Acórdão nº 05P546 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 17 de Março de 2005 (caso NULL)
Magistrado Responsável | SANTOS CARVALHO |
Data da Resolução | 17 de Março de 2005 |
Emissor | Supremo Tribunal de Justiça (Portugal) |
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: 1. "A" foi julgado no Tribunal Colectivo da Comarca de Abrantes e, por Acórdão de 2004-03-05, julgando-se a acusação e o pedido de indemnização cível parcialmente procedentes, foi decidido quanto à parte criminal, além do mais e após haver sido dado cumprimento ao disposto no art.º 358, n.º 3, do C. P. Penal (fls. 1357 a 1421 e 1423 a 1425): a) Absolver o arguido da autoria material de um crime de detenção ilegal de arma de defesa, p. p. p. art.º 6.º, n.º 1, da Lei n.º 22/97, de 27 de Junho, na redacção da Lei n.º 98//01, de 25 de Agosto, e da autoria material, em concurso real com tal crime, de um crime de detenção de arma proibida, p. p. p. art. art.s 3., n.º 1, al. d), do Dec.-Lei n.º 207-A/75, de 17 de Abril, e 275, do C. Penal; b) Condenar o arguido pela prática como co-autor, na forma consumada, de um crime de homicídio qualificado, p. p. p. art.ºs 26.º, 131.º e 132.º, n.ºs 1 e 2, als. h) e 1.ª e 2.ª parte da al. i), todos do C. Penal, na pena de 20 (vinte) anos de prisão.
Do acórdão da 1ª instância recorreram para o Tribunal da Relação de Évora o arguido, pretendendo a sua absolvição, e a assistente, entendendo que o montante da pena de prisão era insuficiente e que alguns montantes indemnizatórios deviam ser superiores, mas esse Tribunal, por Acórdão de 30 de Novembro de 2004, decidiu rejeitar o recurso da assistente B no que tange à vertente criminal, por falta de legitimidade e de interesse em agir, e negar provimento aos recursos do arguido e da assistente (o desta, face ao acima exposto, apenas na parte cível) e, em consequência, manter-se a decisão da 1ª instância.
-
Do acórdão da Relação de Évora recorre agora o arguido para este Supremo Tribunal de Justiça e, da sua fundamentação, retira as seguintes conclusões: - Oficiosamente e no cumprimento da jurisprudência fixada pelo Ac. de STJ de 19/10/95, publicado no DR 1ª S.-A de 28/12/95, V.ªs Exas. conhecerão da existência ou não dos vícios enunciados no art. 410 n.º 2 do C.P.P.
- Os factos dados como provados, atento as circunstâncias de lugar, modo e tempo em que ocorreram são insusceptíveis de qualificar o crime de homicídio em causa nos autos.
- Entende-se assim que o acórdão recorrido viola os dispostos nos artigos 131 e 132 n.º 1 e 2 h) e i) os quais deviam ter sido interpretados no sentido de só serem aplicados perante provas concretas e irrefutáveis, o que in casu não aconteceu.
- Considerada que seja correctamente valorada a matéria dada como provada e respectivo enquadramento jurídico efectuadas pelo Tribunal a quo sempre se impõe uma substancial redução na pena de prisão aplicada ao recorrente, em obediência aos princípios da adequação e humanidade das penas e tendo em atenção as condições do recorrente, nomeadamente ser primário, estar bem inserido social e familiarmente com a família constituída (esposa e dois filhos) e ainda a sua idade.
-
Respondendo ao recurso, o M.º P.º na Relação do Porto pronunciou-se pelo seu não provimento.
O Excm.º P.G.A. neste Supremo teve vista nos autos.
-
Colhidos os vistos e realizada a audiência com o formalismo legal, cumpre decidir.
As principais questões a decidir são: 1ª- Se o Supremo Tribunal de Justiça deve conhecer, ainda que oficiosamente, dos vícios da matéria de facto previstos no art. 410, n.º 2, do CPP, que o recorrente invocou perante a Relação.
-
- Se o homicídio deve ou não considerar-se qualificado pelas circunstâncias h) e i) do n.º 2 do art.º 132 do C. Penal.
-
- Se a pena deve ser reduzida, ainda que se mantenha a qualificação do crime.
Os factos provados são os seguintes: 1) A nasceu e residiu em Cabeço de Vide e aí trabalhou de 1991 a 2002, exercendo a profissão de massagista na estância termal ali existente.
2) A conheceu C, como cliente das termas de Cabeço de Vide, em Outubro de 2001.
3) Depois dessa data, A e C iniciaram, entre si, um relacionamento amoroso, apesar de serem casados, respectivamente, com D e E pessoas com quem viviam, existindo dois filhos do casamento do A e uma filha do casamento da C.
4) A C, em data situada entre 18 de Dezembro de 2001 e 25 de Maio de 2002, deu conhecimento a sua filha, B, de que pretendia viver com o A, como se de mulher e marido se tratasse, juntamente com a B.
5) Em 18 de Dezembro de 2001, C e o marido, E, instauraram a acção de divórcio por mútuo consentimento com o n.º 554/2001, do 3º juízo do Tribunal Judicial de Abrantes, por iniciativa da C a que o marido anuiu.
6) A relação amorosa entre A e C foi-se desenvolvendo, com encontros entre ambos cada vez mais frequentes, por vezes mais do que um durante a semana, na casa da C, na Calçada de São José, em Abrantes, numa altura em que esta se encontrava separada de facto do marido e na zona de Peniche, onde a C passou a trabalhar, a partir dos começos do Verão de 2002.
7) A ganhava, mensalmente, cerca de quatrocentos e cinquenta e dois euros e vinte e seis cents.
8) C era remunerada pelo seu trabalho em montante não apurado e, em 28 de Outubro de 2002, o saldo da conta bancária aberta por sua ordem no Banco Totta & Açores, com o n.º 50688163020, era no montante de quinhentos e quarenta e nove euros e catorze cents.
9) A e C, em data não apurada, elaboraram, entre si, um plano que visava tirar a vida ao marido da C, de modo a que o seu falecimento pudesse ser considerado um acidente.
10) Invocando os superiores interesses de sua filha B, C convenceu E de que o melhor para todos seria a reconciliação e o termo do mencionado processo de divórcio.
11) E anuiu à proposta e, em 27 de Maio de 2002, ele e a C, por acordo, requereram o fim daquela acção, o que foi deferido e homologado por sentença transitada em julgado, tendo ambos reatado a vida em comum.
12) A partir de data não precisamente determinada, mas situada nos começos do Verão de 2002, C foi trabalhar para a Consolação, perto de Peniche, onde durante a semana tomava conta de uma idosa, vindo passar os fins de semana a Abrantes com o marido e a filha.
13) Nesse período temporal manteve-se a relação amorosa de C com A.
14) C, em data não apurada, mas seguramente anterior a 18 de Dezembro de 2001, subtraiu ao marido e fez sua a pistola "Tanfoglio Giuseppe", modelo GT 27, com o n.º de série D48346 de calibre 6,35 mm, de funcionamento semi-automático, de movimento e acção simples, de percussão central e indirecta, com o cano de 64 milímetros de comprimento e seis estrias de sentido dextrógiro, com o carregador próprio para sete munições e com segurança por fecho e posição intermédia do cão, em condições de efectuar disparos, efectuando frequentemente fracas percussões, não ejectando a cápsula deflagrada após o disparo, recuando o cão mas sem retenção à retaguarda, avançando logo de seguida, interrompendo assim a sequência do automatismo.
15) C, sabendo que aquela pistola estava registada em nome do seu marido, não mais a devolveu ao marido, mesmo sabendo que não era detentora de documento que autorizasse a posse de tal objecto.
16) C pediu ao seu irmão F que abrisse uma conta no Banco Totta & Açores (balcão de Abrantes), em nome deste, mas apenas para ser movimentada no interesse dela, com o que o F concordou.
17) Assim, em 21 de Dezembro de 2001 foi aberta na dependência de Abrantes do referido banco, a conta individual n.º 50688163/020, sendo único titular o F, conta que a C provisionou inicialmente com o equivalente a 1496,39 euros e que, movimentando-a em exclusivo, através de cheques previamente assinados pelo seu irmão e, também através de um cartão de débito, apresentou, a partir de 27 de Julho de 2002, um saldo que se cifrava em 609,56 euros, e em 28 de Outubro de 2002, em 549,14 euros.
18) C e A, em momento temporal não determinado, acordaram o dia 31 de Outubro de 2002, como o dia em que teria lugar a execução do plano.
19) Nesse dia, uma Quinta-feira, véspera de feriado, C saiu de Consolação depois do almoço e encontrou-se com A, depois das 16 horas, entre Montalvo e Martinchel, Abrantes.
20) Pelas 17 horas e 39 minutos e 45 segundos, C recebeu um telefonema de sua filha, tendo aquela dito a esta que já falara com o pai e que ela estava autorizada a festejar a "Noite das Bruxas", fora de casa, devendo regressar a casa até às 00 horas e 30 minutos.
21) Nesse mesmo dia, E havia anteriormente proibido a B de sair de casa nessa noite.
22) A e C permaneceram naquela zona, por mais algum tempo, e, entre as 20 horas e as 21 horas, deslocaram-se à casa herdada por E, sita em Chão de Lopes Pequeno, de onde retiraram uma roçadoura mecânica, com motor a gasolina, dotada de um depósito de combustível e que ali era guardada por este, objecto que trouxeram consigo no veículo em que se fizeram transportar.
23) C sempre considerou a roçadoura mecânica um objecto muito perigoso, porque, segundo ela, incendiava-se com muita facilidade.
24) Seguidamente, A e C regressaram à zona de Martinchel no veículo em que se faziam transportar.
25) Então, tomaram a estrada que liga aquela localidade a Montalvo, a E.M. n.º 1213, e chegados a uma distância não determinada, mas seguramente superior a seiscentos e vinte metros do início do primeiro viaduto sobre o IP-6, hoje A-23, no sentido Martinchel-Amoreira, saíram da estrada e entraram numa clareira situada à esquerda da faixa de alcatrão, atento aquele sentido de marcha, a qual se encontrava rodeada de vegetação composta por árvores, arbustos, mato e erva e pararam.
26) Após isto, C, na sequência do prévio plano elaborado em conjunto com A e no sentido de tirarem a vida a E, telefonou, às 23 horas, 03 minutos e 55 segundos, através do seu telemóvel, para o marido e solicitou-lhe a presença no local cuja localização exacta lhe forneceu, atraindo-o, assim, àquele local.
27) E, que se encontrava disponível, de imediato se dispôs para ali se dirigir e às 23 horas, 18 minutos...
-
Para continuar a ler
PEÇA SUA AVALIAÇÃO-
Acórdão nº 407/18.7JALRAC1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 11 de Dezembro de 2019
...a vítima descuidada ou confiante, antes de perceber o gesto criminoso” - Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17-03-2005 (Proc. 05P546, rel. Santos Carvalho); « …este tipo de comportamento é análogo à ação do veneno, no que tem de manhoso, capcioso e actuando de forma inesperada, apanh......
-
Acórdão nº 407/18.7JALRAC1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 11 de Dezembro de 2019
...a vítima descuidada ou confiante, antes de perceber o gesto criminoso” - Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17-03-2005 (Proc. 05P546, rel. Santos Carvalho); « …este tipo de comportamento é análogo à ação do veneno, no que tem de manhoso, capcioso e actuando de forma inesperada, apanh......