Acórdão nº 05B3944 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 15 de Dezembro de 2005

Magistrado ResponsávelSALVADOR DA COSTA
Data da Resolução15 de Dezembro de 2005
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: I"A" intentou, no dia 16 de Setembro de 1996, contra B e C, por um lado, e D e E, por outro, acção declarativa constitutiva condenatória, com processo ordinário, pedindo a declaração do seu direito de preferência na venda pelos primeiros aos segundos de nove décimos do direito de propriedade sobre identificado prédio e de que o preço da venda foi de 6.500.000$00, a condenação na restituição do diferencial de 3.500.000$00 e dos dois últimos a pagar-lhe 2.723.120$00 por perdas e danos.

Invocou ser dono de 1/10 do prédio e a referida venda sem comunicação para preferir, ter sido o preço respectivo de 6.500.000$00 e declarado na escritura o de 10.000.000$00, o derrube depois da venda de árvores e redução da área do prédio e do prejuízo dai decorrente.

Em contestação, alegaram os réus serem os primeiros donos de todo o prédio, terem-no adquirido por usucapião, ser o registo de 1/10 ilegal, e, em reconvenção, pediram os primeiros réus a declaração do seu direito de propriedade de 1/10 e que fosse ordenado o cancelamento do registo predial da referida titularidade do autor.

Na réplica, o autor ampliou o pedido no sentido da declaração da rectificação da escritura de 24 de Julho de 1979 em termos de ficar a constar que a venda apenas teve por objecto nove décimos do prédio.

Realizado o julgamento, foi proferida sentença no dia 13 de Março de 2000, que absolveu os réus do pedido e julgou a reconvenção procedente, da qual os autores apelaram, e a Relação, por acórdão proferido no dia 18 de Dezembro de 2000, negou provimento ao recurso.

No recurso de revista, o Supremo Tribunal de Justiça, ordenou à Relação, por acórdão proferido no dia 31 de Maio de 2001, a ampliação da matéria de facto, a Relação assim procedeu.

Falecida C, foram habilitados em sua substituição B, F e G, e, realizado novo julgamento, foi proferida nova sentença no dia 17 de Dezembro de 2004 que absolveu os réus do pedido e julgou a reconvenção procedente.

Apelou o autor, e a Relação, por acórdão proferido no dia 6 de Junho de 2005, negou provimento ao recurso.

Interpôs o apelante recurso de revista, formulando, em síntese, as seguintes conclusões de alegação: - tem inscrita definitivamente a seu favor no registo predial a décima parte indivisa do direito de propriedade sobre prédio e a recorrida E as restantes nove décimas, constituído o referido registo presunção da existência do seu direito, pelo que não tem de o provar; - a posse de um comproprietário sobre todo o prédio sem o consentimento dos outros não conduz à aquisição por usucapião, porque não é exclusiva; - o uso do pinhal na proporção de nove décimos não constitui posse de quota superior nem começou a correr o prazo de usucapião por não ter havido inversão do título da posse; - não houve a referida inversão porque os recorridos nunca se manifestaram contra a sua qualidade de comproprietário, que lhes afirmou e eles aceitaram, e não provaram a posse em nome do recorrente correspondente à sua quota; - goza do direito de preferência na aquisição de nove décimos do prédio em causa, pelo que a sentença violou os artigos 7° do Código do Registo Predial, 350º, 1265º, 1268º, n° 1, 1296º, 1405º, 1406º, n° 2 e 1409 do Código Civil.

Responderam os recorridos, em sede de conclusão de alegação: - quando lhes venderam nove décimos do prédio, B e C eram proprietários da totalidade do prédio; - não há correspondência entre o prédio de que o recorrente afirma ter adquirido a quota de um décimo e aquele de que são donos e possuidores, e, ainda que a houvesse, quem transmitiu aquela quota ao recorrente não era titular do direito transmitido; - nunca reconheceram facticamente o direito de que o recorrente se arroga, e nem ele ou os supostos transmitentes da parte indivisa de cuja aquisição se arroga exerceram posse sobre o prédio; - B e C e antepossuidores primeiro, de forma plena e exclusiva, e depois, após a venda, aqueles e D e E, têm exercido sobre o prédio, há mais de trinta anos, desde tempos imemoriais, a posse pública, contínua, pacífica, de boa fé e com o ânimo de serem seus donos; - o recorrente não é nem nunca foi comproprietário do prédio, tendo sido ilidida a presunção decorrente do registo, e a inversão do título da posse supõe a substituição de uma posse precária por uma posse em nome próprio, o que não sucede no caso; - não faz sentido argumentar com a não inversão do título da posse porque os recorridos não exerciam posse precária, sempre tendo possuído com ânimo de donos e, após a constituição da compropriedade, nunca exerceram posse para além da quota de que são titulares; - demonstrada a posse dos recorridos anterior ao registo da quota decimal pelo recorrente, à presunção derivada do registo sobrepõe-se, nos termos do artigo 1268º, nº 1, do Código Civil, a presunção derivada da posse.

II É a seguinte a factualidade declarada provada no acórdão recorrido: 1. O prédio rústico, composto de pinhal e mato, com a área de 6 480 m2, sito no lugar da Preguiça, Arada, Ovar, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º 780, estar inscrito na matriz predial rústica sob o artigo 1358º, confronta do Norte, Sul e Poente com caminhos e do Nascente com H, integrado em Zona da Reserva Agrícola Nacional, no Plano Director Municipal de Ovar, e o artigo matricial 1455º nada tem a ver com aquele prédio, tal como com ele nada tem a ver a descrição registal n° 38 4484.

  1. Por testamento lavrado no dia 3 de Março de 1939 na Secretaria Notarial de Ovar, I declarou instituir suas herdeiras de todos os seus bens, em partes iguais, a sua irmã J e a sua sobrinha K, e que se à sua morte já tivesse falecido alguma delas, a sobreviva seria a sua única e universal herdeira.

  2. I e J faleceram, respectivamente, nos dias 19 de Agosto de 1959 e 4 de Março de 1943.

  3. H sucedeu a seu pai, L, que faleceu no dia 6 de Março de 1968, e o primeiro faleceu no Brasil no dia 26 de Setembro de 1992, cujos únicos herdeiros são M, sua viúva, e N, seu filho.

  4. No dia 24 de Julho de 1979, K, por um lado, e B, por outro, declararam, em escritura pública lavrada pelo notário da Secretaria Notarial de Ovar, a primeira vender e o segundo comprar, por 10.000$00, o pinhal com mato, sito em Preguiça, Boçada, freguesia de Arada, matricialmente inscrito sob o artigo 1358º, omisso na Conservatória do Registo Predial.

  5. No dia 19 de Julho de 1994, em escritura pública lavrada no Cartório Notarial de Santa Maria da Feira, declararam, O, como procurador de M, de N e de P, por um lado, e A, por outro, os primeiros vender e o último comprar, por 2.100.000$00, um décimo indiviso de um prédio rústico composto por pinhal e mato com a área de 6480 m2, situado no lugar da Preguiça, Boçada, freguesia de Arada, Município de Ovar, inscrito na matriz sob o artigo 1358º, e anteriormente sob o nº 1455º, omisso na Conservatória do Registo Predial.

  6. O autor inscreveu no registo, em seu nome, no dia 3 de Outubro de 1994, sob o n.º 00780, na Conservatória do Registo Predial de Ovar, provisoriamente por dúvidas, um décimo indiviso do prédio mencionado sob 1, cuja conversão em registo definitivo ocorreu no dia 10 de Outubro de 1994.

  7. No dia 7 de Novembro de 1994, deu o autor conhecimento ao réu B, por carta, de que tinha adquirido da família ... um décimo do pinhal inscrito na matriz rústica de Arada sob o artigo 1358º e que estava interessado na aquisição da parte deles, se eles decidissem vendê-la.

  8. B e C, por um lado, e D e E, por outro, declararam por escrito, no dia 22 de Abril de 1996, os primeiros prometer vender e os últimos prometer comprar, por 6.500.000$00, nove décimos do prédio mencionado sob 1.

  9. B e C, por um lado, e D e E, por outro, declararam, em escritura pública outorgada no dia 21 de Maio de 1996 no Cartório Notarial de Ovar, os primeiros vender e os últimos comprar, por 10.000.000$00, nove décimos do prédio mencionado sob 1, negócio de que os primeiros não deram conhecimento ao autor.

  10. E registou sob o nº na sua titularidade, na Conservatória do Registo Predial de Ovar, nove décimos indivisos do prédio mencionado sob 1.

  11. B e C declararam vender a D e E apenas 9/10 do aludido prédio, porque o autor inscrevera em seu nome na Conservatória do Registo Predial de Ovar a décima parte indivisa.

  12. Por esse facto, ao pretenderem vender a totalidade do prédio D e E depararam com o obstáculo notarial de não poder ser feita a escritura pela totalidade sem que previamente...

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