Acórdão nº 1065/06.7TBESP.P1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 21 de Junho de 2011

Magistrado ResponsávelGREGÓRIO SILVA JESUS
Data da Resolução21 de Junho de 2011
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça I— RELATÓRIO “AA - , Ldª, com sede na Rua ......., ......, Espinho, intentou acção declarativa, com processo ordinário, contra BB, residente na Rua ....., nº ....., Espinho, e “Companhia de Seguros CC, S.A.”, com sede no Largo do Calhariz, nº 30, Lisboa, pedindo a condenação solidária dos réus a pagarem-lhe a quantia de 15.193,00 €, acrescida de juros de mora à taxa legal desde a citação até efectivo e integral pagamento.

Alega para tanto, em síntese, que o réu BB foi seu contabilista e técnico oficial de contas durante mais de 15 anos, pagando-lhe mensalmente os respectivos honorários, e que o mesmo, no exercício das suas funções, não a informou do ónus de comunicar à administração fiscal que pretendia optar pelo denominado regime geral de determinação do lucro tributável, tendo, por isso, sido tributada pelo denominado regime geral simplificado, disso lhe advindo prejuízos, pois que se tivesse sido tributada por aquele primeiro regime geral teria liquidado a título de IRC uma quantia inferior em 15.193,00 €, por cujo ressarcimento é também responsável a ré seguradora por força de contrato de seguro que celebrou com a Câmara dos Técnicos Oficiais de Contas.

Contestou apenas a ré seguradora excepcionando a incompetência territorial do tribunal recorrido, por ser competente o tribunal da comarca de Lisboa, e a ilegitimidade da autora, e, por impugnação, sustentando que o contrato de seguro não cobre a indemnização peticionada pela autora, apenas abrangendo a responsabilidade extracontratual dele estando excluído o acordo alegado entre a autora e o 1º réu, concluindo pela procedência das excepções e pela improcedência da acção.

A autora replicou pugnando pela improcedência das excepções.

Foi proferido despacho saneador que julgou improcedente a excepção de incompetência territorial do tribunal recorrido e procedente a de ilegitimidade passiva da ré, e não da autora, absolvendo a seguradora da instância. Mais considerou, perante a falta de contestação do réu, confessados os factos articulados pela autora na sequência do que veio a ser proferida sentença a condenar o réu BB nos termos peticionados.

A autora agravou do despacho saneador na parte em que declarou a ré seguradora parte ilegítima no que obteve provimento no Acórdão da Relação do Porto de 17/12/08 (fls. 362 a 373), pelo que se procedeu à selecção da matéria de facto, sem reclamações.

Realizada a audiência de discussão e julgamento e decidida a matéria de facto, nos termos que constam do despacho de fls. 473/474, foi proferida sentença que julgou a acção procedente e, consequentemente, condenou solidariamente os réus no pagamento à autora da quantia de 15.193,00€, acrescida de juros à taxa legal de 4% desde a citação até efectivo e integral pagamento.

Inconformada, apelou a ré, a Relação do Porto julgou parcialmente procedente a apelação e, alterando a sentença recorrida, condenou solidariamente os réus no pagamento à autora da quantia de 13.481,82€, e o réu BB a pagar à autora a quantia de 1.497,98€, quantias acrescidas de juros à taxa legal de 4% desde a citação até efectivo e integral pagamento.

Continuando inconformada, a ré seguradora recorreu de revista, e nas alegações que apresentou formulou as seguintes conclusões: a) 1ª questão - o acórdão recorrido deve ser considerado nulo por omissão de pronúncia em relação a uma das questões levantadas pela Recorrente (questão que aqui se coloca em 4º lugar); b) com efeito, na decisão, o julgador deve "indicar, interpretar e aplicar as normas jurídicas correspondentes, concluindo pela decisão final, o que foi de todo omitido no que toca à questão que então se colocou ao Tribunal de recurso; c) 2ª questão - Da matéria de facto dada como provada não se pode extrair que o 1º Réu estivesse obrigado para com a Autora a exercer qualquer opção ou sequer a aconselhar o exercício de uma opção ligada ao regime de tributação a que esta última ficaria submetida; d) A decisão que foi citada na sentença em recurso, assentou no pressuposto de que entre o dito t.o.c e o seu cliente foi acordada a prestação de serviços de consultoria fiscal e que aquele técnico se comprometeu também a entregar junto da Administração Fiscal a competente declaração de opção; e) Embora não se prescinda do entendimento que a seguir se defende, repisa-se o que ressalta da Jurisprudência analisada: o técnico oficial de contas pode exercer funções de consultoria (e outras como entrega de declarações fiscais) desde que acordado com o cliente; f) Ora, da matéria de facto dada como provada, o que se pode concluir é, apenas e só, que "durante cerca de 15 anos e até Junho de 2006 o réu BB fiscalizava, organizava e coordenava a execução da contabilidade da autora, assinando, conjuntamente com o legal representante da mesma, as declarações fiscais, as demonstrações financeiras e anexos" (realçado da responsabilidade da Apelante); g) O conteúdo da obrigação assumida pelo 1º Réu perante a Autora foi única e exclusivamente a fiscalização, organização e coordenação da "execução da contabilidade": Execução da contabilidade; h) E assinar declarações conjuntamente com o legal representante da Autora; i) Exercer uma opção por um determinado regime de tributação ou aconselhar esse exercício nada tem a ver com execução de contabilidade; j) Não se provou que o 1º Réu se tivesse comprometido perante a Autora com qualquer outro tipo de prestação de serviços; k) Logo, o 1º Réu não estava obrigado a agir ou a aconselhar a agir num ou noutro sentido de conformação do regime de tributação; 1) 3ª questão - Há ainda que ponderar a apropriação ilícita que está a ser permitida nestes autos pois o contrato de seguro não pode cobrir os eventos que a Autora alegou nem estes eventos são susceptíveis de serem reconduzidos a um "erro profissional" do técnico oficial de contas; m) Nos termos do artigo 2º, n° 1, das Condições Gerais da Apólice dos autos "O presente contrato tem por objecto a garantia da responsabilidade extracontratual que, ao abrigo da lei civil, seja imputável ao segurado, na qualidade ou no exercício da actividade expressamente referidas nas respectivas Condições Especiais e Particulares"; n) Nos termos do ponto 3 das Condições Particulares do contrato de seguro dos autos, estão cobertas "as indemnizações que legalmente sejam exigíveis ao Segurado, em consequência de danos patrimoniais causados a Clientes e ou Terceiros, desde que resultem de actos ou omissões cometidos durante o exercício da actividade de Técnico Oficial de Contas."; o) Por outro lado, o n° 4 das condições especiais do contrato de seguro dos autos que prevê que "para além das exclusões referidas nas Condições Gerais, fica ainda excluída a responsabilidade: (...) por danos resultantes da prática de actos e/ou exercício de actividade profissional, para os quais o Segurado não esteja legalmente habilitado"; p) Assim, a apólice dos autos não abrange qualquer responsabilidade decorrente da prática de qualquer acto ou exercício de qualquer actividade que não se enquadre na actividade a que, por lei, os técnicos oficiais de contas estão habilitados a exercer, o que nos leva a ter de determinar os riscos decorrentes do exercício da profissão para a qual o técnico oficial de contas esteja habilitado e à análise das funções legalmente consagradas no art. 6º do Estatuto da Câmara dos Técnicos Oficiais de Contas; q) Do art. 6º do "ECTOC" resulta claro que o cerne e conteúdo fundamental da actividade a que os técnicos oficiais de contas estão habilitados a prosseguir está concentrado na alínea a) do citado preceito; r) Tudo gira à volta de "planificar, organizar e coordenar a execução da contabilidade das entidades sujeitas aos impostos sobre o rendimento que possuam ou devam possuir contabilidade regularmente organizada" - note-se: planificar, organizar e coordenar a execução da contabilidade; s) É de execução da contabilidade que se trata e de tudo quanto tenha a ver com planificar, organizar e coordenar essa tarefa de execução; t) No elenco das funções legalmente atribuídas aos técnicos oficiais de contas enquadra-se apenas e só tudo o que tem a ver com organização e arquivo de documentos contabilísticos e fiscais, classificação de documentos e seu lançamento nos respectivos livros contabilísticos e no sistema informático e apuramento de impostos a pagar, ao que se acrescenta a planificação da execução dessa actividade com prestação de consultoria nessa área; u) Não lhe cabe proceder ao exercício de opções de natureza jurídico - fiscal ou ao aconselhamento dessa natureza; v) O entendimento de que aos técnicos oficiais de contas é permitido o exercício da actividade aconselhamento jurídico - fiscal representa a primeira apropriação que aqui se denuncia: é que a questão que se discute nestes autos (opção ou conselho de opção por um ou outro regime de tributação) envolve uma actividade de aconselhamento jurídico - fiscal, pois trata-se aqui de emitir um juízo opinativo para fundamentar uma resolução da administração tributária que pressupõe a interpretação e aplicação de normas jurídicas; w) Porém, ao contrário do que a Autora pretende neste processo, a responsabilidade que está a pretender assacar ao 1º Réu é uma responsabilidade que se enquadra, não na actividade dos "TOC", mas na dos advogados e solicitadores habilitados à prática de actos jurídicos e à consulta jurídica - fiscal, reservada a estes profissionais nos termos da Lei n° 49/2004, de 24 de Agosto (cfr. também os artigos 53° e 56° do Estatuto da Ordem dos Advogados aprovado pelo Decreto-Lei n° 84/84, de 16 de Março e pela Lei n° 15/2005, de 26 de Janeiro e o artigo 358°, b) do Código Penal); x) É por esta mesma razão que o art. 3º, n° 2 do Código Deontológico dos Técnicos Oficiais de Contas dispõe que "os Técnicos Oficiais de Contas devem eximir-se da prática de actos que não sejam da sua competência profissional ou quando os mesmos, nos termos da lei, sejam da competência de outros...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO
7 temas prácticos
7 sentencias

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT