Acórdão nº 97P230 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 30 de Outubro de 1997 (caso NULL)
Magistrado Responsável | DIAS GIRÃO |
Data da Resolução | 30 de Outubro de 1997 |
Emissor | Supremo Tribunal de Justiça (Portugal) |
Acordam na Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça. No processo comum n. 788/95, do 2. Juízo Criminal do Tribunal Judicial da comarca de Matosinhos, os arguidos A,B,C e D, identificados a folha 973, encontram-se pronunciados da seguinte forma: O primeiro arguido, como autor de um crime previsto e punido pelo artigo 3, n. 1 do Decreto-Lei n. 390/91, de 10 de Outubro; os segundo e terceiro arguidos, como co-autores de um crime previsto e punido pelo artigo 4, ns. 1 e 2 do mesmo diploma legal; e o quarto arguido, pelo mesmo crime, mas na qualidade de cúmplice. Todos apresentaram as suas contestações, onde negam a prática dos ilícitos que lhe são imputados, e os segundo e quarto arguido invocam ainda o seu bom comportamento moral e social. Realizada a audiência de julgamento, o Tribunal Colectivo decidiu: - Condenar o arguido A, pela autoria material de um crime previsto e punido pelo artigo 3, ns. 1 e 3, com referência ao artigo 2, ns. 1 e 2, todos do Decreto-Lei n. 390/91, de 10 de Outubro, na pena de 15 meses de prisão. - Condenar o arguido B, pela prática de um crime previsto e punido pelo artigo 4, ns. 1 e 2, com referência ao artigo 2, n. 1, todos do aludido Decreto-Lei 390/91, na pena de 1 ano de prisão. - Condenar cada um dos arguidos C e D, como cúmplices do ilícito praticado pelo arguido A, na pena de 8 meses de prisão, cuja execução foi suspensa pelo período de 2 anos, nos termos do disposto no artigo 48 do Código Penal de 1982. - Condenar todos os arguidos nas custas do processo. Inconformado, o arguido A interpôs recurso, como se alcança de folha 997. Na motivação, conclue: 1- A pedra angular de todo o acórdão é o acordo que, de harmonia com a convicção do tribunal a quo, teria sido celebrado entre os primeiro e segundo arguidos, respectivamente o ora recorrente e o Senhor B, matéria que consta dos pontos 9 e 10 do elenco de factos dados como provados. 2- Para além de ter dado como provada a existência de tal acordo, o tribunal a quo situou-o "em data indeterminada, mas que se situará no início da época 1992/1993". 3- Contudo, da própria motivação da decisão de facto (ponto C) do acórdão) resulta que ninguém, em audiência, assumiu que tal acordo tenha existido. 4- Na verdade, quanto ao acordo descrito sob os ns. 9 e 10 da matéria de facto dada como provada, o tribunal acaba por confessar que se baseou em escutas telefónicas, onde, como se sabe, não se faz a mais pequena referência a um acordo e ao depoimento de dois arguidos que negaram a prática dos factos, bem como a um conjunto de documentos de onde não pode extrair-se, ainda que longinquamente, a existência de qualquer acordo entre os dois primeiros arguidos. 5- O tribunal foi ao ponto de fazer transcrições de alegadas afirmações do terceiro arguido ("... o que é que um pai não faz por um filho?..." e "... Nunca abandonei um filho..."), numa evidente violação do princípio da oralidade e da proibição de documentação da prova. 6- A ausência de factos provados quanto ao dito acordo resulta, por fim, do último parágrafo da parte reservada à motivação de facto, onde se lê que "o acordo teve necessariamente que ser "celebrado" na época de futebol de 1992/1993, porque...". 7- De seguida, o tribunal explana uma dedução: como aquela época foi a única em que o arguido A poderia ter-se "encontrado" com o Leça Futebol Clube, de que era presidente o segundo arguido, terá sido no início dessa época que o acordo terá entre ambos sido celebrado. 8- Ora, em primeiro lugar, não está demonstrado que o arguido A estivesse impedido de arbitrar jogos do Leça Futebol Clube na Época de 1991/1992. 9- Por outro lado, mesmo que se tivesse celebrado tal acordo para a época de 1992/1993, resulta da decisão recorrida que o tribunal a quo pura e simplesmente desconhece quando poderia ter tido lugar tal acordo e situa-o no início dessa última época com recurso a uma operação de dedução. 10- Acresce que ninguém, no mundo do futebol, poderia ter celebrado um acordo como o descrito no acórdão recorrido. 11- Por todo o exposto, resulta que há insuficiência de matéria de facto provada para a decisão, tendo o tribunal a quo, por esta via, cometido o vício previsto no artigo 410, n. 2, alínea a), do Código de Processo Penal, o que determina, nos termos do artigo 426 do mesmo código, que esse Supremo Tribunal deverá decidir da causa, absolvendo o recorrente, sem reenvio para novo julgamento, já que, no caso presente tem ao seu dispor elementos que o habilitam a fazê-lo. 12- Dispõe o artigo 8, n. 1, alínea d), da Lei n. 15/94, de 11 de Maio, que, relativamente às infracções praticadas até 16 de Março de 1994, inclusive, é perdoado um ano em todas as penas de prisão, ou um sexto das penas de prisão até oito anos. 13- É, no entender do recorrente, notório o erro do tribunal a quo, na interpretação dos artigos 2 e 3 do Decreto-Lei 390/91, para efeitos da determinação do momento da consumação do crime. 14- Na verdade, para a determinação do momento da consumação do crime de corrupção passiva no domínio desportivo, previsto e punível pelo Decreto-Lei n. 390/91, de 10 de Outubro, não há razão para não aplicar as regras que consabidamente se aplicam ao crime de corrupção previsto e punível pelo artigo 420 do Código Penal (aplicável à data dos factos imputados ao arguido ora recorrente) e actualmente, nos termos do código revisto, previsto e punível pelo artigo 372. 15- No crime de corrupção, "como decorre da própria essência do delito, a consumação só se verifica quando o funcionário aceita a promessa e, assim, se corrompe". Quanto à corrupção activa, "só se consuma quando ocorre a corrupção passiva", como defende Figueiredo Dias. 16- Este entendimento foi adoptado igualmente no acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa que, nestes autos, decidiu em 8-11-1995, atribuir ao tribunal de Matosinhos a competência para julgar o feito. 17- Pelo exposto, tendo presente que o tribunal a quo deu como provado que entre o ora recorrente e o segundo arguido foi celebrado o acordo no início da época de 1992/1993 (vd. pontos 9 e 10 da matéria de facto dada como provada), ou seja, necessariamente ainda no decurso do ano de 1992, situou aí o momento da consumação do crime imputado ao ora recorrente. 18- Deste modo, é aplicável à pena em que o recorrente foi condenado um perdão de um ano, como decorre do artigo 8, n. 1, alínea d), da Lei 15/94 de 11 de Maio. 19- O crime que o tribunal a quo considerou ter o ora recorrente praticado é punível com uma pena que, em abstracto, tem como limite máximo os dois anos de prisão. 20- O tribunal a quo deu como provado que o arguido, ora recorrente, dirigiu o único jogo do Leça em que interveio com correcção e de acordo com as leis do futebol. 21- O tribunal deu ainda como provado que o ora recorrente é reputado no meio social em que se insere como sério, honesto, humilde, muito trabalhador, bom chefe de família e de postura moral irrepreensível. 22- O tribunal deu também como provado que o ora recorrente é considerado muito poupado e que, além das suas actividades profissionais, desenvolveu até à data que se ignora, a actividade de criação de gado, sendo considerado, no meio em que se insere, como pessoa abastada e que nunca teve dificuldades económicas ou financeiras. 23- O tribunal deu, finalmente, como provado que o ora recorrente é primário e tem bom comportamento anterior e posterior aos factos. 24- Face a todos os elementos que antecedem, considera o recorrente que o tribunal a quo fez uma correcta aplicação dos princípios constantes do artigo 71 do Código Penal revisto, visto que ao recorrente não poderia ser aplicada uma pena superior a dez meses de prisão. 25- O tribunal a quo deu como provados um conjunto de factos, quer quanto às condições de vida e de inserção social e familiar do recorrente, quer quanto às características da sua personalidade, quer ainda quanto à sua conduta anterior e posterior aos factos que, conjuntamente, permitem concluir que a simples censura do facto e a ameaça de prisão realizarão de forma adequada e suficiente as finalidades da punição. 26- Acresce que o recorrente já sofreu, às ordens deste processo, três meses de prisão preventiva e nove meses de obrigação de permanência na habitação. 27- Há ainda que ter em consideração todo o alarde feito em torno do recorrente pela comunicação social, com as consequências negativas que dificilmente se apagarão no futuro. 28- Deste modo, afigura-se adequado determinar a suspensão da pena que, a final, vier a ser aplicada ao recorrente, nos termos do artigo 50 do Código Penal revisto. Pede-se a absolvição; a não ser assim entendido, que seja aplicado o perdão de um ano à pena em que o recorrente for condenado. Em qualquer caso a pena não poderá ser superior a dez meses de prisão, cuja execução deverá ser suspensa, se não for aplicado o aludido perdão. Também inconformado, o arguido B interpôs recurso, como se mostra de folha 998. Na motivação, conclue: 1- A douta decisão recorrida deu como provada matéria de facto não constante da pronúncia. 2- A apreensão de tal matéria pelo Tribunal só pode ter acontecido, por inexistência de outras razões legais justificativas, e até porque a defesa dos Recorrentes lhe não deu causa, no decurso da audiência de julgamento. Assim, 3- E por tal motivo, deveria o Tribunal ter dado cumprimento aos deveres que lhe são impostos pelos artigos 358 e 359 do Código de Processo Penal, o que não fez, omissão que impediu o Recorrente de se defender. 4- A condenação do Recorrente (e dos restantes Recorrentes afinal), teve como base a referida matéria de facto dada como provada e não constante da pronúncia. Assim, 5- violou a referida decisão, não só as disposições legais citadas como o princípio do contraditório constitucionalmente consagrado (artigo 32 n. 5 da Constituição da República Portuguesa) bem como o artigo 374 n. 2 do Código de Processo Penal, donde, 6- a sua nulidade nos termos das alíneas a) e b) do artigo 379 do Código de Processo Penal. 7-...
Para continuar a ler
PEÇA SUA AVALIAÇÃO