Acórdão nº 96P1253 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 25 de Junho de 1997

Magistrado ResponsávelVIRGÍLIO OLIVEIRA
Data da Resolução25 de Junho de 1997
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: 1. - No Tribunal Judicial da Comarca de Mafra, perante o Tribunal Colectivo, foi submetido a julgamento o arguido A, viúvo, empreiteiro de obras, nascido a 8 de Outubro de 1952, filho de ... e de ..., natural de Vila Jusã, Mesão Frio, residente em Rua ..., Ericeira, actualmente detido no E.P.L., sob a acusação do Ministério Público de haver praticado um crime de homicídio qualificado previsto e punido nos artigos 131, 132, ns. 1 e 2, alínea g) do Código Penal de 1982 e de um crime de homicídio qualificado na forma tentada previsto e punido nos artigos 22, 23, 73, 74, 131, 132, ns. 1 e 2, alínea g) do Código Penal de 1982. 2. - C, advogada, foi admitida a intervir nos autos como assistente e deduzir pedido de indemnização civil no montante de 7000000 escudos, com juros à taxa legal desde a notificação, quantia em que valorizou os danos não patrimoniais sofridos. 3. - O arguido foi condenado por um crime de homicídio qualificado, previsto e punido pelos artigos 131, 132, ns. 1 e 2, alínea g) do Código Penal na pena de 17 anos de prisão e por um crime de homicídio qualificado na forma tentada previsto e punido pelos artigos 131, 132, ns. 1 e 2, alínea g), 22, 23, na pena de 7 anos de prisão. Em cúmulo jurídico ficou condenado na pena única de 19 anos de prisão. Ainda foi condenado a pagar à assistente a quantia de 4000000 escudos como indemnização pelos danos não patrimoniais por ela sofridos. 4. Recorreu o arguido, concluindo na sua motivação: A. - Insuficiência, para a decisão, da matéria de facto provada 1. - Quanto ao homicídio qualificado sob a forma consumada a) A matéria fáctica dada como provada não pode preencher a previsão da alínea g) do artigo 132 do Código Penal; b) Aliás, tal matéria, só por si, não revela uma especial censurabilidade e perversidade do recorrente; c) O acórdão em crise ao condenar o recorrente pelo crime de homicídio qualificado fez uma incorrecta apreciação e aplicação da lei, nomeadamente no que respeita aos artigos 131 e 132 do Código Penal; d) Tal violação só pode ter como consequência - artigo 426 do Código Penal - absolvição do recorrente do crime de homicídio qualificado, convolando-se o mesmo para crime de homicídio simples com a necessária alteração de medida da pena, ou, se esse Venerando Tribunal não puder decidir da causa, reenvio do processo para novo julgamento. 2. - Quanto ao crime de homicídio qualificado sob a forma tentada a) - A matéria fáctica dada como provada não pode preencher a previsão da alínea g) do artigo 132 do Código Penal; b) - Aliás, tal matéria, só por si, não revela especial censurabilidade e perversidade do recorrente; c) - O acórdão em crise ao condenar o recorrente no crime de homicídio qualificado sob a forma tentada fez uma errada e incorrecta apreciação e aplicação da lei, nomeadamente no que respeita aos artigos 131 e 132 do Código Penal; d) Tal violação só pode ter como consequência - artigo 426 do Código de Processo Penal - a absolvição do recorrente do crime de homicídio qualificado sob a forma tentada, convolando-se o mesmo para crime de homicídio simples sob a forma tentada com a necessária alteração da medida da pena, ou, se este venerando Tribunal não puder decidir da causa, reenvio do processo para novo julgamento. B. - Da medida da pena 1. - Quanto às penas de prisão a) - A considerar-se correcto que os factos provados são integradores dum homicídio qualificado na forma consumada e dum outro homicídio qualificado na sua forma tentada, a pena aplicada é exageradíssima; b) - O tribunal, ao condenar o recorrente na pena única de 19 anos, violou, designadamente, os artigos 71 e 72 do Código Penal - quanto a ambos os crimes - e igualmente os artigos 23 e 73 do Código Penal quanto ao crime de homicídio qualificado na forma tentada. 2. - Quanto ao montante de indemnização em que o recorrente foi condenado a) - Igualmente, e com a matéria fáctica aprovada, tal montante é exagerado comparativamente ao que tem sido decidido por este venerando Tribunal pelo que deve ser substancialmente reduzido; 5. - Na 1. instância, Ministério Público e assistente responderam pugnando pelo não provimento do recurso. Neste Supremo Tribunal foram produzidas alegações escritas pelo recorrente, assistente e Ministério Público. Nas suas doutas alegações, o Excelentíssimo Procurador-Geral-Adjunto, analisando a parte criminal do recurso, conclui pela improcedência. O recorrente reproduz as razões expostas na sua motivação a assistente conclui pela improcedência. 6. - Com os vistos legais, cumpre decidir. A) - Os factos julgados provados pela 1. instância são os seguintes: 1. - No dia 11 de Setembro de 1995, pelas 11 horas, o arguido acompanhado da sua esposa B, apareceram no escritório da assistente, sito em Terreiro ..., Mafra; 2. - Não tinham qualquer marcação de hora com a advogada, mas a D. B pediu à funcionária que se encontrava no escritório para que os anunciasse, e que os atendesse de imediato; 3. - A Dra. C anuiu em atender a D. B, dado ser sua cliente, e ter vários assuntos pendentes, nomeadamente relacionados com uma providência cautelar de arrolamento de bens que tinha interposto contra o arguido no Tribunal de Mafra, como preliminar da acção de divórcio litigioso que a mesma pretendia intentar. 4. - Quando a advogada abriu a porta do seu gabinete deparou então com a D. B e o arguido, o qual se encontrava logo atrás daquela. 5. - A D. B disse: "Hoje, não venho sozinha". 6. - A advogada mandou-os entrar e sentar em duas cadeiras colocadas à frente da sua secretária, tendo a D. B ficado sentada na que fica mais próxima da janela, enquanto que o arguido se sentou na outra a seu lado. 7. - Começou então a discutir-se a eventual "doação" do prédio urbano inscrito na matriz com o n. ..., da freguesia da Carvoeira e se encontra somente registado em nome da D. B. 8. - Essa doação seria instituída a favor do arguido, na proporção de 1/2 ou a favor dos filhos de ambos, sendo a propriedade para estes e o usufruto para a vítima e o arguido. 9. - Tal bem consiste na casa de morada de família da D. B, do arguido e dos filhos do casal. 10. - O arguido insistiu pela formalização da "doação" naquele mesmo dia, detendo na altura as certidões que constam de folhas 202 a 204, pressupondo a realização desse fim. 11. - Contrariando essa vontade por parte do arguido, a causídica informou-o que tal não era possível fazer naquele dia "porque se tinha de fazer uma escritura pública", com marcação no notário e outras formalidades. 12. - Perante essa resposta, o arguido virou-se então para a esposa e disse-lhe: "bem, vamos embora", e levantou-se de imediato. 13. - A D. B manteve-se sentada e disse-lhe que "não, não vou porque tu hoje matas-me". 14. - O arguido insistiu e disse: "vieste comigo, vais comigo". 15. - Novamente a senhora se recusou a acompanhá-lo dizendo "tu disseste que me matavas e hoje matas-me". 16. - A Dra. C procurou serenar tanto a cliente como o marido, explicando a este da importância da integridade física de cada um, e pedindo-lhe que se sentasse. 17. - Após essa intervenção o arguido vira-se para a esposa e pergunta-lhe se a mesma "afinal lhe fazia a doação ou não". 18. - A senhora responde que: "para já não, faço na altura da partilha". 19. - Perante tal resposta, o arguido levantou-se e pegando numa bolsa em pele de cor preta disse "eu trato disto já aqui". 20. - Abriu a bolsa e retirou com a mão direita uma arma que vinha metida num coldre de pele. 21. - A advogada, face à visão da arma grita várias vezes: "pare, pare!", enquanto a D. B se levanta e se refugia junto à janela. 22. - O arguido diz então que: "Isto é para ela e para si!". 23. - Dito isto, empenhou a pistola Browning (.25 ACP), semi-automática, de calibre 6,35, marca STAR, a qual já tinha uma bala na câmara pronta a disparar, e mais sete munições no carregador. 24. - Ao ver que o arguido se prestava a usar a arma, a vítima fez ainda um gesto de protecção ao levantar as mãos, atrás das quais se tentou escudar. 25. - O arguido disparou a pistola por duas vezes na direcção da D. B que se encontrava a 1 metro e 20 centímetros de distância do arguido, e atingiu-a. 26. - Depois o arguido virou a arma na direcção da Dra. C, a qual se tinha levantado e disparou a mesma uma vez. 27. - Este projéctil fez o trajecto rasante ao braço esquerdo da ofendida e não atingiu esta por razões alheias à vontade do arguido. 28. - A advogada continuou a gritar para o arguido parar, enquanto rodeava a sua secretária em direcção à porta do gabinete. 29. - O arguido ao ver que a D. B se mantinha de pé apesar de ter sido atingida pelos projécteis, pousou a bolsa preta na cadeira onde a vítima se tinha anteriormente sentado, e dirigiu-se àquela. 30.- O arguido com a mão esquerda agarrou na cabeça da D. B, e encostando a pistola que empunhava com a mão direita, ao pescoço da vítima, disparou mais dois tiros que a atingiram. 31. - O arguido disparou um quinto tiro na vítima, desconhecendo-se em que circunstâncias, tendo a bala entrado e saído do corpo daquela. 32. - A assistente, entretanto, tinha-se deslocado para a saída do gabinete, e quando viu que o arguido dirigia a pistola na sua direcção, fechou rapidamente a porta do gabinete. 33. - Como sentisse o arguido a abrir a porta, a ofendida atravessou o hall de entrada e saiu pela porta principal de acesso às escadas do prédio. 34. - Sentindo que o arguido a perseguia, a Dra. C desceu as escadas do prédio à procura de socorro. 35. - O arguido, já fora do escritório, introduziu mais uma bala na câmara. 36. - O arguido que corria atrás da advogada, ao vê-la descer as escadas, disparou um tiro na sua direcção. 37. - O projéctil passou muito perto da cabeça da ofendida, e alojou-se na parede do primeiro lanço quando se desce do segundo andar para o primeiro. 38. - A assistente não foi atingida por mero acaso, e por motivo alheio à vontade do arguido. 39. - Enquanto a ofendida descia as escadas a correr, o arguido...

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