Acórdão nº 96P276 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 20 de Novembro de 1996 (caso NULL)

Data20 Novembro 1996
Órgãohttp://vlex.com/desc1/1997_01,Supreme Court of Justice (Portugal)

Acordam na Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça: 1 - No Tribunal de Círculo das Caldas da Rainha respondeu A, casado, reformado, natural de Baiões, São Pedro do Sul, residente habitualmente na Alemanha e, em Portugal na Rua ..., em Caldas da Rainha, imputando-lhe a prática de um crime de homicídio, na forma tentada, previsto e punido pelos artigos 131, 22, 23 e 74 do Código Penal de 1982, o Digno Magistrado do Ministério Público. B, casado, industrial, residente em Gaeiras, Óbidos, constituído assistente nos autos, aderiu à acusação pública e deduziu contra o arguido pedido cível, no montante de 77000000 escudos, acrescido de honorários à mandatária judicial. Pelo acórdão de 12 de Dezembro de 1995 (folhas 376 a 382 dos autos), foi decidido: a) Julgar procedente a acusação e, como autor do referido crime, previsto e punido pelos artigos 22, n. 1 e n. 2, alínea b), 23 n. 2 e 73 e 131, do Código Penal, condená-lo na pena de 3 anos e 6 meses de prisão, da qual se declarou perdoado 1 ano sob a condição resolutiva estabelecida no artigo 11 da Lei n. 15/94, de 11 de Maio; b) Condená-lo no pagamento ao Assistente, a título de indemnização civil, a quantia de 2025000 escudos e no mais que se liquidar em execução de sentença, relativamente aos danos patrimoniais sofridos pelo mesmo Assistente; c) Declarar perdido a favor do Estado o machado apreendido. Inconformados com a decisão, dela interpuseram recurso para este Supremo Tribunal o Ministério Público e o arguido. Na sua motivação, concluindo, disse o Magistrado do Ministério Público: 1.1. A pena ajustada à conduta do arguido é a de quatro anos de prisão. 1.2. Foi violado o disposto no artigo 72 do Código Penal. E disse o arguido, concluindo a sua motivação: 1.3. Não se provando que a conduta do arguido foi dirigida com a única, directa, exclusiva e inequívoca finalidade de tirar a vida ao ofendido, provando-se tão só que apenas foi representada a possibilidade da morte deste em resultado da conduta daquele (dolo eventual), não pode afirmar-se ter o arguido querido, decidido, matar o ofendido, isto é, ter agido com clara intenção de matar. 1.4. Não se provando a intenção de matar (a decisão de cometer o crime), não pode em consequência, falar-se de tentativa de um crime que se não decidiu cometer. 1.5. Assim, não poderia o arguido ser condenado pelo crime de homicídio simples, na forma tentada, previsto e punido pelos artigos 131, 22, ns. 1 e 2, alínea b), 23, n. 2 e 73, todos do Código Penal de 1995. 1.6. Já que o artigo 22 do referido Código deve ser interpretado no sentido de que a tentativa só é punível quando haja uma clara decisão, intenção de cometer determinado crime (no caso concreto, um homicídio), embora se não chegue a produzir o resultado, isto é, quando haja dolo directo. 1.7. Em resumo, não é admissível no nosso direito, a figura do crime tentado cometido com dolo eventual. 1.8. Assim sendo, deveria o arguido ser condenado apenas um crime de ofensas corporais graves, previsto e punido pelo artigo 143, alínea b) do Código Penal de 1982, já que, em confronto com o Código Penal actual, a moldura penal prevista naquele se afigura mais favorável ao arguido; suspendendo-se a execução da mesma pena, já que se deveria considerar como adequada a pena de 20 meses de prisão. 1.9. Não se valorou positivamente a favor do arguido nomeadamente em sede de determinação da medida da pena, a sua conduta materializada no interesse demonstrado pela doença do arguido, bem como a oferta do préstimo e no lamentar dos acontecimento (factos que, aliás, foram dados como provados), apenas pelo facto de o arguido ter contestado o pedido civil, e apreciar de forma notoriamente errada os supracitados factos provados, tanto mais que é o próprio colectivo que dá como não provados os factos constitutivos do grosso da indemnização pedida (Note-se que, quanto ao pedido civil, só foi dada como certa, líquida, a quantia de 2025000 escudos dos 77000000 escudos pedidos), pelo que também existe uma clara contradição entre o que se deu como provado e a decisão (neste caso ao se omitir ou, pelo menos, ao não se levar em conta, uma circunstância que depõe claramente a favor do arguido nos termos do artigo 71, n. 2, alínea c) do actual Código Penal). 1.10. Da mesma forma se invocam as considerações constantes do n. anterior para se afirmar, uma vez mais, a existência de um erro notório na apreciação da prova já que, repete-se, ao não se valorar, positivamente e a favor do arguido, a citada conduta descrita nele, não levou o Tribunal em linha de conta os claros actos de sincero arrependimento do arguido para, agora em sede de atenuação especial da pena (artigo 72, alínea c) do Código Penal de 1995), determinar a pena a aplicar, que sempre beneficiaria aquele, ou seja, sempre baixaria o número de meses de prisão em que foi condenado. 1.11. Violou ainda o douto acórdão recorrido o disposto na alínea d) do n. 2 do artigo 71 do Código Penal de 1995, já que, quanto às condições pessoais do arguido, nada disse sobre as enfermidades de que este sofre, e que têm como consequência directa um estado de nervosismo e hipersensibilidade, que se traduzem em depressões e elevada excitabilidade, encontrando-se em tratamento na Alemanha, país para onde emigrou e reside, numa situação de reformado. Isto é, no douto acórdão recorrido não foram também tidas em conta circunstâncias, de resto amplamente provadas, que militam a favor do arguido e que, em consequência, poderiam levar a uma maior redução na pena aplicada, nos termos da disposição legal atrás enunciada. 1.12. Por outro lado, a afirmação constante do douto acórdão recorrido de que "... só a personalidade atrabiliária do arguido (...) explicam ... "o comportamento deste, não se baseia em qualquer facto dado como provado pelo mesmo acórdão. Isto é, em parte alguma dos factos dados como provados se afirma ter o arguido tal personalidade (atrabiliária, colérica). O que verdadeiramente se provou é que as doenças do arguido lhe causavam nervosismo e hipersensibilidade que se traduzem em estados de depressão e elevada excitabilidade. Conjugada esta última prova com o facto (também dado como provado), que o arguido ficou irritado ao ver o "(...) ofendido a entabular conversa com o motorista (...)" poder-se-á, isso sim, concluir que os acontecimentos objecto do presente recurso crime tiveram mais que ver com as condições de saúde mental do arguido do que, com tal personalidade "atrabiliária" não provada. Nestes termos, existe um evidente erro na apreciação sobre o que foi dado como provado, por um lado, bem como uma clara insuficiência de factos provados que pudessem caracterizar, rectius conduzir à caracterização, efectuada no acórdão recorrido, da personalidade do arguido como uma personalidade atrabiliária. 1.13. Do que fica exposto resulta não ter sido considerada, em sede de determinação da medida da pena, as circunstâncias descritas e que, por outra forma sempre militariam a favor do arguido (tudo nos termos do artigo 71, n. 2, alínea c) do Código Penal de 1995). 1.14. Também o colectivo não teve em conta, na determinação da pena, o facto de o arguido, em acto seguido aos factos, se ter apresentado voluntariamente às autoridades, circunstância esta que não pode deixar de ser considerada em sede de determinação da pena, sempre em benefício do arguido (violando, uma vez mais, por omissão, o disposto no artigo 710, n. 2, alínea e) do Código Penal actual). 1.15. Por fim e considerando todo o exposto nos artigos 7 e seguintes das presentes conclusões, não deveria ser aplicada ao arguido uma pena superior a três anos de prisão (considerado estar-se perante um homicídio na sua forma tentada), que, atendendo, mais uma vez, a todas as circunstâncias atrás descritas e ainda ao facto de o arguido ter 53 anos de idade, ser reformado por invalidez, ter toda a sua família na Alemanha, bem como os factos criminosos terem apenas como base as relações entre arguido e assistente e, ainda, à circunstância de que dificilmente poderá o arguido alcançar os meios suficientes para indemnizar o ofendido caso fique preso, parecem ser suficientes para que a simples censura e ameaça da prisão realizem de forma adequada as finalidades da punição, pelo que a execução da pena a aplicar, na medida atrás apontada, deverá ser suspensa. 1.16. Ao condenar o demandado no pagamento de determinada quantia, a título de danos morais, com base em factos que não foram alegados, já que os alegados pelo demandante não foram provados (à excepção do desgosto sofrido por este), violou o douto acórdão recorrido, em toda esta matéria (à excepção do desgosto sofrido pelo ofendido) o disposto no artigo 664 do Código de Processo Civil, pelo que nos termos do artigo 668, n. 1, alínea d) do mesmo Código, é parcialmente nulo o acórdão recorrido. 1.17. Pelo que deve reduzir-se a indemnização por danos morais, em que o arguido foi condenado, para 1000000 escudos. 1.18. Ao se condenar o arguido (demandado) no pagamento de quantia a apurar em execução de sentença, quanto a negócios que o demandante deixou de realizar, mas ao não se darem como provados todos os negócios que, em concreto, o demandante invocava no seu pedido civil, violou o douto acórdão recorrido o disposto no artigo 664 do Código Civil, sendo nulo o acórdão, quanto a esta matéria, nos termos do artigo 668, n. 1, alínea d) (última parte) do referido Código, porquanto o colectivo deu como provada matéria que não foi alegada e, em consequência, subtraída à apreciação do mesmo; além do que a matéria dada como provada torna-se assim insuficiente para a decisão do Tribunal. 1.19. Mas, se assim se não entender, dever-se-ia indicar, pelo menos, o montante máximo que, em sede de execução da sentença, poderia vir a ser condenado o demandado (no caso concreto 630720 escudos, atentas as razões invocadas na fundamentação) de forma a não se ultrapassar o valor do pedido nesta matéria, sob pena de violação do supra citado artigo 661, n. 1 com...

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