Acórdão nº 5576/17.0T8CBR-B.C1 de Tribunal da Relação de Coimbra, 2023-05-02

Ano2023
Número Acordão5576/17.0T8CBR-B.C1
ÓrgãoTribunal da Relação de Coimbra - (JUÍZO DE EXECUÇÃO DE SOURE DO TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE COIMBRA)

Processo n° 5576/17.0T8CBR-B.Cl – Apelação

Relator: Maria João Areias

1° Adjunto: Paulo Correia

2° Adjunto: Helena Melo

Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra:

I - RELATÓRIO

Por apenso à execução que C..., S.A., move contra AA e BB, vem CC apresentar reclamação de créditos, com a seguinte alegação:

é credora de um crédito global de € 10.200,00 euros, porquanto emprestou essa verba ao executado BB, para aquisição do imóvel descrito como garagem sito na Quinta ..., ..., e que se mostra penhorado nos autos;

o executado reconheceu o direito de crédito da reclamante por documento particular assinado no dia 2 de novembro de 2017 e autenticado no Cartório Notarial em ..., no dia 3 de novembro de 2017;

as partes acordaram em que, a partir do dia 3 de novembro de 2017, a requerente ostentaria um direito de retenção, até efetivo e integral pagamento da dívida, nos termos do artigo 754.º do Código Civil, tomando, a ora reclamante, a posse efetiva do aludido imóvel, que usufruiu deste então.

Em consequência, pede que se reconheça o direito de retenção sobre o imóvel penhorado nos autos, e seja ordenada a imediata suspensão da instancia executiva, sustando-se a venda quanto ao referido imóvel, reconhecendo-se e graduando-se o crédito no lugar que lhe compete.

A exequente deduz oposição, impugnando a existência do crédito, bem como do invocado direito de retenção:

do documento de reconhecimento de dívida nada consta quanto ao destino da quantia mutuada;

o imóvel não está na posse da reclamante e, ainda que estivesse, tal não lhe conferia qualquer direito de retenção, não se enquadrando a alegada relação creditícia em qualquer das als. do nº1 do artigo 755º do CC.

Notificada para o efeito, a Sr.ª Agente de Execução veio informar, em 21.09.2022, que “Conforme resulta da Certificação de Afixação efetuada pelo funcionário forense da signatária, DD, com o cartão profissional nº ..., a diligência foi concretizada em 20.05.2022, pelas 14.47h, não estando qualquer pessoa presente na fração.

No entanto, através de um contacto com 2 senhores que se encontravam numa garagem próxima, com a porta aberta e a praticar algum de atividade vulgarmente designado por "biscate", foi possível confirmar qual a fração do executado AA.

Estes senhores disseram conhecer bem o executado, tendo indicado com precisão qual o portão da garagem onde foi afixado o edital, pois de outra forma não seria possível dado que as garagens não se encontram identificadas ou numeradas.

Os referidos senhores, cuja identificação se desconhece, acrescentaram que o executado é ali visto com alguma frequência.”

No dia 22 de setembro, o exequente veio aditar o seu rol de testemunhas.

Pelo juiz a quo é proferido Saneador/Sentença que, conhecendo do mérito, termina com o seguinte:

VI - DISPOSTIVO

Em face do exposto, ao abrigo das disposições legais supra mencionadas, decido:

- não reconhecer os créditos reclamados por CC.

Custas legais a cargo da Credora reclamante, que ficou vencida (v. art.º 527.º, do Código de Processo Civil).

Notifique e registe.”


*

Não se conformando com tal decisão, a credora reclamante dela interpõe recurso de Apelação, concluindo a respetiva motivação, com as seguintes conclusões:

I – DA NULIDADE PROCESSUAL

I. A reclamante, ora recorrente procedeu à reclamação de créditos nos presentes autos.

II. A mesmo foi contestada no dia 07 de Julho de 2022, pelo exequente, C..., S.A.

III. Findo os articulados, o Tribunal a quo procedeu à notificação do Agente de Execução no sentido deste vir aos autos prestar esclarecimento quanto à identificação dos possuidores do imóvel penhorado nos autos.

IV. Não tendo a reclamante, ora recorrente, sido notificada do esclarecimento acima referido.

V. Sendo apenas notificada da sentença agora em crise.

VI. Isto é, o Tribunal a quo, sem audição das partes, procedeu à decisão de mérito da causa, inesperadamente, no dia 21 de Novembro de 2022.

VII. Ora, entende a recorrente que decisão sobre o mérito pelo Tribunal a quo, sem a realização de Audiência Prévia, ou notificação da possibilidade de decisão de mérito sem realização da mesma, viola os trâmites do processo e, por conseguinte, nula qualquer decisão ali tomada.

VIII. Isto é, o Tribunal a quo não podia ter decidido sem antes promover a audiência prévia, ou então dispensá-la nos termos previstos no artigo 593.º

IX. Uma vez que, apenas nas situações previstas no artigo 592.º do CPC, ocorre a não realização, ope legis, da Audiência Prévia.

X. Não se vislumbrando a subsunção nas alíneas previstas no n.º 1 do artigo 592.º do CPC do caso em apreço.

XI. Concluindo-se que a não realização da Audiência Prévia apenas poderia ocorrer à luz do artigo 593.º do CPC,

XII. Indagando pelos diversos números e alíneas do artigo 593.º, resulta que a dispensa da Audiência Prévia apenas ocorrerá quando o processo haja de prosseguir (para audiência de julgamento).

XIII. Existindo ainda a possibilidade de dispensa da Audiência Prévia e elaboração de despacho saneador com conhecimento imediato do mérito (saneador-sentença) à luz do artigo 595.º n.º 1 alínea b), ex vi alínea c) do artigo 597.º, todos do CPC.

XIV. Porém, tal dispensa, e salvo melhor e douta opinião, deveria ser precedida de despacho no sentido de ouvir as partes quanto à agilização e adequação formal do processo, ao arrepio dos normativos do nº 3 do artigo 3.º e n.º 1 do artigo 6.º, todos do CPC.

XV. Ao fazê-lo, proferiu uma decisão surpresa, tendo violado o princípio do contraditório disposto no artigo 3.º do CPC, positivado pelo artigo 20.º da Constituição da República Portuguesa.

XVI. O Tribunal a quo cometeu, assim, uma nulidade processual em conformidade com o disposto no artigo 195.º do CPC.

XVII. Além de que, nunca poderia o Tribunal a quo conhecer do mérito da causa, no caso sub judice, uma vez que a posse do imóvel se encontrava em discussão.

XVIII. Isto é, existindo alegação tanto da ora recorrente como do Agente de Execução, díspar, quanto à posse do imóvel, durante a fase dos articulados, seria necessário a produção de prova quanto a esse tema, nomeadamente, com inquirição de testemunhas.

XIX. Deste modo, deveria ter sido facultado o direito de contraditório por parte da reclamante, ora recorrente, através da notificação, quanto à comunicação operada pelo Agente de Execução, bem como decidir pela realização de Audiência Prévia para discussão de facto e direito como alude a alínea b) do n.º 1 do artigo 591.º do CPC.

XX. Não o fazendo, o Tribunal a quo inquinou o processo de nulidade por violação das normas processuais, em apreço as normas relativas à Audiência Prévia e direito do contraditório previsto no

II – DO ERRO DE JULGAMENTO (error facti)

XXI. Sem prescindir do já alegado, certo é que a sentença, agora em crise, comporta incongruências na sua fundamentação, nomeadamente identificação do devedor do crédito mutuado.

XXII. Isto é, a reclamante, ora recorrente, procedeu ao mútuo da quantia de €10.200,00 a AA.

XXIII. Contrariamente ao descrito na sentença que refere ter sido a BB, já então falecido.

XXIV. Tendo a sentença agora em crise confundido o sujeito devedor, ambos executados nos autos, sendo o primeiro, AA, progenitor do segundo, BB.

XXV. A garagem em questão nos autos, reporta-se a um bem que inicialmente seria de BB.

XXVI. Todavia, e no âmbito da execução, por via da Negociação Particular no Processo de Execução n.º 1215/15...., na qual o BB era executado, o progenitor, AA, procedeu à aquisição da mesma.

XXVII. Isto é, o progenitor AA, adquiriu, no âmbito da execução, o bem penhorado do filho BB.

XXVIII. Para aquisição dessa garagem, a reclamante, ora recorrente, emprestou a quantia de € 10.200,00 a AA, contrariamente ao descrito no relatório da sentença agora em crise.

XXIX. Pelo que, tal incongruência impediu o Tribunal a quo de decidir quanto ao direito de retenção por confusão quanto ao sujeito devedor da reclamante, ora recorrente.

XXX. Desta feita, a incongruência patente no relatório implica erro de julgamento (error in judicando) por resultado de uma distorção da realidade factual (error facti).

XXXI. Nos erros de julgamento assiste-se a uma deficiente análise crítica das provas produzidas. Esses erros, por não respeitarem já a defeitos que afetam a própria estrutura da sentença, mas o mérito da relação material controvertida nela apreciada, não a inquinam de invalidade, mas de error in judicando atacáveis em via de recurso

XXXII. Não obstante, esse erro não é irrelevante para construção fáctica que justifica o direito de retenção, reclamado pela ora recorrente nos autos.

XXXIII. Pois tratando-se de uma traditio como garantia do crédito mutuado, importa fixar corretamente o percurso lógico e factual dos acontecimentos.

XXXIV. Isto é, o mútuo da ora reclamante a AA para aquisição da garagem tendo este concedido, à reclamante, ora recorrente, a posse do imóvel para garantia do credito.

XXXV. Assim sendo, importa a reforma da sentença quando aos factos, nomeadamente a quem foi mutuada a quantia (AA) de €10.200,00 (Dez mil e duzentos euros), para aquisição da garagem, estando esta na posse da ora recorrente, para garantia do pagamento integral do crédito.

III – DO DIREITO DE RETENÇÃO

XXXVI. Sem prescindir do já alegado, sucede que quanto à aplicação do direito ao caso concreto, salvo melhor e douta opinião, o Tribunal a quo decidiu mal quanto ao direito de retenção.

XXXVII. Senão vejamos, o Tribunal a quo, e no seguimento da jurisprudência, enumera os três pressupostos para verificação do direito de retenção na sua fundamentação:

XXXVIII. Ou seja, segundo a jurisprudência e doutrina, o direito de retenção surge quando ocorre a detenção e posse com obrigação de entrega de uma coisa no seguimento de um crédito exigível, existindo uma conexão casual entre o crédito do detentor e a coisa.

XXXIX. Verificando-se, in casu, a subsunção dos requisitos na factualidade alegada pela...

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