Acórdão nº 05B1488 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 22 de Setembro de 2005 (caso NULL)

Magistrado ResponsávelOLIVEIRA BARROS
Data da Resolução22 de Setembro de 2005
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: Em 2/12/2002, a "A", Sociedade de Construção Civil, Lda, deduziu, por apenso, embargos de terceiro, a procedimento cautelar de arresto movido na comarca do Barreiro (2º Juízo Cível ) pela "B", S.A, à C - Sociedade de Construção Civil e Obras Públicas, Lda (que veio a ser declarada falida por sentença de 13/11/2003 ).

Pediu o reconhecimento da sua posse sobre a fracção autónoma arrestada, designada pelas letras AD e correspondente ao 8° andar esquerdo do prédio urbano descrito na Conservatória do Registo Predial do Barreiro sob o n° 00610/960423, levantando-se o arresto e restituindo-se provisoriamente a posse daquela fracção à embargante.

Alegou para tanto, essencialmente, que essa providência cautelar ofende o seu direito de retenção e de posse sobre a fracção autónoma aludida, que lhe advém da celebração de contrato-promessa de compra e venda da mesma com a embargada C - Sociedade de Construção Civil e Obras Públicas, Lda, e de, na qualidade de promitente-compradora, ter recebido as respectivas chaves, utilizando a fracção desde há cerca de 5 meses e suportando exclusivamente todas as despesas com ela relacionadas.

Contestando, o B excepcionou a intempestividade dos embargos, alegando que a embargante tomou conhecimento do arresto em 16/9/2002 através de certidão do registo predial que entregou no 14° Cartório Notarial de Lisboa.

Sustentou, mais, que a embargante não tem posse que justifique os embargos deduzidos.

Houve réplica, e teve lugar audiência preliminar, em que foi saneado e condensado o processo.

Após julgamento, considerou-se terem os embargos sido deduzidos intempestivamente, e, por conseguinte, procedente a excepção peremptória de caducidade deduzida.

Dando provimento a recurso de apelação da embargante, a Relação de Lisboa, por acórdão de 14/12/2004, julgou terem os embargos sido deduzidos atempadamente e revogou, por isso, a sentença recorrida.

Conhecendo, nos termos do art. 715º CPC, do mérito dos embargos, julgou-os, porém, improcedentes, e absolveu as embargadas do pedido.

A assim de novo vencida pede, agora, revista dessa decisão.

Em fecho da alegação respectiva, deduz, em suma, as conclusões seguintes, delimitativas, em princípio, do âmbito ou objecto deste recurso, conforme arts. 684º, nºs 2º a 4º, e 690º, nºs 1º e 3º, CPC : 1ª - Pretendido utilizar o mecanismo de substituição ao tribunal recorrido, devia ter-se observado o requisito consagrado no art.715°, n°3º, CPC, a que a Relação não deu cumprimento.

  1. - Ou seja, para dar por essa forma cumprimento ao princípio do contraditório e prevenir por esse modo o risco de ser proferida uma decisão surpresa, como foi o caso, o relator devia ter ouvido as partes antes de proferida a decisão - v. Abílio Neto, "CPC Anotado", 17ª ed., 1036, anotação ao art.715°, e Ac. STJ de 25/1/2000, BMJ 493/344.

  2. - Isto porque o art.715º CPC pressupõe que o processo contenha todos os elementos para que o tribunal superior possa decidir, o que neste caso não acontecia, uma vez que a prova testemunhal apresentada pelas partes foi gravada em sede de audiência de discussão e julgamento e o Tribunal da Relação não teve acesso à mesma, porque o recurso então interposto não dizia respeito à prova testemunhal então produzida.

  3. - Face ao exposto, desde logo se conclui que o Tribunal a quo não observou regras processuais fundamentais.

  4. - Por outro lado, a recorrente também não se conforma com a decisão substantiva, uma vez que conforme refere Menezes Cordeiro, "Direitos Reais "(1979), 667,"o detentor pode adquirir a posse opondo-se ao titular do direito sobre a coisa detida seja qual for a razão da existência da mera detenção, explicando, mais, "que na detenção existe apenas o corpus, faltando o animus, para que de posse se possa falar, a inversão do título de posse dar-se-á quando o detentor adquira o animus (...) e o animus demonstrar-se-á, precisamente pela oposição em relação ao antigo possuidor " ( idem, 668 ).

  5. - De facto, a recorrente começou a comportar-se para todos os efeitos como sendo a verdadeira possuidora e proprietária da fracção, tendo-lhe atribuído uso para o fim que necessitava e tendo pago todas as despesas referentes à mesma.

  6. - Por ter conhecimento do que foi estipulado no contrato-promessa e qual foi então a vontade das partes, o antigo possuidor nunca apresentou qualquer contestação aos embargos levantados pela recorrente, uma vez que ele próprio reconhece que quem detém a posse da coisa é a recorrente.

    8 ª - Noutra medida, é igualmente incompreensível que se venha agora argumentar que, para que haja reconhecimento da posse da recorrente, teria sido necessário que o contrato-promessa tivesse a forma de escritura pública e que o mesmo tivesse sido registado, para que assim lhe fosse reconhecida eficácia real.

  7. - Essa tomada de posição não pode servir de justificação para julgar improcedentes os embargos, visto que, de acordo com o art. 351° CPC, apenas se impunha à ora recorrente, no âmbito do processo de embargos, alegar e provar a sua posse sobre o bem objecto do arresto, e foi isso que ela fez, não lhe cabendo fazer prova do registo ou sequer da forma do contrato-promessa.

  8. - Efectivamente, o art. 351° CPC apenas estabelece que "se a penhora ou qualquer acto judicial mente ordenado de apreensão ou entrega de bens ofender a posse ou qualquer direito incompatível com a realização ou o âmbito da diligência, de que seja titular quem não é parte na causa, pode o lesado fazê-lo valer, deduzindo embargos de terceiro".

  9. - Pelo exposto, conclui-se que à ora recorrente apenas se exigia que alegasse e provasse que tinha a posse sob a fracção em causa e que essa posse constituía por si só um direito incompatível com o âmbito da diligência requerida pela ora recorrida ( arresto e posterior penhora ).

  10. - Perante este circunstancialismo de facto e de direito, o presente recurso deverá ser considerado procedente, devendo, em consequência, declarar-se procedentes os embargos de terceiro apresentados pela recorrente (1).

    Houve contra-alegação, e, corridos os vistos legais, cumpre decidir as duas questões assim propostas.

    A primeira, suscitada nas quatro primeiras conclusões, é de índole ou natureza processual.

    A segunda, deduzida nas demais, situa-se no plano do direito substantivo.

    Daí ser, de facto, a revista a espécie de recurso própria, apesar de nas conclusões da alegação da recorrente se invocarem apenas os arts.351º e 715 - cfr. também arts.664º, 713º, nº2º, 721º, nº2º, e 726º, todos do CPC.

    A matéria de facto a ter em conta é, em ordem conveniente (2), como segue ( indicando-se, entre parênteses, as correspondentes alíneas e quesitos ) : ( a ) - Por instrumento particular, outorgado em 15/6/2002, a C -Sociedade de Construção Civil e Obras Públicas, Lda, prometeu vender à A, Sociedade de Construção Civil, Lda, a fracção autónoma, designada pelas letras AD, correspondente ao 8° andar esquerdo do prédio urbano sito na Rua Sociedade Democrática União Barreirense"Os Franceses", n° ... e Praceta Santantoniense Futebol Clube, n° 2, freguesia do Lavradio, concelho do Barreiro, inscrito na matriz sob o artigo 2047 e descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n° 61 ( A ).

    ( b ) - O preço acordado foi de € 119.711,50, a pagar pela seguinte forma : € 37.409,84 a título de sinal e princípio de pagamento, no acto da assinatura do contrato-promessa, de que a promitente vendedora deu quitação, e € 82.301,65 no acto da escritura de compra e venda ( B ).

    ( c ) - No âmbito daquele contrato, foi estipulado pelas partes que no acto da assinatura do mesmo, ou seja em 15/6/2002, a embargada C - Sociedade de Construção Civil e Obras Públicas, Lda, entregaria à embargante as chaves da fracção prometida vender e comprar ( C ).

    ( d ) - A C - Sociedade de Construção Civil e Obras Públicas, Lda, entregou à embargante as chaves da fracção aludida, em data não concretamente apurada ( 1º).

    ( e ) - A fracção referida é utilizada pela embargante como depósito de mesas de escritório desde data não concretamente apurada ( 3º).

    ( f ) - A embargante suporta, desde data não concretamente apurada, as despesas de limpeza dessa fracção ( 2º).

    ( g ) - Em 21/8/2002 constava inscrito o arresto sobre a identificada fracção autónoma a favor da embargada B, S.A., mediante a apresentação n°13 de 20/8/2002 ( 4º).

    ( h ) - A embargante procedeu à marcação da escritura de compra e venda no dia 25/9/2002, pelas 11 horas, no 14° Cartório Notarial de Lisboa, não tendo comparecido nenhum representante da C - Sociedade de Construção e Obras Públicas, Lda ( D ).

    ( i ) - A data e local para realização da escritura foi comunicada à C - Sociedade de Construção Civil e Obras Públicas, Lda, através de carta registada com A/R ( E ).

    Apreciando e decidindo : 1ª questão - sendo do CPC todas as disposições mencionadas ao diante sem outra indicação : Vem, antes de mais, arguida neste recurso a inobservância no Tribunal da Relação do disposto no art.715°, n°3º, visto que, pretendendo esse tribunal substituir-se ao tribunal recorrido no conhecimento das questões prejudicadas pela decisão impugnada, devia ter ouvido as partes, dando assim cumprimento ao princípio do contraditório, em ordem a prevenir o risco duma decisão-surpresa, como alegadamente terá sido o caso.

    Como se salienta no relatório preambular do DL 329-A/95, de 12/12, a reforma do processo civil operada em 1995/96 consagrou expressamente a vigência da regra da substituição da Relação ao tribunal recorrido, ampliando e clarificando o regime que a doutrina tinha vindo a inferir da lacónica previsão do art.715º, por se afigurar que os inconvenientes resultantes da possível...

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