Acórdão nº 96P985 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 27 de Fevereiro de 1997

Magistrado ResponsávelBESSA PACHECO
Data da Resolução27 de Fevereiro de 1997
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: I 1. O Digno Agente do Ministério Público na comarca de Arraiolos acusou o arguido A, identificado nos autos, de ter cometido, em autoria material e em concurso real, dois crimes de violação, previstos e punidos pelo artigo 201, n. 2, do Código Penal de 1982, e um crime de atentado ao pudor, previsto e punido pelo artigo 205, n. 2, do mesmo diploma, todos na forma continuada. Por outro lado, em representação das menores B, C e D, o Ministério Público deduziu pedidos cíveis de indemnização contra, mesmo arguido, pedindo a condenação deste a pagar, respectivamente, à primeira a quantia de 500000 escudos, à segunda a quantia de 350000 escudos, à terceira a quantia de 250000 escudos, para ressarcimento dos danos morais que a elas causou com a prática dos factos descritos na acusação. 2. Na contestação que apresentou, o arguido requereu, além do mais, ao abrigo do n. 3 do artigo 131 e artigo 340 do Código de Processo Penal, perícia sobre a personalidade, mediante processo de avaliação psicológica, relativamente a cada uma das ditas menores ofendidas, nos seguintes termos (v. folha 134). "a) - Face à ausência de sinais clássicos indiciadores de uma situação de abuso sexual prolongado, requere-se que seja feito um trabalho de acompanhamento psicoterapêutico, no contexto do processo de avaliação psicológica, que inclua testes projectivos, de forma a permitir um conhecimento mais profundo e esclarecedor da violência ou não das situações de abuso sexual (citadas na acusação). b) Face à incapacidade das menores de situarem temporalmente a ocorrência dos factos, requere-se uma avaliação de desenvolvimento mental de cada uma, bem como uma avaliação das respectivas capacidades instrumentais: organização espácio-temporal, organização do esquema corporal, lateralidade, orientação, linguagem oral e linguagem escrita". Sobre o requerimento de tal exame, recaiu despacho, em que se decidiu "relegar-se para o colectivo a decisão quanto à sua necessidade e oportunidade". No decurso da audiência de julgamento, depois de terem prestado declarações ao mencionado, menores ofendidos, o Colectivo decidiu indeferir o pedido do referido exame, nos termos consignados na respectiva acta, onde se lê (v. folhas 280 e 281): "Está requerida a realização de perícia médico-legal sobre a personalidade das ofendidos. Entende o tribunal que em matéria de prova só são admissíveis aqueles meios cujo conhecimento se apresente como necessário para a descoberta da verdade e boa decisão da causa. Ora, em face das próprias ofendidas o Tribunal conclui que seria violar esse princípio da necessidade da prova submeter as mesmas a uma perícia médica legal ou psiquiátrica, dado que não surgiram quaisquer indícios que permitam fundamentar a necessidade de tal perícia. Fica, por isso indeferida a sua realização". Desta decisão interpôs o arguido recurso, admitido para subir com aquele que foi interposto do acórdão que pôs termo à causa, tendo o recorrente formulado na respectiva motivação as conclusões que abaixo se sintetizarão. 3. Pelo acórdão do tribunal colectivo da dita comarca de folhas 329 e seguintes, foi o arguido A condenado como autor de três crimes de atentado ao pudor previstos e punidos pelo artigo 205, n. 2, do Código Penal de 1982, nas penas parcelares de: - 20 (vinte) meses de prisão para aquele em que foi ofendida a menor ; - 18 (dezoito) meses de prisão, para aquele em que foi ofendida a menor C; - 12 (doze) meses de prisão, para aquele em que foi ofendida a menor D. Em cúmulo jurídico dessas penas parcelares, foi o arguido condenado na pena única de 3 (três) anos de prisão. No respeitante aos pedidos cíveis, foi o arguido condenado a pagar as indemnizações, respectivamente, de: - 500000 (quinhentos mil escudos) para a ofendida B; - 350000 (trezentos e cinquenta mil escudos) para a ofendida C; - 250000 (duzentos e cinquenta mil escudos) para a ofendida D. Do acórdão interpôs recurso o arguido, que formulou na correspondente motivação as conclusões que abaixo resumimos. 4. Conclusões da motivação dos recursos do arguido: a) Quanto ao recurso interposto da decisão interlocutória: 1- Junto com a contestação que deduziu contra a acusação formulada pelo Ministério Público, requereu o recorrente prova pericial sobre a personalidade de cada uma das crianças alegadamente ofendidas, nos termos do artigo 131, n. 3, e 340 do Código de Processo Penal; 2- A prova pericial requerida teve como fundamento, por um lado, a evidente ausência de sinais indiciadores de uma situação de abuso sexual, prolongada ou não, e, por outro, a demonstrada incapacidade das menores situarem os alegados factos, quer no tempo, quer no modo, quer no espaço; 3- A natural imaturidade, falta de credibilidade e espontaneidade, em razão da idade, das crianças ofendidas justifica também a perícia requerida; 4- A prova requerida é absolutamente essencial para a descoberta da verdade e boa decisão da causa, no sentido de declarar a inocência do recorrente; 5- A prova requerida era tanto mais necessária quanto através dela se poderia averiguar se o nível de linguagem e conhecimentos culturais da menor B são compatíveis com a frase por si pronunciada, constante no relatório médico (v. folha 44 dos autos) em discurso directo, nos seguintes termos: "Informação da própria, refere ter sido seduzida por tio paterno, para a prática de relações vulvares "sic"". 6- A decisão recorrida é violadora da lei, constituindo nulidade (artigo 120, n. 2, alínea d), do Código de Processo Penal) a omissão de tal diligência (perícia), essencial para a descoberta da verdade e boa decisão da causa; 7- O tribunal "a quo" violou com essa decisão o princípio da necessidade de prova pericial requerida (artigo 340, n. 1, do Código de Processo Penal) e o disposto no artigo 151 do mesmo Código. Termos em que, segundo o recorrente, deve ser revogada a decisão recorrida, ordenando-se a realização integral da prova pericial requerida, com o aproveitamento possível dos demais actos e prova já produzidos (artigo 122 do Código citado). b) Quanto ao recurso interposto do acórdão condenatório: 1- Atento o teor da factualidade dada por provada e por não provada, verifica-se uma contradição insanável e ostensiva entre alguns dos respectivos factos, decisivos para a decisão proferida; 2- Efectivamente, não é possível aceitar que se dê por provado que, por um lado, a menor B tenha ficado fisicamente magoada e que, por outro, também se dê por provado que não houve qualquer lesão traumática (física); 3- Também não é aceitável que no acórdão recorrido simultaneamente se afirme, como facto provado, que a B se sentia psicologicamente perturbada e, como não provado, que as relações do recorrente com as menores, nas quais se inclui a B, não eram nem de dependência nem de medo; 4- De igual modo, o facto, dado por provado de que em consequência da conduta do recorrente as menores andassem perturbadas, receosas e confusas não é compatível com o facto de se ter dado como não provado que as relações das menores com o recorrente fossem de dependência e de medo, que as menores tivessem medo do recorrente e que este as tivesse ameaçado de morte, bem como os pais, se elas falassem, pois tinha uma espingarda caçadeira com que lhes podia fazer mal; 5- Assim como não é compatível o facto provado da perturbação psicológica, receio e confusão das menores com o facto não provado de que os factos imputados ao recorrente tenham prejudicado os respectivos estudos, ou de que as menores não tivessem medo ou dependência do mesmo, ou de que este as ameaçava da forma descrita; 6- Existindo uma fundamentação contraditória e obscura tal significa uma fundamentação insuficiente, que, por sua vez, equivale a uma ausência de fundamentação; 7- Os artigos 72 e 78 do Código Penal de 1982 (aqui aplicável) impunham que o tribunal "a quo" tivesse ponderado quer as condições pessoais do arguido e a sua situação económica, quer a sua conduta anterior e posterior aos factos, quer a sua personalidade, quer os seus antecedentes criminais, entre outras circunstâncias; 8- Ora, constata-se no acórdão recorrido uma omissão da fundamentação ou, na melhor das hipóteses, uma omissão deficiente ou não esclarecedora relativamente a essa questão, olvidando-se no mesmo todos os factos que favorecessem o recorrente; 9- Tendo o arguido sido acusado pela prática de 2 crimes de violação e 1 de atentado ao pudor, veio a ser condenado pela prática de 3 crimes de atentado ao pudor. No entanto, inexplicavelmente, no acórdão recorrido manteve-se, para a condenação por crimes menos graves e de modo integral, a indemnização peticionada para crimes mais graves pelos quais o recorrente vinha acusado; 10- Além disso na determinação do montante indemnizatório não atendeu a decisão sob recurso nem ao menor grau de culpabilidade, nem à situação económica e social do recorrente, exigidos para um juízo equitativo a que o tribunal não se conteve; 11- É patente que a decisão recorrida cometeu um erro notório na apreciação da prova, mormente ao dar como facto provado que o recorrente "Como rendimentos tem apenas o que aufere do seu trabalho, onde recebe cerca de 70000 escudos por mês, líquidos", quando toda a prova documental junta aos autos demonstra à evidência que o vencimento líquido médio do recorrente não ultrapassará os 49500 escudos por mês; 12- O tribunal "a quo" condenou o recorrente não só por danos morais sofridos mas...

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