Acórdão nº 05B839 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 05 de Maio de 2005 (caso NULL)

Magistrado ResponsávelARAÚJO BARROS
Data da Resolução05 de Maio de 2005
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: "A" - Serviços Informáticos, L.da" intentou, no Tribunal Cível do Porto, acção declarativa de condenação com processo ordinário contra ""B", L.da", pedindo a sua condenação no pagamento da quantia de 92.362,50 Euros, acrescida dos juros de mora; subsidiariamente pede a restituição da quantia de 90.000,00 Euros, a título de enriquecimento sem causa, também acrescida de juros de mora.

Alegou, em síntese, ter, na sequência de contrato celebrado, vendido à ré licenças de aplicações informáticas, não tendo esta pago a totalidade do preço e, relativamente à quantia parcial de 90.000 Euros que pagou, ter obtido ilegitimamente a respectiva devolução.

Citada a ré contestou, impugnando os factos vertidos pela autora.

Deduziu reconvenção pedindo a condenação da autora no pagamento de 20.596,02 Euros, com juros de mora, a título de indemnização por incumprimento do contrato acima referido; de 59.995,41 Euros, com juros de mora, por perda de incentivo financeiro; da quantia de 73.259,07 Euros pelo prejuízo causado com o investimento frustrado com hardware e sistemas operativos; e no pagamento de quantia, a liquidar em execução de sentença, por danos emergentes e lucros cessantes.

Findos os articulados foi exarado despacho saneador e seleccionada a matéria de facto assente e controvertida, procedendo-se depois, a julgamento, com decisão acerca da matéria constante da base instrutória.

Foi, posteriormente, proferida sentença que decidiu: a) - julgar a acção improcedente e absolver a ré do pedido naquela formulado; b) - julgar a reconvenção parcialmente procedente e condenar a autora a pagar à ré, a título de indemnização, a quantia de 76.193,14 Euros, acrescida de juros de mora, à taxa legal, a contar da notificação da reconvenção; c) - condenar ainda a autora a pagar à ré, nos termos acima apontados, a quantia que vier a ser liquidada em execução de sentença.

Inconformada apelou a autora, sem êxito, uma vez que o Tribunal da Relação do Porto, em acórdão de 15 de Novembro de 2004, julgou improcedente a apelação, confirmando a sentença recorrida.

Interpôs, agora, a autora recurso de revista, pretendendo que: a) julgadas procedentes as invocadas nulidades, deverá o STJ decretar a anulação do acórdão recorrido e a devolução do processo ao Tribunal da Relação, a fim de que este decida novamente, reformando a decisão primitiva sem as nulidades que a inquinam; b) em virtude da alegada violação da lei substantiva, deve ser revogada a confirmação pela Relação da condenação da autora a indemnizar a ré pelos prejuízos decorrentes da não obtenção do financiamento SIPIE, decretando-se a correspondente absolvição da autora, ou, subsidiariamente, limitando-se a condenação da autora ao pagamento de 23.722,83 Euros, a título de indemnização total pela perda de subsídios do SIPIE.

Em contra-alegações pugna a recorrida pela manutenção do acórdão impugnado.

Verificados os pressupostos de validade e de regularidade da instância, corridos os vistos, cumpre decidir.

Nas alegações do recurso o recorrente formulou as conclusões seguintes (sendo, em princípio, pelo seu teor que se delimitam as questões a apreciar - arts. 690º, nº 1 e 684º, nº 3, do C.Proc.Civil): Violação da lei de processo 1. O não uso lato sensu pela Relação dos poderes de reapreciação da matéria de facto, a omissão de conhecer de facto, envolvendo postergação da lei processual e dos direitos da recorrente, é sindicável e censurável por este Supremo Tribunal.

  1. Acontece que a Relação teceu considerações puramente abstractas acerca do princípio da livre apreciação da prova, foi antecipando a conclusão de que não há razões para alterar a decisão sobre a matéria de facto, e em 17 linhas, acenou ao de leve aos 9 concretos pontos de facto impugnados pela apelante, as únicas linhas que permitem identificar com esta causa a fundamentação da decisão do recurso sobre matéria de facto.

  2. Girando sempre em volta de um axioma: o Juiz da 1ª instância é quem se encontra em melhor posição para avaliar e decidir quanto ao valor a atribuir a determinado depoimento, não sendo possível à Relação, através da gravação (ou transcrição), reapreciar o processo como o julgador formulou a sua convicção, pelo que, em princípio e salvo casos muito excepcionais (os previstos na redacção do art° 712° do CPC anterior a 1995), o Juiz de 1ª instância é soberano no seu julgamento em matéria de facto.

  3. Sustentando uma visão arcaica da oralidade, da imediação e do princípio segundo o qual o tribunal aprecia livremente a prova, decidindo segundo a sua prudente convicção; uma visão que rói a exigência do uso da razão e do exame crítico e objectivo como critério e fundamento da apreciação da prova e da decisão sobre os factos, sobrevalorizando impressões de matriz sensorial na prova testemunhal, e desvalorizando a análise metódica da consistência intrínseca (verosimilhança) e extrínseca (por comparação com outras provas) do depoimento.

  4. E ignorando, com a repetidamente proclamada impotência da Relação para alterar a decisão da 1ª instância sobre matéria de facto, por falta de imediação e de oralidade, a função e a configuração do recurso de apelação quanto à matéria de facto.

  5. Em síntese, o acórdão recorrido chegou à conclusão sintética de que não podia modificar a decisão da 1ª instância sobre a matéria de facto sem especificar os concretos meios de prova e as concretas razões que fundamentam a sua decisão de confirmar o julgamento sobre os pontos de facto impugnados.

  6. Na realidade, não há no acórdão recorrido verdadeira decisão da Relação atinente à matéria de facto, que manifestamente não reapreciou, há uma omissão, uma abstenção de realmente conhecer de facto, como lhe compete como Tribunal de 2ª instância, "assim postergando, de modo ostensivo, a lei processual e os direitos da parte em ver reapreciados os indicados e concretos pontos controvertidos incluídos na base instrutória".

  7. Essa postergação representa uma clara "irregularidade" com manifesta influência "no exame e decisão da causa", o que consubstancia uma nulidade processual de que o Supremo Tribunal de Justiça pode conhecer e censurar - e aqui expressamente arguida pela recorrente.

  8. E, como consequência natural da sua abstenção de realmente conhecer de facto, de se ter esquivado a reapreciar as provas em que assentou a parte impugnada da decisão, tendo em atenção o conteúdo das alegações da recorrente, corno lhe comete o art. 712°, n° 2, do CPC, nem se pronunciou concretamente sobre os pontos de facto impugnados pela recorrente e sobre as provas cuja reapreciação lhe era solicitada, nem especificou os fundamentos de facto da sua decisão, substituindo o cumprimento desses deveres por considerações genéricas e universais sem qualquer densidade ou individualidade que as reporte ao caso concreto.

  9. Nessa medida, e sem prejuízo da nulidade já anteriormente apontada, o acórdão recorrido é igualmente nulo - art. 668°, n° 1, b) e d), aplicável por força do art. 716°, ambos do CPC.

  10. Por outra parte, sob a ténue aparência duma singular decisão de improcedência do recurso sobre matéria de facto interposto na apelação, o que o acórdão recorrido verdadeiramente manifesta é a sua oposição ao regime legal vigente em matéria de recurso da decisão da 1ª instância sobre matéria de facto, à existência de um verdadeiro 2° grau de jurisdição no âmbito da matéria de facto e à atribuição ao Tribunal de Relação da natureza de 2ª instância em matéria de facto, é a sua recusa de aplicação desse regime.

  11. Nessa medida, é inconstitucional, viola os princípios constitucionais, próprios do Estado de Direito, da separação de poderes e da sujeição do tribunal à lei - arts. 111º e 203° da CR, 8°, n° 2, do CC e 3° e 4°, n° 1, da LOTJ99, e atenta, inconscientemente, contra a sua própria independência e autoridade, como poder independente dos demais, pois a sujeição à lei é indissociável dessa independência.

  12. Dado o exposto, o acórdão recorrido não reapreciou a matéria de facto impugnada, pelo que deverá o Supremo Tribunal de Justiça decretar a sua anulação e a devolução do processo ao Tribunal da Relação, a fim de que este decida novamente, reformando a decisão primitiva sem as nulidades que a inquinam.

    Recurso sobre matéria de direito 14. Não foi dado como provado que, no âmbito das relações comerciais entre a autora e a ré, esta tivesse contratado com aquela o fornecimento de software para a obtenção de um financiamento, apenas está dado como provado que a ré fez uma encomenda de software à autora e que esse software estava incluído pela ré num projecto de investimentos.

  13. O acórdão recorrido ignora, pura e simplesmente, o argumento da apelante, tratando como um dado adquirido, sem discussão, o que aquela, na alegação, punha em causa - nulidade que expressamente se invoca - art. 668°, n° 1, d), por remissão do art° 716°, ambos do CPC.

  14. Acontece que o acórdão recorrido, ao imitar a sentença da 1ª instância, incorre ainda noutro vício em que já ela incorrera: o de criar factos que não deve tomar em consideração, pois nem foram admitidos por acordo, nem provados por documentos ou por confissão escrita, nem os que deu como provados no julgamento da matéria de facto - art. 659°, n° 3, do CPC.

  15. Deste modo, a Relação, na esteira da 1ª Instância, suprindo com uma não permitida ampliação o facto de só estar dado como provado que a ré fez uma encomenda de software à autora e que esse software estava incluído pela ré num projecto de investimentos, aplicou erradamente os arts. 798° e 562° do CC, cuja aplicação pressupõe a prova da existência de um contrato entre as partes nos termos do qual a autora se tivesse obrigado a entregar à ré licenças totalmente traduzidas e localizadas em determinada data e para esta dar cumprimento às condições de concessão de incentivos financeiros no âmbito do SIPIE.

  16. Sem conceder, a perda de um incentivo ao investimento é uma consequência fortuita e atípica daquela suposta falta da autora, pelo que...

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