Acórdão nº 04P4745 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 03 de Fevereiro de 2005 (caso NULL)

Data03 Fevereiro 2005
Órgãohttp://vlex.com/desc1/1997_01,Supreme Court of Justice (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça 1.1.

O Tribunal Colectivo do 2° Juízo da Comarca de Porto de Mós procedeu ao julgamento, sob acusação do Ministério Público, de LAV, com os sinais nos autos, a quem era imputada a prática de um crime de burla do art.ºs 217.º, n°1 e 218 n°2 al. a) do C. Penal e era pedida uma indemnização civil no montante de 18.606,70 € e juros de mora sobre 18.072,25 €, pelos danos provocados pela actuação ilícita do arguido.

Face à materialidade apurada, o Tribunal Colectivo decidiu, por acórdão de 22.6.2004, julgar improcedente, por não provada a acusação e, em consequência, absolver o arguido LAV da prática do crime de que vinha acusado e julgar improcedente, por não provado o pedido de indemnização civil deduzido por HPD e, em consequência de tal pedido absolver o mesmo arguido.

2.1.

Inconformado, recorreu o assistente a este Supremo Tribunal de Justiça, concluindo na sua motivação: Considerando que 1 - Para a verificação do crime de burla há a considerar, num primeiro momento, a verificação de uma conduta astuciosa que induza directamente ou mantenha em erro, ou engano, o lesado, e num segundo momento deverá verificar-se um enriquecimento ilegítimo de que resulte prejuízo patrimonial do sujeito passivo ou de terceiro ... Por outro lado, deverá existir uma sucessiva relação de causa efeito entre os meios empregues e o erro ou engano e entre estes e os actos que vão directamente defraudar o património do terceiro ou do lesado (Ac. STJ de 08/02/1996; CJ., Acs. do STJ., IV, tomo 1, 208); 2 - Para que se verifique o crime de burla, não é necessário que o erro ou engano sejam provocados por um comportamento activo do agente, por palavras ou actos, podendo também ser provocado por um comportamento passivo (cf. neste sentido o Ac. RP. de 05/03/86: BMJ., 355, 433); 3 - Há também situações em que o silêncio doloso sobre um erro preexistente deve ser assimilado à indução em erro para efeitos criminais: Assim acontece quando a vítima desconhece a realidade, o agente se apercebe desta circunstância e causa a persistência do erro, prolongando-o e potenciando-o, ao impedir, com a sua astuciosa conduta omissiva do dever de informar, que a vítima se liberte dele ... É a burla por com aproveitamento astucioso (Ac. STJ. de 29/02/96, I3MJ 454, 532).

4 - No caso dos Autos conjuga no comportamento do Arguido, considerando os factos provados, a prática activa de actos, aliado a um comportamento passivo e omissivo, orientado expressamente no sentido de enganar astuciosamente terceiro, com intenção de obter para si um enriquecimento ilegítimo, determinando o ofendido à prática de actos (o fornecimento efectuado) que lhe causaram prejuízo patrimonial grave.

5 - Em 19/07/2000, cerca de uma semana antes da aludida aquisição de material do Arguido ao Assistente, o Arguido tinha solicitado a este banco que não procedesse ao pagamento do cheque n°. 8770112680, sacado sobre a conta n°. 362.20.002312.9 do Banco Santander (Facto Provado da Sentença de fls.); 6 - O Arguido, com vista a conseguir que o Assistente lhe fornecesse macieira no valor de € 18.072,65, e apesar de saber (pois foi quem directa e pessoalmente o ordenou ao Banco, cerca de uma semana antes) que o cheque não seria pago pelo Banco, com a indicação de revogação com justa causa - extravio preencheu e assinou o cheque n°. 8770112680, sacado sobre o Banco Santander, pelo valor de (Esc. 2.000.000$00) € 9.975,96 datado para 1 de Agosto de 2000 (Facto Provado da Sentença de fls.), e entregou-o ao Assistente para garantir o pagamento da madeira, tal como este lhe exigira.

7 - Ao emitir e entregar ao Assistente HPD aquele cheque, o Arguido, que sabia que o pagamento do cheque havia previamente sido cancelado por si próprio, adoptou comportamento passivo, com que visou astuciosamente, provocar engano sobre a autenticidade, validade e eficácia do cheque, de modo a convencer o Assistente a fornecer-lhe a madeira, e assim obter um enriquecimento ilegítimo à custa daquele.

8 - Aliás, aquela actuação do Arguido, que não deu a conhecer ao Assistente que havia mandado, anteriormente, cancelar o pagamento do cheque, de modo a conseguir que o mesmo lhe fornecesse a madeira, integra também o tipo de burla por omissão ou aproveitamento astucioso, posto que ao adoptar aquele comportamento o Arguido agiu intencional e dolosamente, o sentido de convencer o Assistente à prática de actos, por meio de erro ou engano sobre factos (a entrega da madeira), que lhe causaram prejuízo patrimonial grave e elevado; 9 - Sendo certo que o Arguido sabia que, face à exigência do Assistente, este não lhe entregaria a madeira sem a garantia do pagamento, e nunca lhe forneceria a mesma se soubesse da situação do cheque 10 - Aquela astuciosa actuação do Arguido determinou que o Assistente ficasse sem a madeira (que o Arguido fez sua) e sem o respectivo valor de € 18.072,65.

11 - Mostram-se reunidos, em face da factualidade tida por provada nos Autos, os elementos típicos do crime de burla agravada, previsto e punido pelos art.°s 217.º n.º 1 e 218.° n.º 2 al. a) do C. Penal.

12 - Ao decidir nos termos do douto Acórdão em recurso, o Tribunal "A quo" violou o disposto nos art°s. 217.° n°. 1; 218° n.º 1 e 2 al. a); 202° al. b) do C. Penal, 377.º 1 e 515.°n.° 1, al. a) do CPPenal.

NESTES TERMOS, e com o douto suprimento desse Venerando Tribunal, revogando o Acórdão proferido pelo Tribunal Colectivo em Primeira Instância, e condenando o Arguido pelos crimes de que vinha acusado e no pedido de indemnização civil deduzido a fls. V. Exas. farão, como sempre, a habitual JUSTIÇA» 2.2.

Respondeu o Ministério Público junto do Tribunal recorrido que concluiu na respectiva resposta: 1 - São elementos constitutivos do tipo do crime de burla: a) a intenção do agente de obter para si ou para terceiro um enriquecimento ilegítimo; b) por meio de erro ou engano sobre factos que astuciosamente provocou; e, c) determinar outrem à prática de actos que lhe causem, ou a outrem, prejuízo patrimonial.

2 - E obvio que, para haver condenação pela prática de tal ilícito é necessário que a materialidade fáctica considerada provada contenha todos os elementos deste ilícito penal.

3 - No caso em apreço tal não sucedeu uma vez que não se deu como provado o elemento subjectivo do tipo: o dolo, nem o elemento objectivo: - existência de erro ou engano sobre factos que o arguido tenha astuciosamente provocado.

4 - Não se encontrando integralmente preenchidos a totalidade dos elementos do tipo, por insuficiência da matéria fáctica dada como provada, não se verifica a prática do ilícito.

5 - Por outro lado, o C. Penal apenas incrimina a burla por acção e não por omissão (Ac. STJ de 4.11.87).

6 - Assim, mantendo-se o douto acórdão nos seus precisos termos, já que não foram violadas quaisquer disposições legais, farão Vossas Excelências Justiça.

  1. Neste Supremo Tribunal de Justiça, teve vista o Ministério Público que se pronunciou pela rejeição por manifesta improcedência, argumentando: «1. Sobre o não preenchimento dos elementos típicos do crime de burla, acompanhamos a argumentação defendida na resposta s fls 221 a 224 (destacando-se a matéria dada como provada, da qual se retira como não provado, que o cheque funcionasse directa e imediatamente como forma de pagamento do preço, bem como que o arguido tivesse garantido ao assistente que aquele teria boa cobrança a 1.08.2000 e que a conta se encontrava provisionada para o efeito naquela data).

  2. Por outro lado, em termos de subsunção dos factos provados está afastada a prática de um crime de de emissão de cheque sem provisão ante o disposto no n.º 3 do art. 11.º do Dec-Lei 316/97.» se pronunciou pela manifesta improcedência do recurso, por se tratar, por um lado, de um cheque post-datado e, por outro, a matéria de facto provada e não provada afastar a ocorrência de burla.

    Cumprido o disposto no n.º 2 do art. 417.º do CPP e colhidos os vistos legais, foram os autos presentes à conferência, pelo que cumpre conhecer e decidir.

    3.1.

    Sustenta o assistente que o arguido cometeu o crime de burla pelo qual havia sido acusado, pelo que deve ser por ele condenado, como deve ser condenado no pagamento da peticionada indemnização.

    Pretende que a verificação do o crime de burla se basta com um comportamento passivo (conclusão 2.º), havendo situações em que o silêncio doloso sobre um erro preexistente deve ser assimilado à indução em erro para efeitos criminais, como acontece quando o agente se apercebe de que a vítima desconhece a realidade, e causa a persistência do erro, prolongando-o e potenciando-o, ao impedir, com a sua astuciosa conduta omissiva do dever de informar, que a vítima se liberte dele - burla por com aproveitamento astucioso (conclusão 3.ª) O Arguido, considerando os factos provados, a prática activa de actos, aliado a um comportamento passivo e omissivo, orientado expressamente no sentido de enganar astuciosamente terceiro, com intenção de obter para si um enriquecimento ilegítimo, determinou o ofendido à prática de actos (o fornecimento efectuado) que lhe causaram prejuízo patrimonial grave (conclusão 4.ª).

    Cerca de uma semana antes a aquisição de material pelo Arguido, este tinha solicitado ao banco que não procedesse ao pagamento do cheque em causa (conclusão 5.ª) e, com vista a conseguir o fornecimento pelo Assistente no valor de € 18.072,65, e apesar de saber que o cheque não seria pago pelo Banco preencheu-o e assinou pelo valor de € 9.975,96 datado de 1 de Agosto de 2000 e entregou-o ao Assistente para garantir o pagamento da madeira, tal como este lhe exigira (conclusão 6.ª).

    O Arguido, ao emitir e entregar ao Assistente o cheque, sabendo que não iria ser pago, «adoptou comportamento passivo, com que visou astuciosamente, provocar engano sobre a autenticidade, validade e eficácia do cheque, de modo a convencer o Assistente a fornecer-lhe a madeira, e assim obter um enriquecimento ilegítimo à custa daquele» (conclusão 7.ª) O que integra também o tipo de...

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