Acórdão nº 12280/07.6TBVNG.P1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 21 de Outubro de 2010

Magistrado ResponsávelLOPES DO REGO
Data da Resolução21 de Outubro de 2010
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

S Privacidade: 1 Meio Processual: REVISTA Decisão: CONCEDIDA PARCIALMENTE Sumário : 1. Constitui violação ilícita e culposa das regras estradais definidas pelos arts. 46º e 47º do C. Estrada a realização de manobra de marcha atrás pelo condutor profissional de uma viatura pesada de recolha de detritos urbanos, ao longo de toda uma rua, contígua a uma escola, devidamente sinalizada, à hora do início das actividades lectivas, sem que tomasse as providências adequadas a controlar inteiramente os obstáculos porventura existentes na retaguarda do pesado , numa altura em que estava a chover, causando com tal manobra o atropelamento mortal de um menor que se dirigia à escola.

  1. A circunstância de o menor sinistrado transitar, acompanhado de um familiar, pela faixa de rodagem, junto ao muro que delimita a escola, em vez de o fazer, como devia, pelo passeio existente do lado oposto constitui infracção de gravidade e censurabilidade incomensuravelmente inferior à praticada pelo condutor, não justificando a atribuição a quem estava onerado com o dever de vigilância do menor de percentagem de culpa superior a 10%.

  2. O regime prescrito no art. 731º, nº2, do CPC para o suprimento da nulidade por omissão de pronúncia deve também aplicar-se no caso de a Relação, no acórdão recorrido, não ter apreciado a matéria do cálculo da indemnização por danos não patrimoniais, suscitada no âmbito da apelação, face à solução que deu ao litígio, desresponsabilizando inteiramente o condutor da viatura segurada –implicando a quantificação da indemnização a formulação de juízos equitativos, que se não esgotam na estrita aplicação de critérios normativos, e não prescindindo o recorrente da supressão de um grau de jurisdição, que decorreria inevitavelmente da aplicação da regra da substituição, nos termos previstos no nº2 do art. 715º do CPC.

    Decisão Texto Integral: Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: 1.AA e BB intentaram contra CC Portugal – Companhia de Seguros, S.A. acção de condenação, na forma ordinária, pedindo a condenação da R. na quantia de €188.185, acrescida dos juros moratórios devidos, como compensação dos danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos em consequência da morte do filho menor dos AA., em acidente – atropelamento - da responsabilidade do condutor da viatura pesada, segurada na R.

    A R. contestou, impugnando a matéria em que assentava a responsabilidade imputada ao condutor do pesado, e – após saneamento do processo e realização da audiência final – foi proferida sentença a julgar parcialmente procedente a acção, reconhecendo aos AA. o direito a indemnização global no valor de €121.420.000 e respectivos juros moratórios.

    Inconformada com tal decisão, apelou a R., impugnando, desde logo, a decisão proferida sobre a matéria de facto relevante quanto ao circunstancialismo que rodeou o atropelamento, interpondo ainda os AA. recurso subordinado, incidente sobre a matéria da quantificação dos danos não patrimoniais decorrentes do falecimento do menor.

    A Relação, no acórdão ora recorrido, julgou parcialmente procedente a impugnação deduzida quanto ao decidido quanto à matéria de facto, alterando certas respostas aos pontos da base instrutória, não considerando provado que a viatura pesada atropelante tivesse surgido de modo súbito no local do sinistro; e deixando consignado que no local do atropelamento existia um passeio, embora no lado oposto àquele por que seguiam o menor e a avó que o acompanhava, ao dirigirem-se para a escola, a pé, pelo lado direito da rua, junto ao muro que existe junto à berma, seguindo o menor à esquerda da sua avó, do lado da estrada.

    E, perante a situação fáctica que teve por definitivamente estabelecida, entendeu a Relação que a realização da manobra de marcha atrás, no concreto circunstancialismo em que ocorreu o atropelamento, não implicou, por parte do condutor do pesado, a prática de contravenção estradal – imputando antes o sinistro à violação do dever de vigilância do menor por parte da avó que o acompanhava, afirmando: Mostra-se, assim violado um dever de vigilância que impende sobre quem tem o dever de cuidar das crianças e constituído juridicamente em benefício da própria criança que tem direito que os adultos que a rodeiam e a levem à escola garantam que o percurso é efectuado em segurança.

    Do exposto, mormente da circunstância de que se a criança seguisse pelo passeio, ou, pelo menos, ainda que não pela esquerda da via, fosse conduzida entre o adulto e o muro o evento danoso não teria ocorrido, resulta que a conduta omissiva da avó quanto a adopção de regras de segurança relativas à circulação do menor e a violação das referidas regras de circulação dos peões, impostas pelo Código da Estrada, foram causa adequada do acidente que sem essa violação não teria ocorrido, nem se haveriam produzido os graves danos dele decorrentes.

    E, em consequência, tendo por não aplicáveis as normas atinentes à responsabilidade objectiva e prejudicado o conhecimento do recurso subordinado, julgou a Relação parcialmente procedente a apelação da R., revogando a sentença recorrida e julgando a acção improcedente.

  3. Inconformados com o assim decidido, interpuseram os AA. a presente revista, que encerram com as seguintes conclusões, que lhe delimitam o objecto: 1. Impendem sobre o condutor do veículo três presunções de culpa; 2. Uma presunção decorrente da condição de comissário do condutor, outra decorrente do facto de o mesmo ter praticado um acto ilícito por violação de regras do Código da Estrada e outra decorrente de sentença penal condenatória; 3. A presunção do artigo 674.° - A do CPC deve ser levada em conta ex vi o disposto no artigo 663. ° do CPC, considerando-se aqui os factos provados naquela sentença, ou, se assim não se entender, deve ser ordenada a ampliação da matéria de facto nos termos do n.° 3, do artigo 729.°doCPC; 4. Porém, os factos provados, por si mesmos, sem o recurso a qualquer presunção, revelam que a actuação do condutor do veiculo foi ilícita, culposa e que causou adequadamente os danos aqui em apreço; 5. A manobra de marcha-atrás realizada pelo condutor foi ilícita; 6. A marcha-atrás é proibida, só sendo lícita se constituir uma manobra auxiliar ou de recurso; 7. A realização de uma manobra auxiliar ou de recurso configura, neste quadro, a alegação e prova de um facto impeditivo do direito do lesado, cabendo o ónus da respectiva demonstração ao condutor contra quem se invocou a realização da marcha-atrás; 8. Não estando provado que a manobra era de recurso ou auxiliar, a marcha-atrás é, sem mais, ilícita; 9. Sem conceder, sempre a marcha atrás seria ilícita por ter sido realizada em local proibido, atenta a visibilidade existente, as características da via e a intensidade de trânsito de veículos e peões; 10. A manobra de invasão da berma pelo camião ê um acto ilícito; 11. O condutor do veículo actuou com culpa grave; 12. A manobra de marcha-atrás ê, em geral, uma manobra perigosa; 13. O condutor do camião foi indiferente à norma que o proibia de realizar a marcha-atrás e de circular na berma; 14. o condutor do camião conduzia sem qualquer atenção ao trânsito de peões, tendo todos os meios para os avistar; 15. o condutor desconsiderou o facto de (i) conduzir um veículo perigoso, (ii) numa...

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