Acórdão nº 05P910 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 31 de Março de 2005 (caso NULL)

Magistrado ResponsávelSANTOS CARVALHO
Data da Resolução31 de Março de 2005
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: 1. "A" e B foram submetidos a julgamento no Tribunal Colectivo da Comarca de Gondomar e, por Acórdão de 14 de Julho de 2004, o segundo foi absolvido de um crime de furto de que vinha acusado, por falta de legitimidade do M.º P.º para acusar, mas ambos foram condenados como co-autores de um crime de homicídio qualificado, p. p. pelos art.s 131 e 132, n.ºs 1 e 2, als. a), b) e i), todos do C. Penal, na pena de 20 (vinte) anos de prisão, cada um.

Do acórdão da 1ª instância recorreu para o Tribunal da Relação do Porto apenas o arguido B, mas esse Tribunal negou provimento ao recurso e, em consequência, manteve a decisão recorrida.

  1. Do acórdão da Relação do Porto recorre agora o arguido B para este Supremo Tribunal de Justiça e, da sua fundamentação, retira as seguintes conclusões: 1ª O presente recurso vai interposto do douto acórdão penal condenatório proferido nos autos pelo Tribunal da Relação do Porto, também ora recorrido, e tem por objecto matéria de facto e matéria de direito.

    1. O tribunal de 1ª instância determinou, a pedido do ora arguido-recorrente, a realização de um exame às suas faculdades mentais e, com base no relatório pericial respectivo, deu por apurada a existência nele de uma anomalia psíquica, recusando, porém, a este substrato biológico, o efeito psicológico ou normativo que lhe é associado pelo médico perito, traduzido na menor capacidade do examinado em se determinar de harmonia com a avaliação da ilicitude do facto, a justificar a atribuição técnica de uma imputabilidade diminuída.

    2. Na ausência de uma fundamentação de cariz científica, capaz de sustentar uma convicção divergente do juízo contido no parecer do perito e de afastar o valor probatório legalmente reconhecido à prova pericial, a permitir ao tribunal de 1ª instância fazer uso da prerrogativa conferida pelo disposto no nº 2, do artigo 163° do Código de Processo Penal, o arguido-recorrente assacou, no então recurso interposto para o Tribunal da Relação do Porto, o vício de falta de fundamentação ou motivação na decisão respectiva.

    3. Na resposta a esta questão vem o Tribunal da Relação do Porto, aqui ora recorrido, construir o seguinte silogismo judiciário: o perito emite um juízo científico, no seu relatório pericial, quando se pronuncia pela imputabilidade do recorrente para os actos de que vem arguido; a proposta de imputabilidade diminuída aí exarada não consubstancia em juízo científico de certeza, antes uma mera possibilidade; logo, «No caso dos autos não nos parece ter havido qualquer divergência do colectivo com a constante da perícia psiquiátrica» (sublinhado nosso).

    4. Em consonância com esta sua construção, numa clara afronta ao juízo científico de certeza exarado no relatório pericial, deixou exarado no seu texto que: «Como já se referiu o carácter patológico do arguido não é incompatível com a sua capacidade, no momento da prática dos factos, de avaliar a ilicitude destes e de se determinar de acordo com essa avaliarão» (sublinhado nosso).

    5. O médico, porem, foi chamado a proferir um juízo técnico, e ambas as considerações exaradas no seu relatório pericial consubstanciam, como abundantemente resultará da sua justificação, exactamente, «juízos científicos de certeza», próprios das funções que lhe foram cometidas.

    6. Nada a permitir uma ilegítima e artificiosa cindibilidade ou espartilhamento da natureza dos juízos científicos nele inscritos.

    7. Os termos do relatório pericial devem ser interpretados com este sentido: o perito, urbanamente, endereçou, ao tribunal de 1ª instância, uma parecer técnico de imputabilidade diminuída do examinado.

    8. A natureza estritamente científica deste parecer resultará, desde logo, além do mais, da abundante e cuidadosa fundamentação técnica que o médico lhe dedicou no seu relatório pericial.

    9. A forma e os termos deste seu parecer científico, apenas podem ser interpretados à luz das regras de urbanidade no trato e, especialmente, do conhecimento que os peritos, indubitavelmente terão, da faculdade conferida ao julgador pelo nº 2, do artigo 163 do Código de Processo Penal.

    10. Nem a fórmula nos surge como inovadora em situações desta natureza.

    11. O texto da decisão de 1ª instância diverge do juízo pericial, no tocante à imputabilidade diminuída do arguido-recorrente, sem que nele lhe tenha sido oposta uma crítica de natureza científica, capaz de fundamentar a divergência nos termos legais.

    12. No que fez uso indevido da faculdade conferida no nº 2, do artigo 163° do Código de Processo Penal, procedendo, em consequência, à apreciação da prova, respeitante à questão sub judice, com infracção da regra de proibição ou valoração de prova contida no nº 1 do citado preceito legal, nos termos da qual a prova pericial se presume subtraída à livre apreciação do julgador.

    13. O silogismo judiciário do Tribunal da Relação do Porto, também recorrido, permitiu iludir esta evidente e invocada violação, pelo tribunal de 1ª instância, do disposto no artigo 163° do Código de Processo Penal e das correlativas exigências derivadas do princípio da motivação, ao recusar, erradamente, carácter estritamente científico ao parecer de imputabilidade diminuída exarado no relatório do médico-perito.

    14. Nesta conformidade, recusa reconhecer, ainda que de forma derivada ou implícita, o valor legal do juízo científico, ignorando, do mesmo passo, as especiais exigências de motivação previstas por lei.

    15. O acórdão recorrido, ao proceder nestes termos, resulta inquinado, por violar, também ele, as regras de proibição ou valoração de prova e as exigências de fundamentação contidas no artigo 163° e no artigo 374°, ambos do Código de Processo Penal, incorrendo, pois, como a decisão de 1ª instância, no vício de falta de fundamentação ou motivação então e ora arguido.

    16. A omissão ocorrida, consistente na violação de normas de direito processual é, nos termos do nº 1 e do nº 2 do artigo 374° e do artigo 379° ambos do Código de Processo Penal, causa de nulidade da sentença que se invoca (neste sentido, se pronuncia o Ac. STJ de 12 de Novembro de 1997, proc. nº 492 / 97).

    17. O tribunal de 1ª instância apreciou a prova, na questão atinente à tecnicamente proposta imputabilidade diminuída do arguido-recorrente, com infracção das regras de proibição ou valoração da prova que se impunha observar, concretamente, o disposto no artigo 163°, do Código de Processo Penal, et pour cause, incorreu neste seu passo, também, em erro notório na apreciação da prova, conforme resulta dos seus termos (neste sentido se pronunciam o Ac. do STJ de 11 de Novembro de 1998, proc. n. 1008/98, e o Ac. do STJ de 18 de Novembro de 1998, proc. nº 905 / 98).

    18. O acórdão proferido pelo Tribunal da. Relação do Porto, também recorrido, confrontado com a identificada questão, sem que tenha procedido a uma qualquer sanação da ocorrida violação das regras de prova, declarou a mesma improcedente, mantendo a parte inquinada da decisão, e padece, por isso mesmo, também ele próprio, do vício do erro notório na apreciação da prova.

    19. Este erro, em que incorre, resulta do texto da sua decisão e constitui causa de anulação e reenvio do processo para novo julgamento.

    20. A decisão do tribunal de 1ª instância, não fundamentou cientificamente a sua divergência, relativamente ao identificado juízo pericial, limitando-se a dar-lhe uma motivação feita derivar do modo de execução do crime e do comportamento processual do arguido-recorrente.

    21. Esta circunstância configura, também ela, o vício da insuficiência da matéria de facto provada para a decisão (neste sentido, se pronuncia o Ac. do STJ, de 14 de Maio de 1998, proc. nº 7 / 98).

    22. A conclusão impõe-se em face do texto do acórdão proferido em 1ª instância, pelo menos quando conjugado com as regras da experiência comum.

    23. Os factos apurados são insuficientes para justificarem a decisão assumida na matéria.

    24. A insuficiência para a decisão da matéria de facto apurada impõe a sua correcção ampliativa.

    25. Levada a questão, na identificada forma, ao então interposto recurso para o Tribunal da Relação do Porto, e aqui recorrido, mereceu-lhe a mesma uma declaração de improcedência, mantendo incólume a decisão inquinada, e incorrendo, por isso mesmo, também ele próprio, nessa parte, no vício da insuficiência da matéria de facto provada para a decisão.

    26. O tribunal de 1ª instância dá por apurado que o arguido-recorrente tem a capacidade suficiente para se determinar em consonância com a avaliação da ilicitude, no que entra em confronto com o conteúdo do relatório pericial, quando, noutro seu segmento, vem a conceder nas suas « limitações de natureza psíquica que interferem na forma como ... se determina ... » pelas normas de convivência social.

    27. Nestas circunstâncias, comporta nos seus termos, no tocante à questão da imputabilidade do arguido-recorrente, um juízo duplo incompatível e excludente, que consubstancia vício de contradição insanável de fundamentação e com a decisão.

    28. O acórdão proferido pelo Tribunal da Relação do Porto, aqui recorrido, declarou improcedente esta questão, que lhe foi suscitada, mantendo as proposições incompatíveis, e incorreu, como resulta do seu próprio texto, por isso mesmo, também ele próprio, no vício da contradição insanável de fundamentação e com a decisão, a cuja invocação ora se procede.

    29. Impugna-se, em suma, a seguinte matéria factual dada por apurada na decisão do tribunal de 1ª instância, levada ao texto e mantida pelo Tribunal da Relação do Porto, aqui também recorrido, no que ao ora arguido-recorrente respeita: que tenha capacidade em grau suficiente nana se determinar de acordo com a avaliação da ilicitude do comportamento a que procede; que disponha de parâmetros críticos actuantes; que tenha actuado a sangue frio; que o arguido e ora recorrente tenha agido livre e voluntariamente.

    30. O crime de homicídio qualificado é um caso especial de homicídio doloso, em razão de circunstâncias ligadas à culpa, estruturando-se em relação de especialidade com o...

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