Acórdão nº 97P1175 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 11 de Fevereiro de 1998

Magistrado ResponsávelANDRADE SARAIVA
Data da Resolução11 de Fevereiro de 1998
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam os juizes que compõem a secção criminal - 1. subsecção - do Supremo Tribunal de Justiça: No processo comum colectivo 141/95, do Tribunal de Círculo de Coimbra, por douto acórdão proferido em 9 de Abril de 1997 o Tribunal Colectivo decidiu: a) condenar o Arguido A, casado, gerente comercial, nascido a 29 de Junho de 1958 em Coimbra, como autor de um crime de burla, na forma continuada, dos artigos 217, 218, n. 2, alínea a), 30, n. 2 e 79, do Código Penal de 1995, na pena de seis anos de prisão; b) declarar perdoado um ano de prisão nos termos do artigo 14, n. 1, alínea b) da lei 23/91, de 4 de Julho; c) declarar perdoado um ano de prisão nos termos do artigo 8, n. 1, alínea d) da lei 15/94, de 11 de Maio, sob a condição resolutiva do seu artigo 11. Inconformado interpôs recurso o Arguido que motivou concluindo: a) sempre que o Tribunal dá como provado prejuízo patrimonial e o considera relevante, é porque encontrou valores mínimos; dizer que não se sabe se o prejuízo subsiste quando: - há declaração atribuída a um representante da lesada e que, notificada esta, não a impugnou - o ilustre Mandatário, a intervir, apesar de ter renunciado ao mandato, não se opõe à declaração de que se constata não ter havido prejuízo efectivo, é violar o regime dos artigos 374 e 376 ns. 1 e 2 do Código Civil; b) relegar para os Tribunais civis a questão da indemnização face ao quadro acima, e com a alegação de que se estava face a questões que "inviabilizavam uma decisão rigorosa" sem precisar quais! - é ofender a regra dos artigos 7, 340 e 82 do Código de Processo Penal até por violação do dever de fundamentação - artigo 97 n. 4, do Código de Processo Penal; c) se da omissão de conhecimento da reparabilidade resulta a não consideração do elemento atenuativo - ou integrador do tipo tem o Arguido condenado legitimidade para suscitar o erro de julgamento; c1) demais que, traduzindo-se me matéria de facto relativa a elemento integrador do tipo e a considerar como agravante na medida da pena, reporta-se ao ónus da prova e aí funciona o princípio "in dubio pro reo" (ns. 4 a 8 da motivação); violar-se-ia, pois, também, o regime do artigo 18, n. 2 da Constituição da República; d) enumerar os meios de prova, sem dizer em que medida eles foram relevantes para a decisão, é repetir a forma "tabelar", repudiada pela jurisprudência e doutrina, "provada com base nas testemunhas ouvidas, que mostraram conhecimento da matéria". d1) a razão do preceito, tal como decorre dos conceitos expendidos em 9 é exactamente permitir um controlo imediato sobre a correcção do juízo do julgador... em função das regras da experiência, para apurar se não haverá contradição ou erro notório; d2) não preenche os requisitos do artigo 374, n. 2, pelo que ferida de nulidade - artigo 379 do Código de Processo Penal - a decisão em matéria de facto em que se enumeram todas as testemunhas se se remete para a prova documental junta aos autos, quando quanto àquelas se limita a enumerar a razão de ciência, e quanto à prova documental a mesma colide com a decisão tomada quanto a matéria de facto. Caso exemplar é o facto de se ter dado como provada a matéria dos ns. 27, 28 e 29 da douta sentença, como matéria provada, quando o contrário resulta exactamente de dois dos elementos de prova em que o tribunal se fundamenta (um relatório do Doutor Gavina e o depoimento deste como testemunha ouvida em audiência e que sobre o assunto se pronunciara já a folha 1112); d3) viola o regime legal relativo ao P.O.C. - Decreto-Lei 410/89, de 21 de Novembro - e gera contraditoriedade insanável dar como provado - n. 28 da douta decisão - que uma dada entrada de dinheiro atribuível a um sócio poderia ter sido contabilizada simultaneamente na conta "2551" - que é passivo - e relativa a "dívidas a terceiros - accionistas" e na conta "264" - que é activo - e se refere a "dívidas de terceiros - subscritores de capital". Ficar sem se saber se uma ou outra, porque a simultaneidade que decorre da copulativa "e" não pode ocorrer por imperativo legal, demais quando se dá como provado que a contabilidade nunca esteve minimamente organizada, e, apesar disso, imputar o facto ao Arguido é violar a regra do artigo 127 do Código de Processo Penal - "livre convicção" - entendida esta como a correcta - segundo os padrões de experiência comum - das razões do "pro sobre as do contra", na saborosa expressão de Carnelutti; e) viola o regime do artigo 368, n. 2 e n. 2 do artigo 374 do Código de Processo Penal a decisão que não conhece de factos alegados na contestação relevantes para a culpabilidade; e1) a matéria dos pontos VIII, VIII, 3 da contestação era relevante para os fins das alíneas a) e c) do artigo 368 do Código de Processo Penal, tal como se explicou em 101 e 102, desta motivação, e se repete na conclusão g2), incorreu pois em vício de omissão de pronúncia; f) relativamente aos factos constantes da acusação há que tomar posição indicando os provados e não provados, sob pena de se violar o regime dos artigos 368, n. 2 e 374, n. 2 do Código de Processo Penal; f1) face à matéria da acusação e pronúncia, por um lado e à douta decisão, verifica-se que enquanto no n. 29 da douta pronúncia se fala em devolução de 18000000 escudos, através de 3 cheques, no ponto 25 da douta decisão fala-se só em 2, na matéria provada, nada se dizendo quanto ao 3. Porquê? Omissão, erro de escrita é que não...! tal facto tem relevo até para um dos considerandos da medida da pena, na tese do douto acórdão - a gravidade do engano. Violou-se, pois, o comando acima, pelo que se verifica a nulidade do artigo 379 do Código de Processo Penal, a determinar insuficiência de elementos para a decisão conscienciosa sobre a medida da pena, ao menos; f2) há erro notório, fundamentador de reenvio - artigo 410, n. 2 e 416 do Código de Processo Penal, quando se dá como provado aquilo que, qualquer cidadão, pelas regras da experiência, considera improvável; f2.1) incorre nesse vício o douto acórdão quando, nos ns. 26 e 27 da sua fundamentação, dá como emitidos em 23 de Agosto de 1990, cheques que se diz terem sido depositados em 22 de Agosto, ou seja no dia imediatamente anterior; g) o artigo 217 actual e 313 (na redacção do Código Penal até 1995) exigem empobrecimento injustificado; por acto do enganado - "acto positivo de assentimento"; enriquecimento ilegítimo do Arguido; não podendo considerar-se consumado o crime senão se houver o "prejuízo patrimonial do lesado" loc. citado em 13.2.1; exige-se pois, um duplo nexo de causalidade entre o estado de erro e a prática dos actos prejudiciais para o património e, entre o nexo enganoso e o estado de erro ou engano, sendo que o processo causal faz parte do tipo; g1) viola esse normativo uma decisão em que, como nos casos "FF - H - realização do capital social" e "C" a B não ficou empobrecida, por tais valores não terem saído do seu património - ns. 13 a 15 da motivação, ou quando g2) dá como provado um empobrecimento, apesar de reconhecer que a B pagou ao menos parte do que devia e não se diz que tal factura tivesse ficado por liquidar, como no caso "Secção de Reprografia", independentemente da omissão referida na conclusão e1) ou seja, tendo compensado com um pagamento que, em nome da B tinha feito à Interlog; g2.1) isto independentemente de se dever considerar a subsidariedade do regime do artigo 509 do C.S.C. se estivéssemos face a uma falsa realização de capital social; g3) viola o mesmo normativo a douta decisão quando dá como assente prejuízo no caso "Consultrade - Northwest", se, como se refere no ponto 15.5 acima, está assente na documentação junta aos autos e referida na fundamentação que, no período em que prestou serviço a tal organização... deixou de receber ordenado e encargos sociais pelas contas da B... embora continuasse a trabalhar ao serviço desta...! h) viola o regime do mesmo artigo e do artigo 14 do Código Penal (dolo específico), uma decisão em que se declara a existência de um facto, mas cuja autoria não se imputa ao Arguido, como decorre dos pontos 27, 28 e 29, do douto acórdão em comparação com o que se escreveu em 24, 33, 38, 42 e 56 da mesma peça - cfr. ns. 16 a 18, desta motivação; i) viola o regime do artigo 40, n. 2 do Código Penal, uma condenação em que num quadro de "diminuição considerável de culpa" (sic), com base em razões de prevenção geral, se fixa a pena "ligeiramente acima do ponto médio" - ns. 19 a 24 desta motivação; j) viola o regime do artigo 72 do Código Penal e o princípio da proibição da dupla valoração considerar como circunstâncias que depõem contra o Arguido: a intensidade do dolo directo, num crime que exige ou pressupõe para sua verificação dolo específico, como, num crime contra o património, em que elemento do tipo é o enriquecimento, valorar a intenção lucrativa - ns. 26.1 e 3 da motivação; l) viola o regime do artigo 72 do Código Penal, não considerar o alto valor de confissão, mesmo da materialidade, quando a mesma foi relevante, quer para matéria dada como provada, quer a dada como não provada; "esforços por ele desenvolvidos para a composição com o lesado", face aos elementos carreados a folhas 1934 e seguintes - n. 23 desta motivação; m) viola o regime do artigo 40 do Código Penal sublinhar o valor da prevenção geral, de modo a fazê-lo ter maior peso específico que a "diminuição considerável da culpa", num caso de crime continuado, em que não se revelaram os elementos da criminalidade de "colarinho branco" - ns. 26.4 e 26.4.1 -, quando o facto ocorreu há mais de seis anos e a censura foi antecipadamente assegurada pela imprensa, em dois momentos anteriores ao julgamento e com a publicidade de que Coimbra não desgosta...! - n. 30 desta motivação; n) viola o princípio da igualdade e da proporcionalidade, e, consequentemente a ideia de "administração da Justiça", como acto em nome do povo, punir de forma díspar situações semelhantes. Choca esse sentimento de justiça distributiva e retributiva, confrontar esta situação com a...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT