Acórdão nº 1268/09.2TBSTS.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 03 de Dezembro de 2012
Magistrado Responsável | CARLOS QUERIDO |
Data da Resolução | 03 de Dezembro de 2012 |
Emissor | Court of Appeal of Porto (Portugal) |
Processo n.º 1268/09.2TBSTS.P1 Sumário do acórdão: I. Tendo os comproprietários de um prédio rústico “indiviso” acordado na sua divisão em duas parcelas, cada uma correspondente, sensivelmente, a metade da área total do prédio, demarcando as parcelas e passando cada um deles a praticar actos de posse exclusiva sobre a parcela que lhe coube nesse acordo, desde há mais de 30 anos, com o animus de actuar como titular do direito de propriedade sobre a “sua metade”, sem qualquer interferência do outro, ocorre a usucapião e, consequentemente, a divisão do prédio.
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Perante a situação descrita, tendo os autores/recorrentes alegado e provado a referida posse exclusiva, carece de sentido, por total incongruência, o pedido de condenação dos réus no reconhecimento da autora “como proprietária e legítima possuidora de metade indivisa do prédio rústico”.
Acordam no Tribunal da Relação do Porto I. Relatório B… e C…, casados entre si, intentaram a presente acção declarativa de condenação sob a forma do processo sumário contra D…, pedindo que a ré seja condenada: a) a reconhecer a 1.ª autora como proprietária e legítima possuidora de metade indivisa do prédio rústico, identificado no art. 1.º da petição inicial, bem como das árvores nele implantadas; b) a abster-se de vender ou prometer árvores plantadas no prédio supra identificado, bem como de praticar quaisquer outros actos que, de qualquer modo, violem o direito de propriedade da 1.ª autora; c) a entregar à 1.ª autora a quantia de € 5000 (cinco mil euros) referentes a metade do preço recebido pelo abate e venda dos eucaliptos plantados no identificado prédio; d) a pagar à 1.ª autora a quantia de € 5000 (cinco mil euros) a título de indemnização pelo valor futuro dos eucaliptos abatidos; e) a pagar aos autores uma indemnização pelos danos não patrimoniais pelos factos ocorridos no dia 13.10.2003.
Como suporte da sua pretensão, alegaram os autores em síntese: a 1.ª autora é proprietária e legítima possuidora de metade indivisa do prédio rústico, denominado de E…, de pinhal e mato, sito no …, ou …, na freguesia …, concelho da Trofa, a confrontar do norte com estrada e dos restantes lados com limites da referida freguesia e concelho, inscrito na matriz sob o artigo rústico 377 e não descrito na Conservatória do Registo Predial; a ré procedeu ao corte de um elevado número de árvores de grande porte do supra identificado prédio que vendeu a um madeireiro, pelo preço global de €10.000 (dez mil euros), que recebeu e não dividiu com a autora; no dia 13.10.2008, a ré dirigindo-se aos autores chamou-os de “ladrões”, “vigaristas”, dizendo que “queriam roubar o que era dela”; a ré pegou ainda num pau e dirigiu-se aos autores com a intenção de os agredir; os autores sentiram vergonha perante todas as pessoas que se encontravam no local, bem como com receio que a ré pudesse concretizar as suas ameaças.
Regularmente citada, a ré impugnou os factos articulados pelos autores, alegando que o dito prédio está dividido materialmente há muito mais de vinte anos, sendo que cada um cuida da sua parte e que o corte das árvores apenas ocorreu na parte que a ré sempre cuidou e que lhe pertence em virtude de tal divisão material.
Mais alegou a ré, a sua ilegitimidade passiva.
Realizou-se audiência preliminar, na qual, conforme consta da acta de fls. 131, foi julgada improcedente a excepção dilatória deduzida, tendo sido definidos os factos assentes e organizada a base instrutória.
Realizou-se a audiência de discussão e julgamento, após o que foi proferida decisão da matéria de facto (fls. 232), sem reclamações.
Foi proferida sentença, onde se julgou totalmente improcedente a acção, tendo sido os réus absolvidos de todos os pedidos.
Não se conformando com a decisão, os autores interpuseram recurso de apelação, apresentando alegações que culminam nas seguintes conclusões: 1 ª Atendendo à matéria de facto produzida nestes autos, deve considerar-se provado que “há mais de 20, 30 e 40 anos que os AA e os seus antecessores vêm ocupando metade indivisa do prédio rústico denominado de “E…”.
2 ª Em consequência, a resposta aos quesitos 27, 28, 29, 30, 31, 32, 33, 34, 35 e 36 ser adequada de modo a não haver contradição com a resposta ao 1º quesito.
3 ª “A inversão do título de posse, nos termos do art. 1265º do Código Civil supõe a substituição de uma posse precária, em nome de outrem, por uma posse em nome próprio”.
4 ª “A oposição tem de traduzir-se em actos positivos (materiais ou jurídicos) inequívocos (reveladores de que o detentor quer, a partir da oposição, actuar como se tivesse sobre a coisa o direito real que, até então, considerava pertencente a outrem) e praticados na presença ou com o consentimento daquele a quem os actos se opõem” 5 ª No caso dos autos, nunca houve uma posse em nome próprio da pretensa “metade” do prédio.
6 ª A “aquisição” do falecido marido da R., nunca foi do conhecimento dos AA., nem dos seus antecessores.
7 ª Se assim se não entender, não foi produzida prova consistente e suficiente para considerar que o prédio foi dividido nas duas partes alegadas pela Apelada.
Os réus responderam às alegações de recurso, pugnando pela sua improcedência.
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Do mérito do recurso 1. Definição do objecto do recurso O objecto do recurso, delimitado pelas conclusões das alegações (artigos 684.º, n.º 3 e 685.º-A n.ºs 1 e 3 do CPC), salvo questões do conhecimento oficioso (artigo 660º, nº 2, in fine), consubstancia-se nas seguintes questões: i) apreciação do recurso da matéria de facto; ii) apreciação do mérito da sentença em função da resposta a dar ao recurso da matéria de facto.
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Recurso da matéria de facto 2.1. A alegada contradição Nas conclusões 1.ª e 2.ª, alegam os recorrentes: atendendo à matéria de facto produzida nestes autos, deve considerar-se provado que «há mais de 20, 30 e 40 anos que os AA e os seus antecessores vêm ocupando metade indivisa do prédio rústico denominado de “E…”»; em consequência, a resposta aos quesitos 27, 28, 29, 30, 31, 32, 33, 34, 35 e 36 deve ser adequada de modo a não haver contradição com a resposta ao 1º quesito.
Transcreve-se a factualidade em causa (quesitos), com vista a averiguar se existe a apontada contradição.
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Há mais de 20, 30 e 40 anos que os autores e seus antecessores vêm delimitando/vedando a metade indivisa do prédio identificado em A)? 26.º O falecido marido da Ré e esta, e depois esta e os restantes herdeiros, utilizam o referido prédio há mais de 20 e 30 anos para o corte do mato para os seus animais, assim como cortam arvores, arranjam os muros, etc.? 27.º Contratando e pagando todos trabalhos que fosse necessário fazer nesse prédio? 28.º Fazendo-o à vista e com conhecimento de toda a gente, sem oposição de ninguém, ininterruptamente há mais de 20 e 30 anos, na convicção de serem seus proprietários e de não lesar direitos alheios? 29.º Sem que ninguém - designadamente os Autores e os seus antecessores pusessem em causa a sua posse e a qualidade de proprietários como sempre agiram e que sempre foi reconhecida? 30.º Os Autores, antes de proporem a presente acção e enviarem a notificação judicial a que aludem no seu articulado apenas pretendiam acertar as extremas do prédio de que são proprietários com o prédio da Ré e restantes herdeiros do seu falecido marido, nos termos da planta? 31.º E que esta e os restantes herdeiros recusaram uma vez que a divisão e limitação do prédio destes com o dos Autores, sempre esteve, desde antes da data em que foi vendido pelos anteriores proprietários do prédio, perfeitamente definida? 32.º Já que a parte de cada um era a mesma por onde seguiam os marcos do prédio existente do outro lado da estrada e que também pertenciam aos antecessores dos Autores. E aos vendedores do prédio que hoje pertence à Ré e aos restantes herdeiros do seu falecido marido? 33.º Tendo existido ainda um marco, exactamente na mesma linha dos que existiam no outro prédio, e que dividia o prédio agora dos Autores do prédio que o falecido marido da Ré adquiriu? 34.º Divisão essa que foi sempre respeitada por ambos os proprietários, designadamente pelos antecessores dos Autores e pelos vendedores do prédio propriedade da Ré e seu marido, e depois por estes? 35.º Os Autores, após o processo ter sido contestado, em Março passado, procederam ao corte e abate de todas as árvores que possuíam no prédio que é contíguo àquele que a Ré e o seu falecido marido usufruem em exclusivo há muito mais de 30 anos? 36.º Os Autores não só procederam ao corte dessas árvores como à sua venda a um negociante de madeiras, embolsando o respectivo preço? Aos quesitos enunciados, respondeu o Tribunal da seguinte forma: Quesito 1.º: provado apenas que há mais de 20, 30 e 40 anos que os autores e seus antecessores vêm ocupando metade do prédio rústico denominado de “E…” Quesitos 26.º a 31.º: provados.
Quesito 32.º: provado apenas que a metade de cada um foi definida por onde seguiam os marcos do prédio existente do outro lado da estrada e que também pertenciam aos antecessores dos Autores e F… e marido.
Quesito 33.º: provado.
Quesito 34.º: provado apenas que a divisão feita foi sempre respeitada por ambos os proprietários, designadamente pelos antecessores dos autores e pelos vendedores do prédio à ré e seu marido e depois destes.
Quesito 35.º: provado apenas que os autores após o processo ter sido contestado, em Março passado, procederam ao corte e abate de todas as árvores que possuíam na sua metade do prédio.
Quesito 36.º: provado.
Com o devido respeito, não vislumbramos qualquer contradição.
Com efeito, a prova do quesito 1.º [Há mais de 20, 30 e 40 anos que os autores e seus antecessores vêm delimitando/vedando a metade indivisa do prédio identificado em A)[1]] em nada colide com a prova produzida nos restantes quesitos.
Vejamos.
Os autores alegaram que adquiriram “metade indivisa” dum prédio, por herança, no processo...
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