Acórdão nº 721/17.9T8GMR-H.G2.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 20 de Outubro de 2022

Magistrado ResponsávelJOSÉ ALBERTO MOREIRA DIAS
Data da Resolução20 de Outubro de 2022
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam os Juízes Desembargadores da 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães, no seguinte: I- RELATÓRIO Por apenso aos autos de insolvência, em que P. M. se apresentou à insolvência e onde por sentença proferida em 09/02/2017, entretanto transitada em julgado, foi declarado insolvente, X, S.A.

, sociedade de direito francês, com sede em …, França, instaurou a presente ação para restituição de bens contra a Massa Insolvente de P. M.

, representada pela administradora da insolvência, os credores do insolvente e o devedor/insolvente, P. M.

, pedindo que se declarasse a Autora como legítima proprietária das ações apreendidas e se condenasse os requeridos a restituírem-lhe as ações que incorretamente se encontram apreendidas.

Para tanto alegou, em síntese, que em 16/04/2013 celebrou com o devedor/insolvente P. M. um acordo, nos termos do qual este cedeu-lhe 25.500 ações nominativas da categoria B, de valor nominal de 1,00 euro cada, do capital social da sociedade Y – Sociedade de Distribuição, S.A., mediante o preço de 127.500,00 euros, que pagou.

Aquando da celebração do contrato a Caixa ... (CAIXA ...) detinha um penhor sobre as referidas ações, como garantia de todas as responsabilidades assumidas pela Y, S.A. em dois contratos de abertura de crédito em conta corrente, com um valor global de 5.300.000,00 euros.

Apesar da validade e da eficácia do referido contrato de cessão das ações não ficarem dependentes de qualquer autorização por parte da CAIXA ..., informou-a desse negócio por mails de 16/04/2013 e 17/04/2013 e, nessa sequência, a última emitiu em 30/05/2017 declaração em como teve conhecimento atempado do contrato de cessão de ações celebrado em 16/04/2013 e nada ter a opor à referida cessão das ações.

A transmissão das ações em causa foi devidamente registada, por via informática, no livro de registo de ações da Y.

Acontece que, aquando da declaração da insolvência de P. M., em 09/02/2017, as ações encontravam-se depositadas numa carteira de títulos em nome do identificado P. M., facto esse que era do total desconhecimento da Autora e que apenas se deveu à falta de diligência por parte da CAIXA ..., que não encetou os procedimentos necessários para a correção de tal situação após lhe ter sido comunicada a cessão das ações para a Autora.

Em 18/04/2017, a administradora da insolvência remeteu carta registada à Y e à Autora, onde deu nota ter tido conhecimento da celebração do contrato de cessão de ações, ocorrido em 16/04/2013, mas sustentando desconhecer se esse negócio foi ou não ratificado pela CAIXA ... e solicitando que lhe fosse remetida cópia do contrato definitivo celebrado.

Por carta registada datada de 26/04/2017, a Autora prestou à administradora da insolvência todas as informações solicitadas e concretizou os termos em que havia ocorrido o negócio de cessão das ações.

Seguiram-se outras cartas entre a Autora e a administradora da insolvência (cujo teor a Autora concretiza na petição inicial), até que, por carta de 29/11/2018, a administradora da insolvência informou a Autora que, como é do conhecimento desta, aquela tinha procedido à apreensão das ações a favor da massa insolvente.

Acontece que essa afirmação da administradora da insolvência é falsa, dado que a Autora apenas teve conhecimento da apreensão das ações em 03/01/2019, na sequência dos documentos que lhe foram remetidos pela própria administradora da insolvência.

Sucede que, mesmo ciente de que as ações não eram propriedade do devedor/insolvente P. M., mas antes da Autora, tantas foram as insistências da administradora da insolvência que a CAIXA ... acabou por transferir as ações para a Massa Insolvente e esta recusa-se a devolvê-las à Autora.

A Ré Massa Insolvente de P. M. contestou defendendo-se por exceção e por impugnação.

Invocou a exceção dilatória da litispendência, sustentando que, no âmbito do apenso G, a Autora instaurou incidente em que deduziu os mesmos pedidos, com fundamento na mesma causa de pedir que formula nos presentes autos.

Invocou a exceção perentória da caducidade do direito de ação da Autora, alegando que esta tomou conhecimento, pelo menos, em agosto de 2017, do pedido efetuado pela administradora da insolvência junto da CAIXA ... para que procedesse à transferência das ações a favor da massa insolvente de P. M.; acresce que a transferência das ações pela CAIXA ... para a conta da massa insolvente veio a ser judicialmente ordenada já no decurso do ano de 2018; assim, tendo em conta que a Autora só em 07/12/2018 lançou mão do incidente do art. 144º do CIRE; que só em 21/03/2019, lançou mão da presente ação; que as ações foram efetivamente transferidas/apreendidas para a massa insolvente em 12/09/2018; e o prazo de 30 dias fixado para a reclamação de créditos na sentença declaratória da insolvência, na sua perspetiva, o prazo de cinco dias, posteriores à data da apreensão de ações previsto no art. 144º, n.º 1 do CIRE, para a Autora exercer o direito de restituição das ações, já se encontrava precludido, por caducidade, quando aquela instaurou o incidente que corre termos pelo apenso G.

Excecionou alegando que o registo das ações em suporte informático invocado pela Autora não cumpre os pressupostos da al. e), do n.º 2 do art. 2º da Portaria n.º 290/2000, na medida em que esse pretenso registo não se encontra certificado eletronicamente, nomeadamente, por entidade credenciada e certificadora, não possui qualquer menção à chave, nem certificado ou oposição de qualquer assinatura digital.

Excecionou sustentando que, nos termos da cláusula 5ª, n.º 4 do termo de penhor, este só se extinguirá pela extinção das responsabilidades da sociedade mutuária, o que não é o caso e, bem assim, que a alegada transmissão das ações para a Autora por via do pretenso contrato de cessão de ações nominativas, não se mostra perfectibilizado, porquanto, à data da insolvência e aquando das diligências tendentes à apreensão das ditas ações a favor da massa, aquelas não se mostravam acompanhadas da declaração de transmissão escrita no título, além de que, para que se opere a transmissão das ações para a Autora, não basta a existência do negócio de cessão, mas é preciso o endosso das ações e o registo da transmissão das mesmas para a Autora, o que não sucedeu.

Impugnou parte da facticidade alegada pela Autora, expendendo que esta e a CAIXA ... sempre tiveram conhecimento que as ações foram apreendidas a favor da massa insolvente; que tal apreensão só foi possível devido ao facto de, após a declaração de insolvência de P. M., em 09/02/2017, as ações encontrarem-se na posse e na titularidade do insolvente; que a administradora da insolvência só teve conhecimento da existência do alegado contrato de cessão das ditas ações após a declaração da insolvência de P. M.; que nenhum facto confirma essa pretensa cessão das ações a favor da Autora; que estando as referidas ações empenhadas junto da CAIXA ... desde 21/05/2008, a cessão daquelas sempre estaria sujeita a autorização/ratificação pelo credor pignoratício, a CAIXA ..., a qual, à data da alegada cessão das ações, não deu a sua autorização à celebração do negócio de cessão destas invocado pela Autora, nem dele teve conhecimento, e só já no decurso do processo de insolvência e aquando do pedido de transferência das ações para a conta de títulos da massa insolvente, tomou conhecimento desse pretenso contrato de cessão de ações; a CAIXA ..., em março de 2017, reclamou os seus créditos na parte garantida pelo penhor das ações nos autos de insolvência e apenas em 30/05/2017, já após a declaração da insolvência de P. M., ratificou o alegado negócio, datado de 16/04/2013, o que consubstancia má fé e abuso de direito por parte da CAIXA ... que, ao reclamar os seus créditos em março de 2017, deduziu uma pretensão de pagamento e graduação de créditos ilegal, pretendendo receber da insolvência um crédito que sabe não lhe ser devido pelo insolvente e/ou pela massa insolvente, mas pela Autora, caso se entenda que esta é a legítima proprietária das ações sobre as quais a CAIXA ... pode exercer os seus direitos de penhor.

Terminou pedindo, a título principal, que se julgassem procedentes as exceções da litispendência e da caducidade e, em todo o caso, se julgasse a ação improcedente.

O devedor/insolvente P. M. contestou, defendendo-se por exceção e por impugnação.

Invocou a exceção dilatória da litispendência e, bem assim, a exceção perentória da caducidade basicamente com os mesmos fundamentos que foram deduzidos pela Ré massa insolvente.

Excecionou invocando a anulabilidade do contrato de cessão de ações celebrado com a Autora, alegando que apenas assinou esse contrato por ter sido pressionado e coagido pelos representantes da Autora e com medo desses representantes, que o agarraram pelo braço, forçaram-no a sentar-se numa das cadeiras e a assinar o contrato de cessão das ações, o que fez, sem nunca ter a intenção de o assinar e sem que o teor deste correspondesse à sua vontade real.

Mais excecionou alegando que, a partir do momento da assinatura do contrato de cessão de quotas, ficou plenamente convencido que a Autora assumiria todas as responsabilidades daquele perante terceiros, na qualidade de fiador e/ou de avalista da Y, entendimento esse que retirou, e se retira, do teor da cláusula 3ª, n.ºs 3 e 4 do aludido contrato, pelo que o negócio de cessão das ações está condicionado à assunção por parte da Autora das obrigações decorrentes dos avais e fianças que prestou à Y perante terceiros e à correspetiva exoneração do devedor/insolvente de tais responsabilidades, o que nunca aconteceu.

Impugnou parte da facticidade alegada pela Autora, invocando essencialmente a mesma defesa apresentada pela massa insolvente e sustentou que o invocado contrato de cessão de ações não traduz qualquer contrato definitivo de cessão de ações, mas antes um contrato promessa em que se obrigou a celebrar com a Autora um contrato mediante o qual cederia à última as ações objeto dos autos.

Concluiu...

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