Acórdão nº 06S894 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 13 de Julho de 2006 (caso NULL)

Data13 Julho 2006
Órgãohttp://vlex.com/desc1/1997_01,Supreme Court of Justice (Portugal)

Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça: I 1. Em 14 de Outubro de 2002, no Tribunal do Trabalho de Coimbra, AA intentou acção declarativa, com processo comum, emergente de contrato individual de trabalho contra Empresa-A e Empresa-B, pedindo a condenação dos réus: (a) a reconhecer a ilicitude do respectivo despedimento; (b) a reintegrá-la, sem prejuízo da respectiva antiguidade e categoria de 1.ª escriturária; (c) a pagar-lhe a importância correspondente ao valor das retribuições que deixou de auferir desde 14 de Setembro de 2002 até à data da sentença.

Alega, em resumo, que foi admitida ao serviço da primeira ré, em 1 de Novembro de 2000, pelo prazo de 12 meses, para desempenhar, sob as suas ordens e direcção, funções correspondentes à categoria profissional de 1.ª escriturária, no restaurante de aplicação daquela escola, com a remuneração mensal de € 619,01.

Em 22 de Outubro de 2001, aquela ré comunicou-lhe que o contrato de trabalho caducava em 31 de Outubro de 2001, tendo cessado, efectivamente, a sua prestação laboral nessa data.

Posteriormente, em 25 de Março de 2002, retomou a prestação de serviços à primeira ré, com a categoria de secretária de direcção, mediante contrato outorgado com o segundo réu, pelo prazo de 4 meses, justificado pela necessidade de substituir a funcionária BB, em licença de parto, estipulando-se a remuneração de € 706,89 e o horário de trabalho de 35 horas semanais, sendo certo que, decorridos quatro meses, comunicaram-lhe que prescindiam da sua colaboração.

A razão da não renovação do contrato inicial residiu, tão só, na doença prolongada de que a autora padeceu nesse período; de todo o modo, nada justificaria a celebração desse contrato de trabalho com a estipulação de termo.

Desde logo, o primeiro contrato foi celebrado na sequência da aprovação do quadro de pessoal pelo despacho n.º 21/00 do director do Empresa-B, referindo-se naquele contrato que se encontravam «reunidas as condições para integração no quadro de pessoal dos estabelecimentos de aplicação do pessoal não afecto à função pública»; por outro lado, as funções de 1.ª escriturária visavam suprir necessidades permanentes da escola e do restaurante de aplicação.

Assim, a primeira comunicação de caducidade do contrato de trabalho é ilegal, pois, está em causa um contrato sem termo, já que a ausência de motivo justificativo para o termo opera a nulidade da respectiva estipulação, com a consequente e legal conversão do contrato em contrato sem termo.

Trata-se de uma cessação ilícita do contrato de trabalho por iniciativa da entidade patronal, tanto mais que não houve lugar a qualquer processo disciplinar.

O segundo réu contestou, aduzindo, por um lado, que a primeira ré não tem, actualmente, personalidade jurídica, sendo um serviço desconcentrado do Empresa-B, nos termos do Decreto-Lei n.º 277/2001, de 19 de Outubro, que revogou o Decreto-Lei n.º 333/79, de 24 de Agosto, e que sucedeu aos anteriores estabelecimentos escolares de hotelaria e turismo, em todos os seus direitos e obrigações; por outro lado, sustenta que é um instituto público e o contrato de pessoal na administração pública e nos institutos públicos só pode revestir as modalidades de contrato administrativo de provimento ou de contrato a termo certo, o qual não se converte, em caso algum, em contrato sem termo.

De qualquer modo, ao contrato a termo celebrado com a autora, em 1 de Novembro de 2000, não falta motivo justificativo, pois decorre, claramente, dos seus considerandos que o motivo da celebração do contrato foi a criação de um estabelecimento de restauração de aplicação, através do Despacho n.º 03/00, de 19 de Janeiro de 2000, do director do Empresa-B, tendo o quadro de pessoal sido aprovado, em 28 de Junho de 2000, conforme a própria autora alega.

Pelo que está expressamente justificada a celebração de um contrato a termo certo, nos termos do artigo 41.º, n.º 1, alínea e), do Decreto-Lei n.º 64-A/89, de 27 de Fevereiro, adiante designado por LCCT, sendo lícita a comunicação da caducidade do contrato efectuada em Outubro de 2001.

Quanto ao segundo contrato a termo, uma vez que o motivo justificativo foi a substituição de uma trabalhadora, enquanto em licença de parto, também observou os condicionalismos legais, pelo que a acção deve improceder.

Realizado julgamento, foi proferida sentença que decidiu julgar a acção procedente, tendo declarado nulo o termo do contrato celebrado em 1 de Novembro de 2000 e ilícito o despedimento da autora, condenando o réu Empresa-B: (a) a reintegrar a autora no seu posto de trabalho, sem prejuízo da sua categoria e antiguidade; (b) a pagar à autora as retribuições vencidas que deixou de auferir desde 14 de Setembro de 2002, no valor de 14.237,23 euros.

  1. Inconformado, o réu interpôs recurso de apelação, alegando «que há que concluir pela nulidade do termo aposto no contrato [celebrado em 1 de Novembro de 2000], por violação dos artigos 18.º, n.º 2, alínea e), do Decreto-Lei n.º 427/89 e do artigo 41.º, n.º 1, alínea b), [da LCCT], mas tal nulidade é apenas geradora de responsabilidade civil, disciplinar e financeira pela prática de actos ilícitos por parte dos dirigentes da R., sendo ainda fundamento para a cessação da comissão de serviço, [...], não sendo, pois, aplicável o disposto no artigo 42.º, n.os 2 e 3, [da LCCT], na parte em que dispõe sobre a conversão em contrato sem termo».

    A Relação julgou procedente o recurso de apelação, tendo revogado a sentença recorrida e absolvido o réu do peticionado, sendo contra esta decisão que, agora, a autora se insurge, mediante recurso de revista, em que pede a revogação do acórdão recorrido ao abrigo das seguintes conclusões: 1) O contrato de trabalho em causa nos autos foi outorgado entre a Empresa-A e a recorrente para o exercício de funções no estabelecimento de restaurante de aplicação criado no âmbito da Escola por despacho do director-geral do Instituto, sendo certo que por meio de despacho foi de igual modo aprovado o quadro de pessoal afecto ao restaurante; 2) À data da outorga daquele contrato, a Escola era dotada de personalidade jurídica sendo certo que merece a qualificação de estabelecimento público (face à quadripartida classificação, serviço personalizado do Estado, fundo público, estabelecimento público e empresa pública) - isto é, trata-se de uma entidade pública dotada de personalidade jurídica mas destinada à prossecução de funções principalmente atribuídas a uma entidade pública terceira de carácter cultural ou social, organizada como serviço aberto ao público e destinada a efectuar prestações individuais à generalidade dos cidadãos que delas careçam (qualificação que merece confirmação por parte da própria qualificação legal do Decreto-Lei n.º 333/79, de 24 de Agosto, que expressamente denomina a Escola como estabelecimento); 3) O Decreto-Lei n.º 427/89, de 7 de Dezembro, é exclusivamente aplicável aos serviços e organismos da Administração Central e aos institutos públicos nas modalidades de serviços personalizados do Estado e de fundos públicos; 4) Sendo aceite como adequada a qualificação da entidade patronal outorgante do contrato como estabelecimento público é manifesto que resulta excluída negativamente a aplicabilidade in casu do regime jurídico da constituição, modificação e extinção da relação jurídica de emprego na administração pública; 5) Ainda que assim não fosse, isto é, ainda que a Escola fosse de considerar serviço personalizado, sempre a aplicabilidade daquele regime jurídico estaria excluída pela consideração do teor do artigo 44.º, n.º 1, daquele diploma quando determina que «ao pessoal dos institutos públicos que revistam a forma de serviços personalizados ou de fundos públicos abrangidos pelo regime aplicável às empresas públicas ou pelo contrato individual de trabalho e, bem assim, ao pessoal abrangido por regimes identificados em lei como regimes de direito público privativo aplicam-se as respectivas disposições estatutárias»; 6) Com referência a pessoas colectivas criadas pelo Estado, é a própria lei que as cria que, em primeira-mão, define o regime jurídico que se lhes há-de aplicar; 7) Divergindo esse regime concreto do regime geral aplicável em situações não concretamente reguladas, a lei especial passa a valer em lugar da lei geral devendo atender-se ao que na especialidade se acha estatuído; 8) Constituindo o regime da função pública a regra face à prestação de serviços junto de entidades públicas, nada impede contudo que em relação a certas delas o legislador determine a aplicação das regras de direito privado relativas ao contrato individual de trabalho; 9) No caso concreto encontra-se expressamente definido que os trabalhadores afectos ao estabelecimento restaurante de aplicação obedecem, no que à vinculação jurídica importa, ao regime aplicável a entidade de direito privado ficando assim excluída a aplicabilidade de regras relativas à função pública ou ao emprego na Administração Pública; 10) Foi com base precisamente nesses pressupostos que foi outorgado o contrato ficando a constar do teor escrito do mesmo, sendo certo que já resultavam quer do despacho de criação do restaurante de aplicação no âmbito da Escola, quer do despacho que aprovou o quadro de pessoal do restaurante; 11) A esperada procedência do recurso de revista não atribui à recorrente o estatuto de funcionária pública mas apenas de trabalhadora com contrato individual de trabalho de um quadro de pessoal; 12) Pretender retirar do artigo 26.º do Decreto-Lei n.º 333/79, de 24 de Agosto, a respectiva relevância no que concerne à vinculação jurídica equivale a esvaziar o mesmo de todo e qualquer sentido em violação manifesta do princípio de que lex specialis derrogat lex generalis; 13) Em face do exposto, o acórdão recorrido violou o disposto nos artigos 14.º e 26.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 333/79, de 24 de Agosto, 2.º, n.º 1, e 44.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 427/89, de 7 de Dezembro, 42.º, n.º 3, do Decreto-Lei n.º...

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