valores do pedido cível reportado a crime de que o arguido foi absolvido.

    11. - Porque são crimes distintos, e não tem nada um com o outro, o pagamento do prejuízo que se entendeu provado em consequência do crime de que foi absolvido não pode ser condição da suspensão da pena pelo crime de abuso de confiança.

    12. - Ainda que se entenda que o arguido pode ser condenado a pagar a indemnização cível reportada aos danos causados com a actuação que se concluiu não ser crime, não pode jamais misturar-se a suspensão da condenação do crime de abuso de confiança com aquele pedido cível e sujeitar- se a suspensão da pena de prisão ao pagamento de tal indemnização.

    13. -A decisão recorrida violou os artigos 201° do Código Penal, 71° e 72° do Código Penal., 410°, 379°, 377 n°1, e 282º, n° 3, do Código de Processo Penal, e ainda o artigo 32° da Constituição da República.

      Pede, em consequência, o provimento do recurso.

      O magistrado do Ministério Público, respondendo à motivação, defende que o recurso deverá «improceder totalmente».

      A assistente/demandante cível, respondendo por seu lado à motivação, termina a resposta com as seguintes conclusões: 1ª - Bem sabia o recorrente que os valores que lhe foram entregues para pagamento das facturas n°s 1090/00, de 21.03.00, 2459/00 de 31.05.00 e 3045/00, de 30.06.00 tinham que ser enviados ou apresentados à assistente, no prazo de 8 dias a que estava obrigado.

    14. - Ao não proceder assim e ao ter ficado com o dinheiro em seu poder, querendo integrá-lo no seu património, como integrou, o recorrente cometeu os três crimes de abuso de confiança porque foi acusado e condenado.

    15. - É absolutamente destituída de realidade e de senso por parte do recorrente a alegação de que lhe pertenciam sempre 40% dos valores facturados.

    16. - O recorrente foi bem condenado pela prática de três crimes de abuso de confiança na medida em que se verificaram os elementos objectivos e subjectivos daquele tipo de crime.

    17. - Não deve ser o recorrente condenado pela prática de crime continuado, mas sim pelos três crimes cometidos.

    18. - Em cada uma das infracções houve um elevado grau de censurabilidade da conduta do recorrente, revelado na traição da relação de confiança nele depositada pela recorrida e também uma elevadíssima intensidade do dolo, materializada na vontade de o recorrente ter querido praticar cada um dos crimes 7ª - Não se acompanha o entendimento de que haja uma relação que, de maneira considerável, tivesse facilitado a repetição da actividade criminosa, tornando cada vez menos exigível ao agente que se comportasse de maneira diferente, isto é, de acordo com o direito.

    19. - A punição pela prática de um único crime, quando foram três as infracções praticadas, seria quase que um apelo à prática de outra idênticas infracções, porque o agente teria sempre a expectativa da bondade do sistema.

    20. - O recorrente deve ser condenado no pagamento das quantias a que as suas condutas deram causa, muito embora tenho sido absolvido da prática de alguns crimes.

    21. - Verificaram-se todos os pressupostos que originaram a obrigação de indemnizar: o facto, a ilicitude, a imputação do facto ao lesante, o dano e o nexo de causalidade entre o facto e o dano.

    22. - A sentença, ainda que absolutória, condena o arguido em indemnização civil sempre que o pedido respectivo vier a revelar-se fundado, conforme dispõe o n° 1 do art° 377°, do Código do...

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