Acórdão nº 06P124 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 16 de Fevereiro de 2006 (caso NULL)

Magistrado ResponsávelSIMAS SANTOS
Data da Resolução16 de Fevereiro de 2006
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)
  1. O Tribunal Colectivo da 2.ª Vara Criminal de Lisboa (proc. n.º 109/04.1ADLSB) condenou os arguidos SCP e APR, como co-autores de um crime de tráfico de estupefacientes do art. 21.°, n.º 1, do DL n.º 15/93, de 22 de Janeiro, com referência à tabela 1-A, anexa, respectivamente, nas penas de 5 anos de prisão e 6 anos e 6 meses de prisão.

    Inconformados, recorreram ambos os arguidos, sustentando não se verificar co-autoria e ocorrer insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, sendo excessivas as penas, defendeu ainda o arguido verificar-se contradição insanável da fundamentação e erro notório na apreciação da prova e que nada justificava a desproporção existente nas penas em que ambos foram condenados.

    A Relação de Lisboa, por acórdão de 10.11.2005 (proc. n.° 8059/05-9), negou provimento ao recurso interposto pelo arguido APR e concedeu provimento parcial ao interposto pela arguida SCP, fixando-se a respectiva pena de prisão em quatro anos e seis meses, no mais confirmando a decisão impugnada.

    Ainda inconformado, recorre o arguido APR para este Supremo Tribunal de conclusão: A) As "atenções" concedidas à arguida SCP traduzem-se em tratamento desigual e discriminatório para com o arguido APR, com violação do art° 13° da C. R. Portuguesa; B) Quer pela unânime negação dos factos, pelo quais os arguidos viriam a ser condenados, quer pelas respectivas situações familiares e profissionais, estas a merecerem melhor atenção" para com o arguido; C) Não podendo, sem qualquer prova documental, antes pelo contrário, do seu C.R.C. de fls. 113 NADA CONSTA, ser agravada a pena ao arguido APR, com fundamento nas suas próprias declarações; D) Consequentemente, as penas a aplicar aos dois arguidos devem ser idênticas, quer em função dos factos provados quer pelas respectivas posturas em audiência de julgamento, como pelas situações familiares e profissionais; E) Decidindo, como decidiu, o acórdão recorrido violou o art. 13° da C.R. Portuguesa e o art. 71° do C. Penal.

    Pelo que deve ser revogado.

    Respondeu o Ministério Público junto da Relação de Lisboa que, por sua vez, concluiu: A - A lei foi aplicada e a prova foi valorada em conformidade com os poderes de cognição do Tribunal da Relação.

    B - O Acórdão não padece de falta de fundamentação, insuficiências, erro de apreciação ou qualquer nulidade/irregularidade.

    C - O Tribunal a quo deu cumprimento integral ao preceituado no art° 127° do CPP, pelo que não violou o disposto nos n.s. 2 dos art°s 4100, 374° e 379° CPP, nem tão-pouco os art°s 13° da CRP e 40° e 710 do CP.

    D - Face à matéria de facto provada - quem nem se mostra questionada - , o arguido cometeu o crime de tráfico de estupefacientes p.p. pelo art° 21° do DL n° 15/93, de 22/1.

    E - A pena de 6 anos e 6 meses de prisão aplicada na P instância e confirmada na Relação é justa e adequada a prosseguir os fins punitivos.

    F - O Acórdão recorrido não merece qualquer censura, pelo que deve ser mantido e confirmado nos seus precisos termos, negando-se provimento ao recurso do arguido.

    Distribuídos os autos neste Supremo Tribunal de Justiça a 4.1.2006, teve vista o Ministério Público.

    Colhidos os vistos legais, teve lugar a audiência.

    O Ministério Público, no que se refere aos antecedentes criminais acompanhou o arguido no sentido de que não deve ser valorado o seu eventual passado criminal, com base somente nas suas declarações que podem estar em desconformidade com a realidade, por confusão v.g. entre prisão preventiva e condenação em pena de prisão. Mas o certo é que as instâncias não valorizaram quaisquer eventuais antecedentes, como resulta dos factos provados e da fundamentação das decisões (fls. 441 e 549 dos autos). No que se refere à medida da pena compreende-se o diverso tratamento dado aos dois arguidos, não havendo violação do princípio da igualdade, por serem diversos os contornos das suas condutas. Quanto ao recorrente não há atenuantes e a pena não é desajustada, podendo, no entanto, ser diminuída para 6 anos de prisão.

    A defesa reafirmou os fundamentos e os argumentos invocados na motivação de recurso.

    Cumpre, assim, conhecer e decidir.

    Como resulta do relatado, limita-se o recorrente a questionar a medida concreta da pena.

    Antes de ver se lhe assiste razão, comecemos por reter os factos tidos por provados pelas instâncias.

    2.1.

    Factos provados: No dia 16 de Outubro de 2004, cerca das 22 horas, a arguida chegou ao aeroporto de Lisboa, procedente de Bruxelas, no voo TP 615, e, tendo-se apresentado no Canal Verde, foi seleccionada pelos "funcionários alfandegários" para revisão de bagagem.

    No decurso da mesma, vieram a ser encontradas na posse da arguida, dissimuladas em duas caixas envoltas em papel, que colocara e transportava na sua mala, com a etiqueta n.º TP 123224, quatro embalagens contendo um produto, suspeito de ser heroína, com o peso bruto de 3.6 90 gramas.

    Em poder da arguida foram ainda encontrados: - 190 euros; - um bilhete electrónico para o percurso Bruxelas/Lisboa/Bruxelas; - um documento de reserva para a viagem antes indicada, - um telemóvel, marca Nokia, contendo um cartão SIM da TMN, com o n.° 013-554-302-1-45 (n.° 964509979), - e um talão de bagagem do voo TP 615, como n.° 004 7123224.

    Detida, a arguida manifestou vontade de colaborar com a PJ, com vista a permitir a identificação do destinatário daquele produto.

    Para tanto, veio a arguida, ainda no aeroporto, na sequência das instruções que, segundo referiu, lhe tinham sido dadas em Roterdão, a ligar para o telemóvel n.° 969426988, referindo ao indivíduo que a atendeu, que tinha as encomendas enviadas pela irmã, a que lhe foi, por aquele, retorquido que não podia ir ao aeroporto.

    Perante isso, a arguida disse-lhe que, quando chegasse a casa, lhe voltava a telefonar.

    Pouco depois, veio a arguida a receber no seu telemóvel n.° 964509979, referido, uma chamada, efectuada pelo arguido António Rodrigues, que, na altura, não se ident através do telemóvel n.° 962445462, dizendo-lhe "SCP, a partir de agora, passas a ligar só para este número" e referindo, ainda, para aquela se deslocar de táxi para junto do cemitério da Serra da Luz, nas imediações de Odivelas, afim de aí se encontrarem.

    Por indicação dos elementos da P.J., seguindo estratégia policial, a arguida deslocou-se para o restaurante - cervejaria "Florbela ", sito na Rua de Angola, em Olival Basto, Odivelas, informando, então, o arguido do local onde estava.

    Este após, via telemóvel, ter efectuado várias chamadas para a arguida, a fim de confirmar o local onde a mesma se encontrava, informou-a de que ia apanhar um táxi e dirigir-se, de imediato, para ali.

    Pouco tempo depois, surgiu naquela localidade o arguido António Rodrigues, o qual, depois de sair do táxi que o transportara, entrou na cervejaria e dirigiu-se, de imediato, à arguida, com vista a receber daquela a encomenda com o estupefaciente, sentando-se, sem a cumprimentar, à mesa onde aquela se encontrava vigiada por agentes da P.J.

    Tais elementos da P.J interceptaram, então, o arguido, tendo encontrado na sua posse, e apreendido: - 120 euros; - o telemóvel, da marca Sony Ericson, com o n.° 962445462 (acima referido), com o PIN n.° 9257; um post-it amarelo; e um pedaço de papel com vários nomes e números manuscritos.

    O produto referido, submetido a exame laboratorial, foi identificado como sendo heroína, tendo a amostra cofre o peso, líquido, de 5,065 gramas, enquanto que o remanescente tinha o peso, igualmente líquido, de 3229, 700.

    Os telemóveis, que se destinaram a permitir aos arguidos estabelecer os contactos necessários, o dinheiro, e o demais apreendido estava relacionado com a actividade em apreço.

    Cada um dos arguidos, ao agir como descrito, fê-lo consciente e voluntariamente, em conjugação de esforços, após prévio acordo, conhecendo, com actualidade, a natureza e característica do produto (heroína) em referência, destinado a ser introduzido no circuito de comercialização, com o propósito de obterem contrapartida económica, e sabendo que tal conduta era proibida por lei.

    A arguida admitiu a materialidade dos factos objectivos constantes da acusação (negando, no entanto - mas tal não se provou -, não saber que transportava heroína).

    A arguida, nascida em Angola, com processo de crescimento em França e na Suíça, mas, também, com nacionalidade portuguesa, reside na Holanda há cerca de sete anos, com dois filhos, menores, de 9 e de 3 anos, tendo, recentemente, frequentado um estágio numa estufa de rosas e tulipas, e usufruindo subsídios sociais, concedidos pelo Estado, com atribuição de casa, e de abono de família no valor de 1800 euros, mensais.

    A arguida havia-se deslocado a Portugal nas férias de Verão (Agosto) de 2004, na companhia dos filhos, tendo, aqui, permanecido por duas/três semanas.

    O arguido, natural de Cabo-Verde, que alega ser, também, cidadão Holandês, reside, habitualmente, em Roterdão, desde há 20 anos, integrando agregado familiar composto por esposa e três filhos, menores, com cerca de 12, 6 e 3 anos de idade (sendo, ainda, pai de dois outros filhos, com 18, e 13 anos, de relação tida anteriormente, com cidadã da Holanda)...

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